Diário dos Açores

Sobre “maus ventos” e “vento encanado”

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Saúde Pública e a Saúde do público, semana a semana (32):

A Ciência da Semana: mais “maus ventos” vindos da China…?

No início de Outubro surgiu o alerta de uma infecção bacteriana como causa provável do aumento de casos de pneumonia infantil, na China. Pedidos mais dados, pela OMS, as autoridades de saúde chinesas informaram que o aumento nas hospitalizações se devia à propagação do “micoplasma pneumoniae”, do VSR, do adenovírus e da gripe. As pessoas foram aconselhadas a tomarem precauções para reduzir o risco: usar máscara, ficarem em casa quando estivessem doentes, e a lavar as mãos regularmente.
O “micoplasma pneumoniae” é uma bactéria que geralmente causa infecção leve, com sintomas semelhantes aos de uma constipação. Raramente requer hospitalização, mas, por vezes a tosse pode durar semanas; as crianças mais novas correm um risco maior de pneumonia. Quando a doença é mais grave exige antibióticos. Isto é preocupante porque a China tem a maior incidência mundial de “micoplasma pneumoniae” resistente a uma certa classe de antibióticos. Até 60% a 70% dos casos em adultos e até 80% dos casos em crianças não respondem ao “Zithromax”, e medicamentos similares.
Um estudo mostrou que o “Mycoplasma pneumoniae” desapareceu durante 2 anos, devido às medidas anti-Covid. As autoridades de saúde chinesas afirmaram que o aumento de casos ocorreu mais cedo do que o normal. Saliente-se que outros países também registaram surtos de doenças respiratórias, após saírem das restrições pandémicas. 
Para o Ocidente, relatos de surtos de doenças respiratórias na China trazem memórias dos primeiros dias da pandemia de Covid, que surgiu pela primeira vez como casos de pneumonia na cidade de Wuhan, em 2019, e cuja origem nunca foi determinada. Mas, ao contrário do sars-cov-2, o micoplasma é um organismo bem conhecido e comum, que tende a causar surtos. 
 
Os dados para análise: um mundo onde os surtos de doenças infecciosas se estão a tornar comuns

A Time trouxe uma magnífica análise sobre as  recentes “estrelas infecciosas”: SARS-CoV-2, Varíola dos Macacos, Poliomielite, Marburgo. 
A Humanidade sempre enfrentou todo o tipo de agentes, mas os ataques estão a tornar-se mais comuns, e intensos. Já tivemos surtos de poliomielite, de varíola dos macacos e casos de Marburgo (um “primo” do vírus Ebola). Já vimos versões anteriores do SARS-CoV-2, nos surtos de coronavírus de 2002 e 2012. Então, por que é que estes surtos são mais frequentes, aparentemente de repente, e ao mesmo tempo? 
A explicação reside numa tempestade perfeita de factores, que influencia a forma como vivemos as nossas vidas, desde as viagens para todo o mundo, até à invasão dos seres humanos a habitats naturais intocados e à modernização, que levou às alterações climáticas, à urbanização, e à sobrelotação. Até a forma instantânea, e não filtrada, como comunicamos nas redes sociais está a contribuir para tal: a desinformação é frequentemente partilhada, acreditada e elevada ao mesmo nível de mensagens fiáveis. E há, ainda, a geopolítica, que expulsa milhões de pessoas das suas casas para campos de refugiados, terrenos férteis para a propagação de doenças infecciosas.
Simplificando, a multiplicidade de doenças infecciosas que o mundo enfrenta hoje é “apenas a evolução de micróbios e humanos que entram em rota de colisão”, citando Michael Osterholm, diretor do “Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas”, da Universidade de Minnesota. Esta interface ocorre com maior frequência, à medida que as pessoas se aproximam da Natureza. Os coronavírus, por exemplo, “vivem” nos morcegos, enquanto os vírus da gripe em populações de aves; ambos os vírus espalham-se por onde os animais circulam, o que envolve cada vez mais regiões, onde entram em contacto com as pessoas. A desflorestação, as alterações climáticas e a urbanização tornam estas interacções mais prováveis. No caso do Ébola, o maior surto da doença na África Ocidental, em 2014, foi amplificado pelo facto da urbanização ter concentrado mais pessoas em cidades densamente povoadas, do que tinha acontecido quando o vírus foi relatado pela primeira vez em pessoas, na década de 1970. “Nas décadas de 1990 e 2000, o Ébola não tinha mudado; o que mudou foi que o Ébola era uma doença de aldeias rurais, que afectava aldeias isoladas”, salienta Osterholm. A urbanização e a sobrelotação nas grandes cidades, onde o saneamento e o distanciamento social não existem, fazem com que os vírus e as bactérias tenham maior facilidade em procurar novos hospedeiros.
Por outro lado, as viagens aéreas não transportam apenas pessoas; também trazem vírus e bactérias para outras partes do mundo, numa questão de horas. O recente surto de varíola dos macacos, que se espalhou por 94 países em 3 meses, é um exemplo. O vírus, endémico na África Central e Ocidental, foi “apanhado” por pessoas daquela região, espalhou-se em festivais por todo o mundo e aterrou em países onde eram raramente notificados casos. “Se a varíola dos macacos tivesse acontecido há 100 anos, o mundo dificilmente teria enfrentado qualquer desafio global real, porque o transporte era tão lento que não se teria espalhado da forma como as viagens aéreas modernas fazem acontecer”, diz Osterholm.
A maior ameaça à capacidade de evitar grandes pandemias advém da nossa incapacidade em cooperar, partilhar informações de saúde pública e montar uma defesa eficaz contra doenças infecciosas. O Banco Mundial mobilizou um fundo anual de 10 mil milhões de dólares, para ajudar os países em desenvolvimento a melhorar os seus métodos de vigilância, para detectar e partilhar informações sobre casos raros de doenças infecciosas, que podem representar novas ameaças à saúde pública. O fundo reforçará as redes de profissionais de saúde na comunidade e as capacidades de testes laboratoriais destes países, bem como o seu acesso a testes, vacinas e tratamentos. 
Responder de forma rápida e eficaz terá de tornar-se rotina, se quisermos resistir aos ataques que certamente virão na nossa direção. Como diz Osterholm, na Time, “estamos a lutar contra um inimigo que cresce, e muda, todos os dias para se adaptar às mudanças do mundo.”

