Diário dos Açores

Qual a solução da (pretensa) crise política regional?

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1. Se há momento para verificar o valor do sistema de governo dos Açores é este que se vive atualmente. O momento é de crise: o Primeiro-Ministro pediu a sua demissão, o Presidente da República aceitou com a condição de mantê-lo até ao dia um de dezembro e a partir daí em regime de gestão, a 15 de janeiro dissolverá a Assembleia da República e marcou as eleições para 10 de março de 2024. Esta amplitude política – de reter um pedido de demissão e convalidar a iniciativa do orçamento de Estado – é admitida porque o figurino do sistema de governo nacional assim o permite.
1.1. Se nos Açores o Presidente do Governo fizesse esse pedido de demissão fazia-o ao Representante da República, e este (consultando o Presidente da República (porque é este que tem o poder de dissolver o Parlamento) seria obrigado a auscultar os partidos políticos com assento na Assembleia Legislativa, para decidir nomear um novo Presidente do Governo, ou dando a saber ao Presidente da República que não haveria condições parlamentares para formar novo governo e que ele teria de dissolver o parlamento regional e convocar eleições legislativas. Pouco importaria, portanto, o orçamento regional; assim como pouco importaria a vontade popular com assento no Parlamento: é que mesmo que os parlamentares fossem de opinião de não formar novo governo, mas antes eleições antecipadas, o Representante da República, órgão nomeado (e não eleito) teria sempre a liberdade de escolher a formação de governo com o esquadro minoritário da coligação. Já este quadro político – diz muito. 1.º, que o sistema de governo regional não merece, por via da Constituição, os mesmos cuidados que o modelo nacional; coisa estranha, porque os insulares da autonomia estão, mais do que os continentais, sujeitos a mais e maiores leis, tanto às leis nacionais com às leis autonómicas regionais, e algumas bem negativas, e porque os direitos fundamentais são, e pior seria se não fossem, iguais em todo o território nacional. 2.º, esta distinção negativa viola a Constituição, na justa medida em que numa norma permite a soberania política regional para as populações insulares, mas noutra distingue ilegitimamente a essencialidade da fiscalização e responsabilidades políticas nos sistemas de governo no país, coisa estranha porque a Constituição quer dignificar a dignidade humana, mas para o nacional permite a fiscalização política a sério, mas já não para o sistema autonómico. Ou seja, a Constituição contém normas inconstitucionais; não é um paradoxo, é um erro que aos cinquenta anos de autonomia temos forçosamente de o corrigir a bem da verdade e qualidade políticas.
2. Mas vejamos o caso concreto nos Açores. Aqui os partidos que sustentam a coligação governativa romperam ou querem romper os tratados para reprovar o orçamento para 2024. A coligação já disse que se mantém em funções a todo o custo; e se assim for o custo será suportado pelas eleições. Também já disse que não pedirá uma moção de confiança; tem razão, a maioria parlamentar atual e descontente poderia reprová-la. A oposição já disse que não quer apresentar uma moção de censura: compreensível porque não é certo que os atuais desertores dos tratados não voltem atrás e não querem ser culpados nas eleições. E as próximas eleições serão no final desse ano. Nesse arco-íris político o governo de coligação poderá manter-se em funções sem orçamento e governando através de duodécimos. Se tivéssemos um sistema de governo correto, a questão estaria em saber o que fariam os intervenientes políticos.  Os partidos vencedores do governo de coligação certamente iriam procurar o Representante da República, e este os ouviria. E iriam dizer o quê?  Parece-nos à distância: a oposição realista (PS) diria que deve ser nomeado novo governo, agora sob a maioria dos seus deputados; a oposição documental (IL, Chega e Independente) diria alguma coisa consoante a hora do dia; a oposição dualista (BE e PAN) diria que não gosta deste e de nenhum governo, mas que aceitará melhor o PS; e o governo de coligação diria que têm condições para viver em duodécimos até esgotar todos os prazos por volta de meados de 2024 e que, entretanto, realizem-se as eleições normalmente. O Representante da República poderia fazer a vontade ao PS, porque os tratados foram rasgados; e seria a melhor hipótese: dado que o seu papel fiscalizador é apenas o de mirone e não de verdadeira fiscalização política. O Presidente da República faria o que decidisse o seu nomeado, pois se o escolheu na base do princípio da vetustez, naturalmente que manterá esse registo de calmaria. Diríamos até: perante a injustiça deste sistema de quatro cabeças, e nenhum sem jeito que preste como sistema de governo, daria a solução política natural, dá-la-ia ao PS porque o Representante da República afastou-o do governo exclusivamente por via dos acordos e escritos e assinados e recebidos em mão reconfirmados (assim com este cuidado todo). Se estão escritos, mas já não valem, logo, a naturalidade política está no partido que ganhou as eleições. Ademais: entre um PS refrescado e uma coligação PSD/CDS/PPM amargurada pela urgência de se servir a si própria em capacidades frustradas – vale mais a segurança do que a incerteza. Se em 2020 o Representante da República só viabilizava um governo de coligação com acordos escritos de incidência parlamentar, logo, faltando esses escritos, ganha a subida ao governo quem tem a maioria dos deputados e, assim, um governo sem orçamento seria demitido para se dar oportunidade a outro. Tudo isso seria assim se tivéssemos um terceiro órgão regional, eleito pelo povo e fora do arco partidário; mas não temos e teimamos em não ter e assim vamos depauperando a autonomia continuamente.
2.1. Mas essa possibilidade que descrevemos para os Açores não existe. No caso do nosso sistema de governo o Governo Regional manter-se-á em funções até 2024 ou o Presidente da República dissolve a Assembleia Legislativa e marca eleições antecipadas – pois nem o Presidente da República, nem o Representante da República podem demitir o Presidente ou o Governo Regional. No sistema nacional o governo cai quando tem de cair por motivos políticos; no regional o governo só cai quando quiser ou por eleições. Ou seja, o sistema nacional é a sério; o sistema regional é coisa de crianças e com a gravidade de a Constituição inexplicavelmente o manter.
A pretensa crise açoriana, portanto, tem uma saída: o Governo vai manter-se. A proximidade das eleições e o modus operandi do Presidente da República para segurar os problemas até caírem de podres (1.º com a geringonça que levou à maioria atual, depois com os problemas judiciais muito sérios), e as eleições com governo completo em cima do verão e as eleições europeias a permeio farão com que o Presidente da República mantenha tudo em “banho-maria”: os prazos regionais de um novo orçamento forçá-lo-ão a esperar pela data natural das eleições regionais de 2024. Exceto se: a coligação der tudo quanto quiser à oposição documental, e vai dar.

Arnaldo Ourique

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