Diário dos Açores

Do Halloween a outras tradições

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1. Dia de bolinhos ou dia de ti bolinhos
É milenária a origem do 1 de novembro, “Dia de Todos os Santos”. Nalgumas aldeias, ainda se comemora de forma curiosa, conhecido pelo “Dia do Bolinho” ou “Pão de Deus” conforme a região. As crianças em pequenos grupos com sacolas, andam de porta em porta, desde manhã cedo, repetindo o “Ó tia! dá bolinho?”. Nalguns meios rurais, já poucos levam a rigor a tradição, preparando bolinhos com massa, noz, passas e frutos secos. Em Portugal, no dia de Todos os Santos, as crianças saíam à rua e juntavam-se em pequenos grupos para pedir o ‘Pão por Deus’ de porta em porta: recitavam versos e recebiam como oferenda pão, broas, bolos, romãs e frutos secos, nozes, amêndoas ou castanhas, que colocavam dentro dos seus sacos de pano; nalgumas aldeias chama-se a este dia o “Dia dos Bolinhos”.
Para os católicos, é dia de ida ao cemitério depositar flores nas campas dos que já abandonaram as lides terrenas. Dia 2 é Dia de Finados. Na Irlanda, Reino Unido e França, os celtas comemoravam o ano novo a 1 de novembro, fim do verão e início do outono, a época das colheitas, antecedendo a fria inverniade temporais e morte. Os Druidas consideravam o 31 de outubro como Samhain (Senhor da Morte e Príncipe das Trevas) ou Dia das Almas, a passagem entre a vida e a morte, onde reinava o espírito duma prática fantasmagórica. Com o advento cristão, no séc. VII, o Papa Bonifácio IV designou-o como “Dia de Todos os Santos” e assim se alterou uma celebração de cariz profano.

 2. Período pré-cristão
Acreditava-se que os espíritos dos mortos voltavam para visitar os familiares em busca de calor e mantimentos, pois o inverno era o reinado do Príncipe das Trevas. Os Druidas invocavam forças sobrenaturais para acalmar os espíritos, que raptavam crianças, destruíam colheitas e matavam os animaise acendiam fogueiras nas colinas para guiar os espíritos ou espantarem as bruxas. A inclusão de feiticeiras, fadas e duendes nos rituais, resulta da crença pagã de que, na véspera do Dia de Todos os Santos havia espíritos que se opunham aos ritos da igreja, e vinham ridicularizar a celebração de Todos os Santos. Supunha-se que os fantasmas pregavam partidas e causavam acontecimentos sobrenaturais.

3. Período Cristão
Com o passar dos anos, o Halloween tornou-se alegre e divertido, sem os aspetos tenebrosos da tradição céltica, divulgada na América pelo influxo escocês após 1840. Alguns costumes foram mantidos e outros mudados. As Jack-O-Lanterns eram feitas com nabos e passaram a ser abóboras, símbolo de origem irlandesa.

  4. Jack-o-Lantern
 A lenda fala de Jack que não entrou no céu por ser avarento e foi expulso do inferno por pregar partidas ao diabo, sendo condenado a vagar eternamente com uma lanterna para iluminar o caminho.
Noutra versão, Jack bebeu demais e o Diabo desceu à Terra para levar a alma. Jack, pediu para o deixar viver e beber mais um copo. O Diabo cedeu. Jack não tem dinheiro para pagar e o Diabo transforma-se em moeda na carteira, mas o fecho tem o formato de cruz, fazendo com que o Diabo suplique para sair. Jack propõe libertá-los e ficar vivo por mais um ano. O Diabo anuiu. No ano seguinte, o Diabo volta e reclama a sua alma. Jack convence-o a pegar uma maçã de uma árvore próxima e risca uma cruz no tronco. O Diabo foge e promete retornar dez anos depois. Mas Jack não aceita e diz que só irá libertá-lo se ele nunca mais aparecer. O Diabo concorda. Passa-se um ano e Jack morre, mas é impedido de entrar no céu, e no inferno, a entrada é recusada. O Diabo, com pena da alma de Jack, oferece-lhe um nabo esculpido em forma de lanterna para alumiar o caminho. Daí o nome Jack O’Lantern, alma errante vagando pelo mundo dos vivos.

5. “Trick or Treat” (Travessuras ou gostosuras)
 Tradição da Irlanda, as crianças iam de casa em casa pedindo provisões para as comemorações do Halloween. Esta tradição ganhou roupas extravagantes, máscaras e todos se vestem como fantasmas, bruxas, duendes, gnomos, Dráculas, Frankenstein, ou doutras formas aterrorizadoras. Batem de porta em porta, carregando abóboras iluminadas com velas, pedindo doces e dizendo: “Trick or Treat”. Quem não lhes dá nada recebe uma pequena vingança. O nome Halloween, de “All Hallows Eve”, significa véspera de Todos os Santos. As fogueiras eram acesas nas casas durante as comemorações e os vivos que não queriam ser possuídos apagavam o fogo para que o local parecesse ser frio e indesejado. Vestiam-se com fantasias assustadoras para afugentar os espíritos que vagavam. Na festa de Samhain, as fogueiras das casas eram acesas a partir das brasas da fogueira sagrada que os moradores transportavam num nabo como se fosse um lampião. Daí, os irlandeses, passarem a esculpir nabos e beterrabas e usá-los como lanternas. Quando emigraram para a América, não encontrando nabos e beterrabas, trocaram-nos por abóboras.

6. Nos Açores
O Pão por Deus nos Açores é uma tradição ainda viva pelas escolas, sobretudo as do ensino básico. A tradição remonta a 1756, um ano depois do sismo que devastou Lisboa, os lisboetas saíram à rua a pedirem Pão por Deus para “matar” a fome.
Nas décadas de 60 e 70, por imposição da ditadura, o Pão Por Deus só podia ser pedido por crianças, menores de 10 anos apenas até ao meio dia.
Hoje são as guloseimas que são pedidas pelos mais novos com sacos, mas o Pão por Deus mistura-se com outra tradição pagã, importada dos países anglo-saxónicos.A noite das bruxas leva à rua centenas de crianças que pedem guloseimas e se, por acaso, nada lhes é oferecido ripostam com uma travessura.
Nestas quase duas décadas que levo de solo açoriano (micaelense) constatei, de 2005 a 2022, um acentuado decréscimo no número de bandos de crianças nas zonas rurais da costa norte onde vivo, mas em 2023 esse número duplicou, talvez devido à crise.
Nas cidades, como Ribeira Grande e Ponta Delgada, o Halloween há muito que suplantou a tradição lusitana apoiado no “marketing” das grandes superfícies e demais publicidade televisiva. Será uma mera questão de tempo para suplantar o Pão-por-Deus nas zonas rurais da ilha de São Miguel.

Chrys Chrystello*
*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

 

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