Diário dos Açores

‘Balbúrdia no Oeste’ ou a ‘Oeste Nada de Novo’

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Os Açores são um paraíso!?
Poderiam sê-lo para todos se fossem bem governados. Mas não o são! Quem paga a fatura acrescida pela insularidade, sentida de formas desiguais por todos os ilhéus, são os açorianos: está instalada a brilhante metáfora rocambolesca e hilária de Mel Brooks – Balbúrdia no Oeste – ou, na minha modesta opinião, a tragédia anunciada de Erich Marie Remarque – A Oeste Nada de Novo.
A Região Autónoma dos Açores não é governada, mas sim ‘desgovernada’. O governo, formado por uma coligação e apoio parlamentar, preocupa-se em sobreviver e a manter-se no poder, cedendo tudo aos seus parceiros de coligação e apoiantes parlamentares.
O PSD formou governo, aliando-se ao CDS e ao PPM; mas, precisaram do apoio parlamentar dos partidos de extrema-direita, IL e Chega: branqueando a extrema-direita. Resultado: 5 partidos, 3 numa espécie de governação, 2 em retaguarda, a exigirem, numa 1.ª fase, lugares de execução e poder; numa 2.ª fase, a imporem medidas que em nada favorecem os açorianos, mas que alimentam os seus egos e os seus lugares. Basta assistir às sessões parlamentares, ao longo destes três últimos anos, para se perceber a degradação do regime autonómico e da democracia.
3 Áreas, onde este ‘desgoverno’ tem apresentado um impacto muito negativo, indo, na maior parte dos casos, contra o que está consignado na CRP (Constituição da República Portuguesa - documento que aparentemente desapareceu como linha orientadora das políticas a implementar na República e nas Regiões Autónomas) são o Direito à Saúde, Educação e Trabalho.
A Saúde tornou-se uma forma de manter políticos nas suas cadeiras parlamentares. Tornou-se uma jogada política, onde o presidente dos Açores cede às exigências dos líderes do CDS e PPM, parceiros da coligação que com medo de perder os votos que os elegeram, fazem exigências estapafúrdias como, por exemplo entre muitos outros, retirar-se o médico do Corvo, porque é competente, é querido pela população, mas é tido como uma ameaça política. Substitui-se por um incompetente, mas é ‘do partido certo’; fazem-se construções megalómanas ou promessas hercúleas, para satisfazer indivíduos, sem olhar às comunidades; em vez de um verdadeiro investimento no Serviço Regional de Saúde, aposta-se na privatização, apoiando-a, condicionando os parcos recursos humanos e técnicos do SRS e, ao mesmo tempo, limitando o acesso universal dos açorianos a cuidados médicos de qualidade. Isto dito de forma resumida, está instalada a ‘balbúrdia’…
Educação! É lamentável, mas o ‘paraíso açoriano’ apresenta os piores resultados nacionais nesta matéria. Estamos no topo das tabelas pelas piores razões: números de analfabetismo, absentismo e resultados académicos maus. Os açorianos são burros? Não! Os professores são incompetentes? Não! Estas são as consequências da falta de investimento na Educação. Faltam professores; técnicos operacionais; recursos materiais e não satisfeitos fazem experiências digitais, sem meios, com resultados que, segundo as previsões de quem está no terreno, serão, no mínimo, duvidosas. Mas a soberba de mostrar diferente e ‘dar lições de moral’ à oposição é mais forte do que o desenvolvimento dos Açores. Aqui está a ‘tragédia’ anunciada…
Trabalho! Numa Numa região que tem o privilégio de ter um quadro legal que permite mitigar os problemas crescentes da inflação, agravados pela insularidade, temos um desgoverno que não usa essa prerrogativa para aliviar o sofrimento dos açorianos, por exemplo, usando o Complemento de Abono de Família e de Pensões, a Remuneração Complementar e o Acréscimo Regional ao Salário Mínimo Nacional na região mais pobre de Portugal, porque ‘não há verba’, porque o dinheiro público é desbaratado em apoios ao setor privado sem que daí advenha retorno nem investimento produtivo. Estão instaladas a ‘balbúrdia’ e a ‘tragédia’, combinação fatal nos destinos dos açorianos…
Neste plateau cinematográfico e literário, onde encontramos a voz da oposição?  Escusam de procurar. A maior voz da oposição, o PS, continua no registo da lição de moral, ‘nós é que sabemos… vocês não sabem nada…’, não avançando e não fazendo as propostas necessárias para um verdadeiro combate político e ideológico. A não apresentação de ideias que revertam as políticas erradas de extrema-direita, o enfraquecimento de voz e o colocarem-se na posição de ‘virgens ofendidas’, resguardando-se na retaguarda, à espera do ‘milagre das eleições’ -  e o amuo e a indignação - não granjeiam nada de benéfico para os açorianos que assistem, ‘menentes’, a tanto despautério, a tanta contradição e a tanto não fazer, olhando para esta balbúrdia e perguntando-se ‘onde estará o adulto, na sala’?
