Diário dos Açores

Moralistas da Bola Versus Portugueses de Segunda

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Vivemos na era dos pés-de-vento por dá-cá-aquela-palha, a exacerbação de problemas (apesar de tudo) do primeiro mundo, e fogueiras virtuais que se alimentam rápido na caruma seca e abundante das caixas de comentários online. Mesmo sabendo disso de trás para a frente não deixou contudo de me surpreender a algazarra que se gerou porque, valha-nos Deus Nosso Senhor, os adeptos do Benfica dominavam a esmagadora maioria dos 7 ou 8 mil que estiveram no Estádio João Paulo II para uma eliminatória da Taça de Portugal frente ao centenário Lusitânia. Páginas houve, daquelas com muitos milhares de seguidores, que se deram ao trabalho de tecer rascunhos de ensaios moralistas sobre a tristeza de não se apoiarem os clubes da terra, rebéubéu pardais ao ninho, e que é por causa disso que o futebol português – esse excelso poço de virtudes – não evolui.
Duas coisas em particular tiraram-me do sério. A página – não me vou dar sequer ao trabalho de a dignificar nomeando-a – que apontou os Açores, em especial, como exemplo dessa falta de apoio às colectividades locais. E depois o tom da esmagadora maioria dos comentários despoletados pelo post.
Por partes, meu caríssimo furúnculo digital: primeiro, o Sport Lisboa ou Benfica, goste-se ou não, praticando bom ou mau futebol, terá80 ou 90% dos adeptos presentes em qualquer estádio do continente, seja onde for, não importa qual a competição, com excepção das partidas disputadas em Alvalade e no Dragão. Podem impedir os adeptos de trazer símbolos alusivos ao clube, podem inflacionar os preços dos bilhetes aos torcedores encarnados, até podem fazer o pino de cuecas numa corda bamba que a realidade não muda nem se compadece.
Segundo, foi a primeira vez – repito – a primeira vez na história do futebol que o SLB disputou uma partida oficial na ilha Terceira. Podia ter acontecido, e frente ao mesmo Lusitânia, com outro ‘grande’. Mas o FCPorto, em 64, por motivos insondáveis até hoje, recusou defrontar os verde-e-brancos de Angra numa meia-final da Taça… que curiosamente acabou por disputar como finalista - num daqueles fascinantes mistérios do, reitero, excelso poço de virtudes que é o futebol luso.
Experimentem deslocar o Benfica a uma partida com os Pauliteiros de Miranda FC, o Juventude de Freixo-de-Espada-à-Cinta ou o União Desportiva dos Melros de Mafamude, e depois venham contar-me quantos adeptos do clube local estavam nas bancadas, sim?
Finalmente, terceiro, e em particular para a quantidade de energúmenos incapazes de escrever duas linhas seguidas sem dar erros de Português (mesmo que uma das ditas inclua o seu nome completo), que apelidaram – nesses fóruns de sabedoria e pensamento refinado que são as caixas de comentários – os açorianos de parôlos, saloios e muito pior, saibam disto: vocês podem ser todos habitantes do Portxugal Summit do Sôr Costa, o primeiro-ministro mais miseravelmente centralista, condescendente, desprezível e desdenhoso em relação aos arquipélagos que a democracia – e se calhar até a ditadura – já viram. Mas não troco nem um dia dos quase 6 séculos de História dos Açores, não troco um terramoto, uma tempestade, uma erupção, uma milha marítima de isolamento por um minuto na vossa pele de obtusos que aliviam frustrações a teclar de pantufas no conforto cobarde da distância, bonzos contentinhos muito seguros da sua superioridade só porque nasceram com mais terra à volta. É que o mar, o céu, a lonjura, a intempérie, a carestia e a necessidade teriam feito de vós uns homenzinhos. Agora é tarde.


Luís Filipe Borges

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