Diário dos Açores

Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (29):

Previous Article Previous Article Aldeia da Cuada vencedora nos World Luxury Travel Awards 2023
Next Article Açores registam novo recorde de passageiros desembarcados em Outubro Açores registam novo recorde de passageiros desembarcados em Outubro

Quando “trabalhadores saudáveis” são uma exigência de todos

A Ciência da Semana: trabalhadores doentes são um risco para a Comunidade
Pensa-se que nos últimos 50 anos, pelo menos, 12 acidentes de avião foram causados deliberadamente por pilotos, ou outros nos comandos, segundo a Aviation Safety Network, que rastreia os acidentes aéreos. As evidências de que o copiloto do voo da Germanwings (que caiu em França, em Março de 2015) trancou o piloto fora do cockpit, gerou legítimas preocupações sobre um perigo que os reguladores da aviação e da segurança consideram um dos menos controláveis: a ameaça proveniente de  “pessoas internas”. Apenas 4 dias antes daquele acidente o piloto de um avião da Ethiopian Airlines foi condenado à revelia a 20 anos de prisão, por um tribunal etíope, por sequestrar o seu próprio voo, em Fevereiro de 2014. Haile-Medhin Abera Tegegn, de 31 anos, com 5 anos na companhia, trancou um segundo piloto fora da cabine do Boeing 767, com destino a Roma, desviou o avião (com 202 pessoas a bordo) para Genebra, e aí pediu asilo. Não foi feita qualquer alteração nas regras das portas da cabine, após o incidente.
Os pilotos são alvo de avaliação médica antes da contratação, e são depois avaliados regularmente. A frequência e o rigor variam de acordo com a companhia aérea, e o país. A “Deutsche Lufthansa AG” (dona da Germanwings) é muito exigente na escolha dos pilotos. E é aqui que deve começar o cuidado especial, na contratação daqueles que exercem profissões que podem colocar muitos outros em risco… pilotos de aviação, polícias, enfermeiros, médicos…
Suspeita-se que o voo 370 da “Malaysia Airlines” (que desapareceu em 2014, quando voava de de Kuala Lumpur para Pequim), foi deliberadamente desviado por alguém, ao seu comando. Não foi encontrado qualquer destroço, mas há a forte suspeita de desvio e acidente no Oceano Índico. 5 meses antes (em Novembro de 2013), um Embraer da “LAM Mozambique Airlines” caiu na Namíbia, num voo com destino a Angola, matando 33 pessoas a bordo. Os investigadores atribuíram o acidente a “acções intencionais do piloto”. A queda de um Boeing 767 da Egypt Air em Outubro de 1999, pouco depois de partir de Nova Iorque, também foi atribuída ao piloto.
Há muito tempo que se desenrola um debate sobre como avaliar e tratar a saúde mental dos pilotos de avião. E de outras profissões, onde há enorme responsabilidade, sobre a vida e segurança de terceiros. Em comum, estas profissões, têm por vezes a relutância dos seus profissionais em partilhar problemas de saúde mental, e procurar o seu tratamento, por medo de perderem os seus empregos, ou verem descarrilar as suas carreiras. Tornando,  assim, ainda mais importante o papel do Médico do Trabalho.

Os dados para análise: “Eu não estou bem…”
Hoje trago para análise um magnífico artigo de Allison Pohle e Alison Sider, no WSJ, da semana passada.
“Eu não estou bem”, foram as palavras de um piloto da Alaska Airlines antes de ter tentado desactivar os motores de um avião comercial, durante um voo, no penúltimo fim de semana de Outubro deste ano. As autoridades disseram que o piloto partilhou depois o drama da sua luta contra a depressão, e a recente morte de um amigo.
A “Administração Federal de Aviação” (FAA) depende da auto-avaliação dos pilotos, para revelarem os seus problemas de saúde mental. Porém, em muitos casos, os pilotos não revelam esses problemas, pelas possíveis repercussões na sua carreira, e pelo medo de dificuldades financeiras. Os  pilotos não ficam automaticamente inaptos de voarem, se forem diagnosticados com ansiedade, depressão ou outros problemas de saúde mental, mas a FAA monitoriza-os muito de perto. Os problemas de saúde mental são como um cancro silencioso na aviação. Os pilotos, em particular, podem não admitir problemas de saúde mental por temerem ser afastados do trabalho para uma avaliação mais aprofundada, o que significa stress adicional, por não serem capazes de sustentar as suas famílias ou pagar as suas “contas”.
Os pilotos estão sujeitos a avaliações médicas, que determinam a sua aptidão para voar. Um estudo publicado em 2022, no “Journal of Occupational and Environmental Medicine”, revelou que cerca de 56% dos 3765 pilotos avaliados relataram alguns comportamentos alarmantes, como evitar procurar ajuda médica, sair dos canais formais ou não divulgarem informações de saúde, devido ao risco de perderem a possibilidade de voarem. Ora, incentivar a procura de ajuda precoce é fundamental!
Joseph Emerson, o piloto da “Alaska Airlines” preso após o incidente citado acima, disse à polícia que lutava contra a depressão há 6 meses. O advogado de Emerson descreveu-o como um homem de família dedicado, que nunca magoaria outras pessoas intencionalmente. Emerson trabalha como piloto de linha aérea há mais de 20 anos. Ao longo de sua carreira completou todas as suas certificações médicas obrigatórias, conforme exigido, e a sua certificação nunca foi rejeitada, suspensa ou revogada.
Este incidente na aviação segue-se a outros ocorridos nas últimas décadas, como já acima referi. Em 2022, um avião da “China Eastern” mergulhou a alta velocidade numa montanha, após uma descida quase vertical, matando 132 pessoas. Dados de uma das caixas negras do avião sugeriram entradas no cockpit, que conduziram ao mergulho do avião...
A saúde mental representa um desafio particular na monitorização de potenciais ameaças internas, devido aos desincentivos para os pilotos se auto-reportarem. Philip Baum, director-geral da Green Light, uma empresa de consultoria em segurança da aviação com sede em Londres, apelou à criação de um sistema de “denúncias anónimas”, para que colegas ou familiares reportem sinais de alarme de saúde mental. Uma boa medida para esta profissão, mas também para outras idênticas, como acima já referi.

A homenagem da semana: Enfermeiro de família vai ser uma realidade nos Açores!
No seguimento de uma iniciativa aprovada por unanimidade, no parlamento regional, será regulamentado o Enfermeiro de Família, nos Açores. A regulamentação do enfermeiro de família, agora publicada, é mais um passo para a implementação desta figura, reivindicada desde 2009 pelo Dr. Artur Lima.
Confesso que à época não fui um dos que viu o alcance desta proposta. Agora, todos temos de reconhecer que assegurará melhores cuidados aos Açorianos: dada a complexidade crescente dos problemas relacionados com a saúde, os enfermeiros são elementos fundamentais nas estratégias e reformas que se queiram implementar. De facto, a figura do enfermeiro de família trará uma melhoria qualitativa e quantitativa à prestação de cuidados de saúde aos Açorianos, diversificando a atividade do próprio enfermeiro.
Urge fazer uma reforma dos Cuidados de Saúde Primários na Região Autónoma dos Açores, generalizando as Unidades de Saúde Familiar, associadas a uma adequada contratualização de serviços, com óbvios benefícios para utentes e profissionais de saúde, e ao mesmo tempo contribuindo para uma gestão adequada do orçamento, proveniente dos impostos de todos nós.

Mário Freitas*
*Médico  consultor (graduado) em Saúde Pública, com a competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

Share

Print

Theme picker