A homenagem da semana: aos que resistem a perseguições, em instituições públicas, nos Açores…

1. Reduzir o consumo de tabaco na região em 35% e aumentar a percentagem de fumadores que aderem a consultas de cessação tabágica em 25%.
Anunciou a Secretária da Saúde, Mónica Seidi, na semana passada. O meu aplauso. Que se atinja o desejado.

2. No panorama político regional há quem clame a queda urgente do actual governo.
Paradoxalmente, ainda antes que isso aconteça, tem acontecido uma espécie de “déjà vu”, em instituições públicas de saúde dos Açores: situações próprias de uma realidade habitual noutras latitudes, em que vemos pessoas que (de alguma forma) se destacaram pelo seu serviço à causa pública (quando a instituição tinha uma outra administração, mas já com este governo) são vítimas.
Desde a difamação em locais públicos por parte de “pares”, sem que a administração actual (na posse da Verdade, e com meios para a repor publicamente) tenha feito algo em desagravo, à mesquinhez em retirar meios de realização de actos médicos à distância (fundamentais para melhor servir os doentes!), ou à não dissuasão de mobbing recorrente sobre colaboradores da instituição (e quem não dissuade o mobbing, nestes cargos, compactua com o mesmo), até ao assédio a direitos laborais, tem-se constatado aquilo que em tudo se configura indigno, em quem serve a Coisa Pública.
Como há até quem fale em conflitos de interesses em tomadas de decisão, com benefício a certas entidades, urge que quem de direito faça o que tem de ser feito. E isto não se faz com visitas de cortesia, que culminam na divulgação de estranhos números de origem desconhecida, mas sim com auditorias credíveis, que permitam aferir como é que na prestação de cuidados ao cidadão (afinal o objectivo dos serviços de saúde) se tem assistido a uma degradação notória e evidente (paradoxalmente culpando-se publicamente os próprios cidadãos utentes!), associada a um notório agravamento financeiro (colocando credores em situação difícil), que eventualmente poderá estar a beneficiar alguém, sendo que esse “alguém” não são os cidadãos. Uma auditoria que resulte num relatório público, e não como aquela outra auditoria feita à Unidade de Oncologia do HDES, em 2022, e cujos resultados nunca foram divulgados. Terá algum “segredo de Estado” lá contido…? 
Não devemos maçar a opinião pública, a pouca que lê estes artigos, com pormenores que não melhoram o cenário aqui descrito. Muito pelo contrário. Mas, também não devemos calar quando “mais já é demais”. E este é o momento. Aqueles que já sofreram idêntica perseguição “ao Homem”, como aconteceu ao presente autor destas modestas linhas, são os últimos a quem o silêncio (perante tudo isto) é admitido. Como são mesmo as palavras de Ciprião de Figueiredo de Lemos e Vasconcelos...? “(...) que os que estão fora desse pezado jugo, quererião antes morrer livres, que em paz sujeitos...”, certo...? Uma pena que tantos as repitam, mas tão poucos as compreendam.

Mário Freitas*
*Médico consultor (graduado) em Saúde Pública, competência médica de Gestão de Unidades de Saúde

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