Diário dos Açores

Olhar atento, precisa-se!

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Segundo Urbano Mendonça Dias, História dos Açores (p.162), a designação de Arrifes, para a freguesia, em contraste com a tradição de atribuir nomes de Santos, deve-se às suas caraterísticas peculiares. Ou seja, lugar inclinado, de mau e difícil acesso. Reza a história que a freguesia de Arrifes sempre se caracterizou por ser uma zona de acessos difíceis com rochas à vista. Destacava-se a Ladeira do Ventura e do Teatro, Calço do Diogo, Rua dos Afonsos, Outeiro, Ladeira da Carreira, Rua da Piedade, entre outras.
A denominação de Lagedo, o troço de estrada que liga a freguesia de São José aos Arrifes, assegura Urbano Mendonça Dias, “porque ao Torreão se vê” (muito provavelmente da casa do Marquês da Praia e Monforte), teve como inspiração o caminho e a longa pedreira. Assim, tanto para nascente como para sul tínhamos as caraterísticas peculiares de uma zona de “arrife”, que, vocalizado, terá dado “arrifes”.
Certo é que ao longo dos anos a freguesia de Arrifes foi sofrendo intervenções que suavizaram o terreno pedregoso, acidentado, muito por força da intervenção manual que removeu a pedra, concentrando-a em muros para delimitação dos terrenos e ao mesmo tempo para servir de abrigo da erosão dos ventos.
Hoje já em muito pouco se nota, na paisagem dos Arrifes, a aspereza que o termo encerra. Está confinado, o que resta, à enseada de cerrados que ladeiam a Canada do Cambado que outrora ligava a rua da Saúde ao Ramalho, tendo passado a via rápida que une Belém ao Aeroporto, barreira limitadora do que resta do que foi outrora a freguesia de Arrifes. Ao que me parece, muito poucos se terão detido ali, até hoje, no sentido de ver e valorizar a herança que temos em mãos.
Toda aquela zona outrora servida apenas pela Canada do Cambado, canada estreita que serpenteia as pastagens, com a pedra no chão à vista e os quilómetros de paredes de pedra é tudo quanto resta preservar para mostrar aos vindouros o que deu origem aos Arrifes.
No início da Canada do Cambado, que confronta com a rua da Saúde, já se construíram cerca de uma dezena de habitações, licenciadas pela Câmara Municipal de Ponta Delgada, cada uma com a sua traça e sem qualquer preocupação com o enquadramento do último bastião identitário da freguesia. Os muros de pedra deram lugar às paredes de alvenaria, pintadas cada uma de sua cor. O que já ali se construiu, sem qualquer preocupação ou exigência, ameaça a paisagem idílica que se perde no tempo.  
A Canada do Cambado, no que perdura desde a monarquia, devido à construção da via rápida, hoje desemboca no caminho que dá acesso à gruta do carvão, lugar de elevada procura turística, pelo que promete, clama por um olhar atento.
Se a encosta da vinha do Pico, com as parcelas cercadas pelas paredes de pedra, foi classificada como património da UNESCO, foi porque alguém com sensibilidade percebeu o seu valor. Pena é que por cá ninguém tenha ainda reparado no que ali está e que, se não houver uma intervenção urgente, desaparecerá para sempre.
Bem sei que uma classificação é sempre um processo muito complexo, mas não deve tal complexidade demover-nos de pelo menos preservar o que chegou às nossas mãos.


Alberto Peixoto

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