Diário dos Açores

Sobre seguros de saúde, vacinas e erros médicos

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Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (27):

A Ciência da Semana: Prevenir diagnósticos médicos errados

Magnífico editorial, o desta semana do Washington Post, sobre esta temática. O autor começa por destacar que os bons médicos são como bons detectives, que usam todo o seu treino e experiência, para rastrear a causa, ou causas, dos sintomas de um doente, e assim recomendar o melhor tratamento. As pistas que os médicos seguem muitas vezes são obtidas através de exames laboratoriais. Fazer os testes correctos pode levar a um diagnóstico certo. Mas, se os resultados do teste estiverem errados, pouco poderá estar correcto. Ou seja, os testes laboratoriais são tão críticos neste processo quanto os medicamentos ou dispositivos médicos.
Nos EUA o governo federal regula a segurança e eficácia dos medicamentos e dispositivos médicos, mas não tem a mesma intervenção nos laboratórios, que se transformaram numa indústria multibilionária. Porém, está em curso um plano, em discussão pública até 4 de Dezembro, em que a FDA passará a exigir provas sólidas de que os testes desenvolvidos em laboratório funcionam como pretendido – como acontece com todos os dispositivos médicos.
Nos últimos anos, à medida que os testes desenvolvidos por laboratórios se tornaram cada vez mais complexos, e utilizados para diagnosticar populações cada vez maiores, o risco de erro aumentou. Quando os testes dão resultados errados, muitas vezes é porque os processos dos testes são inadequados, ou porque são concebidos para identificar proteínas, colesterol, genes ou outros marcadores que não têm ligação comprovada com a doença, de que o doente se queixa. Quando assim é, os doentes acabam por receber terapêutica inapropriada, ou em quantidade inadequada.
Por exemplo, o falso exame de sangue por picada no dedo, criado por Theranos – que a fundadora Elizabeth Holmes alegava poder detectar todos os tipos de doenças – era um teste desenvolvido em laboratório e, portanto, não estava regulamentado, sendo um exemplo extremo do que pode correr mal; mas, a FDA já apresentou mais relatos anedóticos de imprecisões, mesmo entre testes cujos fabricantes fazem afirmações muito mais modestas, para situações como o envenenamento por chumbo, o autismo, doenças cardíacas e cancro, bem como exames genéticos pré-natais.
Estudos académicos independentes documentaram falhas, como num estudo de testes para marcadores genéticos de cancro colorrectal, em que os investigadores enviaram as mesmas amostras de células para 19 laboratórios, para avaliação, e descobriram que 9 dos testes dos laboratórios cometeram 5 ou mais erros. A maioria eram falsos negativos, especialmente perigosos quando o sucesso do tratamento depende da detecção precoce. Durante a pandemia, uma avaliação da FDA a 125 testes ao coronavírus, desenvolvidos em laboratório, revelou que 82 (66%) tinham grandes problemas de validação.
Os novos testes só são benéficos para a medicina se funcionarem; o diagnóstico errado aumenta o custo dos cuidados de saúde. E, erros de diagnóstico acontecem com frequência: a maioria dos americanos pode esperar passar por tal pelo menos uma vez. O erro humano, por pessoal médico, há-de acontecer sempre. Testes maus não são a única causa de diagnósticos incorrectos. Mas, são uma causa na qual a FDA pode intervir.

Os dados para análise: seguros de saúde muito mais caros, nos EUA

Anna Wilde Mathews, no WSJ de 18.10.2023, mostra-nos a realidade dos seguros de saúde nos EUA, dando o exemplo do seguro de saúde de uma família, que custa quase 24 mil dólares este ano, após o maior aumento dos últimos 10 anos. O próximo ano parece ser igualmente mau.
O custo dos seguros de saúde dos empregadores aumentou este ano, ao ritmo mais rápido desde 2011, de acordo com um inquérito anual da KFF (organização sem fins lucrativos, de investigação em saúde). O salto de 7% no custo de um plano familiar elevou a conta média para quase 24 mil dólares. O pagamento médio dos trabalhadores, por esses planos de seguro, foi de 6.575 dólares, quase 500 dólares mais do que no ano passado. A inflação, na Economia em geral, é responsável pelos aumentos acentuados deste ano nos custos dos seguros de saúde.
A boa notícia para os trabalhadores é que os empregadores não estão a aumentar as franquias (valores que os trabalhadores pagam do seu próprio bolso, pelos cuidados de saúde, antes da cobertura entrar em vigor). Isto porque os empregadores estão relutantes em acrescentar novos custos sobre os trabalhadores, num mercado de trabalho difícil, além de que algumas empresas temem que os custos suportados pelos funcionários os façam evitar os cuidados necessários.
Outro ponto positivo para os trabalhadores é que o plano de seguro mais comum oferece o acesso a uma ampla variedade de hospitais e médicos. Essas grandes redes abertas são vendidas como organizações fornecedoras preferenciais. A sua popularidade, apesar do aumento dos custos, indica que os empregadores não estão a voltar atrás, para planos com menus limitados de médicos e hospitais. Naquela realidade americana, isto é uma excelente notícia.

É isto que alguns desejam para Portugal, e para os Açores…?

A homenagem da semana: as vacinas salvam vidas!

Um estudo publicado na revista Neurology, em 18.10.2023, avaliou 3.193.951 de pessoas, com mais de 15 anos, de 01.01.2021 a 30.06.2023, sem história prévia de Síndrome de Guillain-Barré (SGB). Neste estudo a infeção por SARS-CoV-2 aumentou significativamente o risco de ocorrência de SGB (cerca de 6 vezes!), e a vacinação mRNA teve um efeito protector de aproximadamente 60%. [artigo aqui https://n.neurology.org/content/early/2023/10/18/WNL.0000000000207900].

As vacinas salvam vidas. Ponto.

 

*Médico  consultor (graduado) em Saúde Pública, com a competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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