“A indústria acomoda-se e precisa de inovar”
Diário dos Açores

“A indústria acomoda-se e precisa de inovar”

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Jorge Rita, Presidente da Associação Agrícola

A manteiga dos Açores acaba de receber, finalmente, o registo DOP, aprovado pela Comissão Europeia. É mais uma confirmação da qualidade dos produtos lácteos dos Açores. Como é que a Associação Agrícola recebe esta notícia?
Sem dúvida, este é o reconhecimento pela União Europeia da qualidade existente nos lacticínios dos Açores, e surge dum trabalho que tem sido feito no âmbito do CALL (Centro Açoriano de Leite e Lacticínios), onde está o Governo, a produção e a indústria.
Este processo da manteiga DOP tem como objectivo alavancar os produtos lácteos regionais, pelo que estamos satisfeitos com este reconhecimento e que seja o início da valorização da manteiga, não só na Região, como além-fronteiras, porque reúne características muito próprias e diferenciadoras das restantes existentes no mercado.
Este é o caminho certo e que permite afirmar os Açores nos mercados, pelo que aguardamos que a indústria tenha capacidade de aproveitar esta situação e consiga junto da distribuição e, principalmente, junto dos consumidores, ter a capacidade de demonstrar a excelência deste produto.

 A qualidade elevada do nosso leite devia proporcionar, por parte da indústria, uma maior aposta na diversificação de outros produtos, procurando outras mais valias, ou considera que a indústria açoriana não pode ir mais além?
Como temos defendido duma forma intransigente, a falta de valorização dos produtos lácteos tem sido um dos grandes problemas da fileira.
 Embora existam alguns casos de sucesso, continuamos a ter valores muito altos de expedição de leite UHT e leite em pó, próximos de 40% da produção anual de leite. 
Por outro lado, cerca de 83% do queijo produzido na Região é flamengo, e destina-se, em parte, às marcas brancas da grande distribuição, o que retira mais valias claras à produção.
Não é concebível que um produto de excelência, como é o leite dos Açores, não seja devidamente aproveitado e potenciado nos mercados através de mais produtos de valor acrescentado, sabendo que a nossa imagem é uma mais valia junto dos consumidores, pelo que a estratégia de baixo preço dos produtos lácteos praticada pela indústria na grande distribuição tem de ser alterada.
A indústria acomoda-se nas suas estratégias e necessitava de se inovar ainda mais e procurar os mercados que valorizam os nossos produtos de forma cirúrgica, porque os mercados tradicionais estão esgotados.
Se continuarmos a querer vender para os mesmos mercados não vamos conseguir aumentar o valor acrescentado.
Devemos procurar novos mercados e sermos mais arrojados na venda dos nossos produtos. 
Compete à indústria indicar os países ou regiões em que se deve apostar. Nós temos uma qualidade diferenciada que os consumidores procuram.

Como é que está, neste momento, a situação da produção nos Açores? Produzir menos, como está a acontecer, mas com mais rendimento é o caminho?
Atendendo a alguma desmotivação que tem existido, que se baseia muito na inconstância do preço de leite praticado junto dos produtores, onde prevalecem os baixos valores, tem existido um conjunto de medidas como a redução voluntária da produção de leite e a reconversão de leite para carne, o que tem originado uma menor produção de leite nos últimos 2 anos. 
Na presente campanha, essa tendência irá continuar, em menor escala, mas desde o ano de 2020 e até 2022, existiu uma diminuição de cerca de 50 milhões de litros de leite.
Não podemos produzir por produzir, já que os custos de produção têm subido duma forma transversal nos últimos anos, devido à guerra da Ucrânia e que se iniciou no período da pandemia. 
As elevadas taxas de inflação e de juros têm sido um problema acrescido. 
Este ano já existiram alguns ajustes nalguns dos factores de produção mas, por exemplo, o gasóleo agrícola subiu cerca de 20 cêntimos por litro nos últimos 5 meses. 
Por outro lado, o preço pago aos produtores de leite não tem sido constante, e se praticaram preços interessantes no fim do ano passado e início deste ano, esse foi um período curto e, infelizmente, nunca acompanhou não só as subidas que se verificaram no continente e na Europa, mas, também, a sua duração não foi suficiente para colmatar os prejuízos acumulados no sector. 
A tendência da indústria de ser proactiva nas descidas de leite e de ser reactiva nas subidas, continua a ser uma ‘handicap’ ao fortalecimento da fileira.
Sem rendimento não há produtores de leite, por isso a tendência é para que exista menos produção, mas sem nunca descurar a qualidade, já que esta é cada vez melhor e vai sempre de encontro às pretensões da indústria. 
A lavoura responde aos estímulos que permitam melhorar cada vez mais o leite entregue. 
Resta à indústria potenciar esta qualidade junto da distribuição, com o apoio do Governo Regional, nomeadamente, através de campanhas de marketing de produtos lácteos duma forma consistente.  