Cereja no topo do bolo: a aprovação do último Orçamento desta legislatura e o posicionamento partidário para o combate eleitoral, almejado por quase todos. Acham que o Orçamento vai ser chumbado por causa dos açorianos e em benefício dos açorianos? Claro que não. Os açorianos são a última preocupação para os ‘atores políticos’ e para este ‘argumento’. Cada grupo parlamentar, cada voz individual coloca-se perante o cenário apresentado, com uma agenda própria, defendendo os seus interesses partidários e políticos, os seus ‘clientes’ e apoiantes em detrimento da Região.
Estou eu a defender o Orçamento apresentado? Estarei a dizer que é o melhor de todos? Claro que não. O que estou a dizer é que, independentemente, do Orçamento ser bom ou mau, nenhum agente político, que nele intervém, o vai aprovar ou chumbar pela razão certa, senão vejamos:
O PSD considera que é o melhor Orçamento de todos, fazendo uma campanha de promessas, algumas das quais de tal forma exorbitantes financeiramente, que chegam a ser ridículas. Quem ouve o senhor presidente do Governo Regional, pensaria que os Açores são o Banco Central Europeu ou, no mínimo, que os Açores, tal como os EUA, conseguem emitir dinheiro sem fundo.
O CDS e o PPM, que se traduzem, juntos, numa representatividade de 5 deputados em 57, consideram que estão a fazer um excelente serviço aos Açores. Na verdade, sabemos, há muito, que eles apenas lutam por manter os seus lugares no parlamento e no governo, preservando, servindo e satisfazendo amigos, parceiros e familiares; promovendo obras, medidas e resultados que consigam granjear o número de votos necessários (nalgumas situações residuais) para continuar a manter os seus lugares de poder e influência.
Mais caricato, ainda, é a situação do Chega e da IL, parceiros que sustentaram, apoiaram e votaram, durante três anos, as políticas propostas pelo governo e, agora, vêm rasgar o acordo parlamentar, em altos brados, indignados e chocados com as propostas do governo que, até então, apoiaram incondicionalmente. Porquê? Por consideram, a partir do barómetro das sondagens nacionais e dos ‘ventos que sopram’ na República’, que a situação será favorável ao aumento da sua expressão parlamentar. Crescerem politicamente e terem acesso ao poder executivo, a todo o custo, sem terem em consideração todo o contexto de instabilidade em que vivemos, a degradação das instituições que sustentam o nosso regime democrático e nem considerando o que necessitam e querem os açorianos. Aliás, um senhor deputado já disse publicamente que chumbará também uma outra proposta de Orçamento e, reparem, sem a ver, sem a ler, sem a estudar ou conhecer… Esta coisa do ‘dar voz ao povo’ é muito linda e muito bela; soa bem aos ouvidos de quem defende a democracia, mas não sei se notaram que dão voz ao povo quando querem ‘eles’ e não quando o povo assim o exige. Alguém perguntou ao povo se queria ‘falar’ 3 ou 4 meses antes do que estava previsto? Não disseram os mesmos que o povo tinha falado e dito que queria uma ‘caranguejola’ por 4 anos? Em que ficamos?
Quanto ao PS e ao BE, temos o o 1º numa posição de reconquistar o poder a todo o custo, como se não fosse responsável, também ele, por muitas políticas e decisões nefastas para os Açores. O 2º, numa posição de combate, que sempre o teve, às políticas de extrema-direita implementadas nos últimos anos, com consequências nefastas para os Açores e para os açorianos.
Saltamos para a metáfora inicial. Na sátira de Brooks, a balbúrdia instala-se quando um xerife é contratado por um especulador desonesto para expulsar cidadãos de uma cidade, vendo-se o primeiro na necessidade de pedir ajuda a um delinquente para a realização da tarefa. Esta situação, incrivelmente, irónica, irreverente, mas precisa, mostra-nos como a irracionalidade, as más escolhas e decisões apressadas nos conduzem a situações difíceis; faz-nos também pensar, no outro prisma metafórico, A Oeste Nada de Novo, onde o desalento, a tragédia e o horror resultam do erro, do engodo e no acreditar e defender ideias, modelos e ações contrárias à dignidade humana. Os Açores estão entre a balbúrdia e o nada. Resta-nos acordar, ‘neste paraíso’, desta sonolência democrática e fazer ouvir a nossa voz, expressar a nossa vontade e não a vontade daqueles que se governam em vez de governar.

Judite Barros*
*Professora do Ensino Secundário

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