A Europa é que nos salva
Diário dos Açores

A Europa é que nos salva

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A dois meses de terminar o ano, que não foi bom para ninguém, já se vislumbra um novo ano ainda pior.
Com efeito, 2024 vai ser um ano de desaceleração económica, novamente pressionado pela inflação, que sofrerá os efeitos da guerra no médio oriente, e pelas elevadas taxas de juro, que teimam em não baixar.
O Governo dos Açores prevê um crescimento do PIB, no próximo ano, de 2,9%, acima dos 2,7% da previsão nacional, mas ambas as previsões já estão desactualizadas em baixa.
O Orçamento de Estado agora apresentado corrigiu a previsão de crescimento para apenas 1,5%, pelo que o Governo dos Açores vai ter de corrigir, também, em baixa, o seu elevado optimismo inscrito na anteproposta de Plano e Orçamento.
É uma péssima notícia para a coligação, em ano de ciclo eleitoral, que vai apostar tudo nas verbas do PRR e nos fundos comunitários do 2030, mas é uma notícia muito pior para as famílias, que vão ter mais um ano de aperto e austeridade encapotada.
Os fundos que vamos ter à nossa disposição nos próximos anos deviam ser a alavanca de uma revolução económica nas nossas ilhas, rompendo conceitos velhos e vícios antigos, para promover um novo modelo de desenvolvimento que faça criar riqueza e fixar pessoas.
Em vez disso, olhamos para o Plano de Investimentos, e constatamos que é um documento de capelinhas, sem ambição agregadora da região e que responde aos mínimos de cada uma das ilhas, com todas elas a desconfiar que a execução continuará baixa como nos Planos anteriores.
Aliás, as últimas decisões do último Conselho do Governo só provam que não temos apenas um governo, mas três governos dentro do mesmo, cada um deles a distribuir o que resta pelas suas clientelas eleitorais.
Por sua vez, o PRR também dá sinais de um caminho errado, dedicando demasiada atenção ao sector público em vez de uma forte aposta no sector reprodutivo.
E quanto à sua execução é só olharmos para o nosso histórico, em todos os governos. Se não conseguimos obter boas taxas de execução em cada ano que passa, como é que em apenas dois anos vamos executar cerca de 700 milhões de euros postos à nossa disposição, mais quase outro tanto em investimento público do Plano para 2024?
Os parceiros sociais torcem o nariz e com razão, quando alertam que “a execução do investimento apresentado nesta Anteproposta de Plano para 2024, está fortemente condicionada pelos níveis de execução que vierem a ser alcançados do PRR Açores, o que exigirá ritmos e intensidade de execuções bem maiores do que os verificados em 2022 e 2023”.
Ora, num cenário de desaceleração económica e de mais um ano de crise para as famílias e empresas, não se vislumbram boas notícias para 2024, prosseguindo a Região no caminho que vem traçando há mais de uma década, como também constata o Conselho Económico e Social dos Açores, apresentando progressos muito fracos a nível de produtividade, o que resulta numa divergência do PIB per capita dos Açores face à média nacional.
Nada disto surpreende, porquanto os erros cometidos durante vários anos tinham que, um dia, resultar nas consequências a que estamos a assistir, que é termos uma Região altamente subsidiada mas mal aplicada.
As despesas de funcionamento da Região, no valor de 961 milhões de euros, até já ultrapassam o investimento público, no valor de 935 milhões de euros.
Chegamos ao cúmulo de, no próximo ano, o valor das transferências da União Europeia (400 milhões de euros) para o nosso Orçamento Regional serem maiores do que as transferências do Estado (325 milhões de euros), o que diz bem da solidariedade nacional para com os indígenas insulares.
Imaginem que as transferências do Estado nem dão para pagar as despesas do nosso sector da Saúde, que no próximo ano têm um valor de 386 milhões de euros.
Só a Saúde e a Educação representam quase 50% da despesa global da nossa Região e mais de 80% das despesas de funcionamento, um peso que os contribuintes açorianos não poderão continuar a suportar, caso não seja alterada a Lei de Finanças Regionais.
O que nos vai valendo é a solidariedade europeia, que tem um peso incomensurável na nossa economia.
As nossas receitas próprias são pífias, apesar de, no próximo ano, se registar um aumento de 8%, graças aos cerca de 72 milhões de euros em impostos, a maioria dos quais reflectindo o aumento de quase 10% das receitas do IVA.
Se não houver uma gestão criteriosa e competente dos nossos recursos no próximo ano, nomeadamente na aplicação da tal “bazuca” europeia, será mais uma oportunidade perdida.
É verdade que há mais investimento público, mas também confirma-se uma despesa corrente mirabolante, sobretudo com pessoal, reflectindo a enorme galáxia da administração pública que os governos montaram na Região, o tal polvo que espalha tentáculos por todo o lado, asfixiando o sistema reprodutivo e transformando os Açores numa incomportável máquina de funcionários públicos fortemente dependentes.
Romper com esta continuidade não é fácil, até porque os nossos recursos são fracos e há uma enorme máquina para alimentar, que ajuda nos ciclos eleitorais.
O que vamos receber da Europa nos próximos anos é (mais uma) excelente oportunidade para rompermos com o modelo desacertado que temos desenvolvido nestas últimas décadas.
Seremos capazes?
Vamos acreditar nisso... em dia de Todos os Santos.

Osvaldo Cabral

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