Um estudo divulgado pelo Ministério da Agricultura revelou que, pelo menos no ano de 2022, o preço final de venda do leite foi “inferior aos custos de produção”, o que configura “dumping” – uma prática desleal, consubstanciada em vendas com prejuízo, algo que é legalmente proibido. Foi notória esta situação com o leite dos Açores?
Este estudo surgiu no âmbito das reuniões da Subcomissão específica dedicada ao sector do leite e produtos lácteos, criada no âmbito da PARCA, que reúne a produção, a indústria, a distribuição, os consumidores, e vários organismos do Governo a nível nacional e regional.
O estudo vem confirmar o que temos referido ao longo do tempo, que existe uma constante degradação do preço de leite pago aos produtores, e isso tem uma consequência: enquanto a produção regista prejuízos, a indústria e a distribuição obtêm lucros. 
Confirma-se, assim, que o parente pobre da fileira do leite é sempre a produção e esta é uma constatação que não podemos nem vamos aceitar. 
Este princípio tem de ser alterado, porque se isto continuar a ocorrer, só existe um resultado que é a delapidação dum sector económico de grande importância na Região, como é o caso do leite.
Aguardamos que o resultado deste estudo, proveniente duma entidade independente, seja capaz de alertar a indústria e a distribuição, para a necessidade de ser encontrada uma justa repartição de lucros na fileira do leite.

  O sector da produção queixa-se do baixo valor pago pelo leite, mas a indústria de lacticínios diz que está a pagar, em média, mais 10 cêntimos por litro de leite na produção do que o resto da Europa, segundo o Presidente da ANIL - Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios, Casimiro de Almeida. Como interpreta esta posição da indústria?
Todos estamos informados das tendências e comportamentos do mercado, e essa afirmação não é correta, principalmente para os produtores de leite nos Açores. 
Como disse, a indústria açoriana nunca chegou a praticar na Região os preços máximos de alguns países europeus, que, neste ano, registaram descidas. Igualmente, as subidas verificadas no preço de leite nos Açores foram sempre mais lentas das do continente (algumas das quais nunca aconteceram na Região), ou seja, os produtores continentais receberam leite a preços muito mais elevados que os dos Açores, durante um período mais alargado.
Actualmente, o preço de litro de leite pago à produção no continente e na Europa, é perto de 8 cêntimos a mais do que nos Açores. 
Na Região, ficamos sempre atrás dos nossos colegas nacionais e, inclusive, a maior indústria nacional, a Lactogal, detentora da Unicol, pratica preços diferenciados entre os seus produtores, já que os produtores da Terceira e Graciosa, recebem menos cerca de 10 cêntimos do que os seus colegas continentais. 
Lamento também que as ajudas extraordinárias que houve a nível do continente, no âmbito do pacto para a estabilização de preços dos bens alimentares, não se tenham aplicado na Região e, neste caso, justificava-se um comentário da indústria a favor dos produtores dos Açores. 
A indústria nunca defende os seus interesses em matéria dos custos que têm e poderiam reivindicar medidas que os ajudassem perante o aumento do preço dos combustíveis, dos custos com os transportes ou da eletricidade. Estes são factores preponderantes para que pudessem reivindicar uma redução dos custos de produção em vez de estarem sempre preocupados em baixar o preço do leite. E assim éramos todos aliados da fileira.
Esta falta de solidariedade junto dos seus produtores demonstra bem o comportamento de cada interveniente. A produção tem sempre de encontrar formas de melhorar os rendimentos dos produtores, enquanto, a indústria pode sempre baixar arbitrariamente o preço à produção, de modo a colmatar as suas ineficiências.  

 Para onde caminha o sector nos Açores? As crises a nível internacional e as crises políticas no país e agora na Região, afectam o sector?
Mesmo com todas as debilidades existentes no sector leiteiro, a sua importância para a coesão económica e social da região, continua a ser uma realidade, onde a sua contribuição para a balança comercial dos Açores é por mais conhecida e valorizada. A agricultura contribui duma forma decisiva para a manutenção da população nas ilhas e assim, evitar a sua desertificação.
O crescimento do turismo é fruto principalmente das paisagens existentes e do impacto que os meios rurais têm na região, e isso, só acontece se existiram agricultores que cuidam e preservam o meio ambiente que os rodeia, porque dele retiram o seu rendimento.
A evolução do mundo tem sido enorme, mas sem agricultores, não há alimentação, e por mais transformações que existam na sociedade, o papel dos agricultores não irá mudar, e tivemos, um exemplo recente, durante a pandemia, em que o sector agrícola nunca parou, de modo a fornecer os alimentos necessários à sobrevivência da população.
As crises afectam sempre os agentes económicos, nomeadamente em regiões pequenas como a nossa, longe dos mercados, e que depende do exterior em muitas vertentes. A estabilidade é factor essencial numa economia que se pretende em permanente desenvolvimento, e, no caso dos Açores, embora os fundos europeus não estejam em causa, existem medidas regionais que necessitam de ser implementadas, e isso pode, em parte, ser afectado, não só pelo contexto regional, mas também nacional.
O meu apelo é que os políticos tenham bom senso e antes de qualquer coisa, ponham as pessoas em primeiro lugar.                  jornal@diariodosacores.pt

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