Diário dos Açores

Cambalhota de uma Democracia sufocada

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Peixe do meu quintal

Cair na incerteza e provocar eleições legislativas inesperadas no retângulo ibérico, no presente contexto, demonstra que as forças judiciais vão ter de manifestar (sem sombra de dúvidas) que há eventuais culpados de crimes cometidos. Não é tarefa fácil, num país que se rege por clãs feudais que se defendem mutuamente esventrando as opacas, obscuras e complicadas teias das leis e sistema judicial por eles próprios (deputados) criado.
Mas a ironia desta situação, é que toda a confusão agora a ser desmantelada pelo Ministério Público e eventualmente julgada pelos Tribunais, só tem atravessado inúmeros e penosos desertos, porque o regime que em abril do próximo ano completará cinquenta anos, foi por eles próprios (deputados) criado. Um regime que nasceu afogado no medo do retorno da ditadura recém derrubada. Todos os partidos concordaram, numa reciprocação promíscua, que Portugal só poderia ser governado pelo voto nos partidos políticos e nada mais, para que estes fossem o garante democrático.
Agora, essa partidocracia está numa via suicidária sem retorno, cujo único remédio consiste em alterá-la porque, se nos princípios temia-se que o povo português não seria suficientemente maduro e, sendo politicamente ignorante, essa via partidária assegurava o desenvolvimento da democracia, podendo nos anos posteriores, ser então um sistema eleitoral mais livre e democrático, utilizando, por exemplo o sistema uninominal. Mas agora já ninguém quer nem falar no assunto e muito menos alterar a tão famigerada Lei Eleitoral. Apenas umas mãos cheias de democratas honestos falam publicamente, destacando-se o socialista Álvaro Beleza.
Só que os tempos voaram e afinal quem se viciou nos privilégios que ofereciam as eleições pelo sistema de listas partidárias, foram os próprios legisladores.
Passado meio século, o povo começa a chegar aos limites da sua vasta tolerância, pelos abusos e danos que esse sistema eleitoral provocou a partir do início do milénio. O povo afasta-se cada vez mais das urnas de voto, abandonando a elite política na sua voracidade suína pelo poder.
Essa autodenominada elite política que adora rebolar-se na índole pacata de um povo que nunca se cansa de acreditar que «amanhã é que vai ser».
A irresponsabilidade e constantes afrontas à ética republicana por parte dessa elite, é que vai aproximar cada vez mais a extrema-direita do poder. O cansaço está a provocar a erosão completa da Democracia liberal.
O deboche político, as guerras d’arranhanços a ver quem tem as unhas maiores, as cenas de pancadaria nos ministérios, a libertinagem no parlamento – suposta casa da Democracia – as agressões verbais diante das câmaras televisivas, enfim, todo um rol de malefícios políticos interpretados pelos chefes e chefinhos e que são aberrações para qualquer cidadão.
A democracia está refém da elite partidocrática. O espelho desta partidocracia portuguesa está velho e cada vez mais decadente, com a tinta a estalar e a cair nas costas, criando buracos de transparência impossíveis de tapar aos olhos do país.

José Soares
*jose.soares@peixedomeuquintal.com

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