Diário dos Açores

Os guias do piquinho

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1 - Os açorianos são gente exagerada. Consideram as suas ilhas paradisíacas sem terem ido a Taiti, certas ilhas gregas ou turcas, sem visitarem as ilhas pequenas do Hawai ou do populoso Japão, sem se terem deslocado a ilhas afastadas da Indonésia e do Bornéu, sem expedições ao golfo da Califórnia ou a minúsculos arquipélagos do Pacífico e da China.
Na China há vulcanismo muito recente e espantoso, a Sul e a Norte, especialmente na fronteira com o Vietname. Quando visitei, com os Prof.s Chai Wuan, Dr. Ricardo Vieira e Dr. Vicente Araña, a montanha vulcânica de Chambai, deparei com uma caldeira gémea da Lagoa do Fogo, embora mais imponente e mais preservada. Muito protegida... Em quase todos esses sítios observei populações interessadas no acautelar das suas riquezas naturais. Sem as ajudas das populações locais, não há natureza que resista. Mesmo com leis draconianas bem concebidas.
2- Sem essa preciosa ajuda, quer interna quer de passantes ou de associações, os cuidados de guardas da natureza ou de guardas florestais pouco servem. É uma verdade que merece reflexão nas escolas, nas diversas comunidades, entre os políticos.
3 - Porém há uma peste que se enraizou nos Açores, à moda do Continente e que só se cura com o desastre. É a ganância desmesurada, para a qual não existe escala Mercalli, nem pesos nem multas. A ganância sempre existiu, desde os sogros dos descendentes de Adão e Eva. Foi decerto a ganância que empurrou Judas para a venda de Jesus. Foi até um certo ponto, a ganância e as doenças que acabaram com a era do trigo, a era das laranjas, a era das vacas gordas e a era dos bezerros dos Acores. Agora circulamos na Era Do Turismo!! E vai ser a ganância fútil e vil que vai reduzir o turismo dos Açores à sua verdadeira e natural escala. Os pequenos e gananciosos investidores serão os maiores sacrificados. Os grandes e gananciosos investidores serão os seguintes. Mas, entretanto, já receberam milhões a fundo perdido e muito restará para farras e outras opulências.
4 - Mas nos Açores existem mesmo uns poucos sítios únicos. São o Caldeirão do Corvo (paradeiro de aves transatlânticas), a jovem Caldeira do Faial, a recente Montanha do Pico, a plácida Caldeira de Santo Cristo em São Jorge, a estranha Caldeira da Graciosa, a fabulosa Gruta do Carvão, na Terceira, e a magnífica Lagoa do Fogo, em São Miguel. E mais nada. O resto são lindas paisagens marginais. Em outros artigos as discutirei.
5 - A Montanha do Pico supera o Teide das Canárias e o Askja da Islândia. É petrologicamente menos variada, mas os visitantes não sobem montanhas para verem rochas e rochedos. Querem é ver paisagens das alturas e dizerem à família que estiveram num vulcão muito alto e em fase de nem/nem, isto é, adormecidos. Se há o complexo de Édipo, ainda existe o complexo de Ícaro, que tentou voar tão alto. Até o Bispo de Angra e dos Açores ali subiu, talvez para se sentir mais próximo do Céu...
6 - O Pico tem aliados (ainda poucos) e inimigos, como todos os deuses. E durante anos tenho meditado sobre estes. E concluí que os guias do Pico, na sua maioria, são os maiores inimigos do Pico, especialmente do Piquinho, seu ganha-pão.
Assisti (sim assisti e tenho ainda os nomes) a cenas degradantes. De guerrinhas entre eles, na fúria de” levar gente pra cima “. De guias que deixavam os turistas à solta, na beira da cratera, enquanto iam lá abaixo buscar mais. Assisti a guias com descontos a quem subisse mais depressa. E a uns que vendiam água e... vinho, para arrebitar. Mas tenho 3 guias, meus amigos, que são um mimo -- explicam a paisagem, o que são os cones strombolianos, as fraturas geológicas, as lavas “aa” ou em biscoito, as lavas “pahoehoe” ou encordoadas e em lajidos, os hornitos de “spatter” e os embeiçados, a primitiva cratera e a atual cratera, a fratura do interior da cratera, etc e finalmente o que é ...o Piquinho . Aí esses excecionais guias desdobram-se em cativantes explicações. As lavas em salchichas ou lavas em intestino (“ bowels lava “), vítreas, que eram muito, muito fluidas, que galgaram Km’s da crosta terrestre encaminhando-se para a atual cratera e, esguichando na vertical, como uma larga mangueira, começaram a construir o Piquinho do Pico.
Derramando-se, arrefeceram quase instantaneamente, tornaram-se vítreas e foram se acumulando umas sobre as outras. Foi um fenómeno de curta duração, calculo em cerca de 30 a 50 dias. Foi um espetáculo feérico, um farol no meio do Atlântico. Ocorrido por volta do ano 600 da nossa era. Só alguns milhafres e peixes o viram.
7 - Dizem-me que as obras do marco geodésico tiveram assistência de um serviço nacional de geodesia. Acredito. Mas esse serviço deveria estar melhor informado sobre o local de apoio das fundações dos seus marcos. O mal está feito. Mais ano menos ano terá de ser cancelada a ida ao Piquinho, como no Pico do Teide, nas Canárias. Redigi recomendações nesse sentido, ao anterior governo. Ficaram zangados comigo!!
8 - Pouco antes da segunda guerra mundial, técnicos da companhia alemã, do Faial, meteram uma ovelha pelo Piquinho abaixo para medirem a profundidade do buraco fumarólico. Que é perigoso, emite anidrido carbónico e tem temperaturas elevadas. O Sr. Otto Bowe disse-me que a cerca dos 200m a ovelha deixou de balir.
E os alemães abandonaram a ideia duma antena no Piquinho, emitindo para Berlim.
A inocente ovelhinha, sem segredo, foi uma espécie de sacrifício azteca ou inca. Do mesmo modo, espero que o proposto teleférico nunca se instale e que os maus guias se entendam, sem se sacrificarem...

Victor Hugo Forjaz*

*Catedrático de Vulcanologia

 

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