Diário dos Açores

O político insular e a história política recente dos Açores

Previous Article Previous Article SINTAP-Açores considera “essencial” aprovação do próximo Orçamento da Região
Next Article Escola do Pico premeia melhor aluna Escola do Pico premeia melhor aluna

Opinião

Com toda a propriedade da subjetividade, mas seguindo uma linha de conhecimento ocidental que vem de Aristóteles (verificar bem e sempre quem nos representa em política), Maquiavel (sempre que o político puder abusar, abusa) e Montesquieu (conhece-se o político e a política através das leis), Karl Popper (a verdade objetiva resulta da conexão entre o que pensamos e a realidade) e Francis Fukuyama (o nascimento da política está no nascimento da humanidade); observando um elementar fio do novelo da complexa rede neurológica e social açoriana podemos aquilatar que o político insular possui três tipos de amigos e excetuando os familiares: o amigo excelente, o amigo importante e o amigo acessório. O amigo excelente acrescenta alguma coisa à vida pessoal do político, seja pelo nome ou pelo prestígio que lhe agrega, seja pela mais-valia da opinião e da boa convivência intelectual. Este amigo tem uma forte consciência coletiva e possui um registo proativo em relação ao que é coletivo. Estes amigos são poucos pela natureza das coisas e são egoístas equilibrados pela função pessoal e coletiva. O amigo importante acrescenta amizade e tem consciência coletiva, mas o seu registo coletivo não é universal. Existe em muita quantidade e é um amigo egoísta interesseiro. E o amigo acessório não acrescenta nada à sua vida e não tem consciência, nem coletiva, nem sequer política. É um egoísta puro porque toda a lógica da sua vida tem o alcance exclusivamente de sobrevivência. Esta separação não é inteiramente estanque: o indivíduo tem a capacidade de renovar-se, e nisto consiste a grandeza daqueles poucos homens que nascem em meios medíocres e com trabalho se tornam melhores exemplares do timbre humano.
Com este tipo de amigo o político insular cria, em consciência alguns e inconscientemente a maioria, um problema político: o político insular prefere o amigo acessório porque, em primeiro lugar, é o que empresta aparente poder por via da sua imensa quantidade. O político tem a ilusão de que a quantidade lhe garante poder. E, efetivamente assim acontece. Mas esse mérito político é circunstancial e transitório e, por isso, medíocre. As consequências políticas são uma tragédia: bastando os “likes” e os “gostos” esse amigo vai fornecer ao político o poder pelo voto gratuito numa primeira fase ou já onerado com um cargo ou interesse, mas não o poder consciente; antes, um poder de circunstância interesseira em que todos vão comer na mesma pia a troco de uma imagem de grande projeção social como se as coisas estivessem a andar, quando estão lentamente a corroer-se na arquitetura da democracia. Os verbos ir e fazer são constantemente para o futuro e raramente para o presente. A segunda preferência do político é o amigo importante: existem em alguma quantidade e porque têm a ilusão de que o seu aparente interesse coletivo lhes servirá, e muitas vezes até serve. Mas a marca política é fraca para dizer pouco. As consequências dessa preferência é uma política ondulante e superficial, pouco estruturada, mas suficiente para enganar a maioria do eleitorado. E, por fim, a sua última preferência, em último lugar, é o amigo excelente: pouco importa ao político o seu valor, porque interessa a subida ao poder e a sua manutenção. Prefere ter uma vida rodeada de mediocridade, mas cheia de (ilusórias) capacidades por preterir aquele que melhor lhe serviria pessoal e politicamente. Ele sabe desse valor; é com consciência que o despreza ou até o remete para as Berlengas. As consequências dessa decisão consciente de não aproveitar pessoal e politicamente o amigo excelente tem profundas ramificações no coletivo: em vez do progresso, múltiplas promessas de que “estará pronto este ano” ou que “é o maior aumento de sempre”; em vez de governos e políticas estruturais, a imensidão da podridão e do faz-de-conta.
Na história política insular há momentos, raros, em que os políticos preferem por natureza ou por esforço o amigo excelente pelo seu registo de consciência e função coletiva em preterição dos amigos egoístas interesseiro e puro. Nesses momentos as populações dão um salto civilizacional.
Nos Açores, nos primeiros anos de autonomia política constitucional do PSD e no primeiro e talvez segundo mandatos do PS, o político ajoelhou-se aos amigos importante e secundário, mas não deixou de fora o amigo excelente. Por isso houve em muitos aspetos avanço civilizacional – que todos reconhecem inegavelmente. Em todos os outros momentos tudo se misturou: num mar imenso de números um, dois, três pirilampos no meio desse mar de mediocridade, e pouco mais. A autonomia política açoriana criada pelo 25 de Abril de 1974 está toda por cumprir neste ponto, isto é, numa verdadeira região autónoma com poder político de soberania ao nível dos direitos fundamentais. Não é por falta de normas constitucionais. Não é por falta de políticos. Não é por falta de leis. Não é por falta de financiamento. Mas por falta de consciência cívica coletiva do político, que prefere um aproveitamento medíocre que, curiosamente, não lhe prestará numa primeira fase boa memória; e numa fase mais longa, onde a história conta-se pela síntese e não pelos pormenores, ninguém se lembrará dele, nem, menos ainda, saberá quem ele foi.

Anotação: as frases entre parênteses são nossas e resultam da leitura das obras desses autores.
Arnaldo Ourique

Share

Print

Theme picker