Diário dos Açores

Atividade física, educação física e desporto nos Açores 2

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Com este título num texto aqui publicado (a 11 nov.) apontamos na generalidade os eixos do sistema desportivo de qualquer país democrático e moderno e, na especialidade, o caso da Região e os seus problemas. Para alguns dos meus leitores, e para mim também, ficou a ideia de que ao escrito faltava uma concretização mais objetiva. Dissemos que o texto do Estatuto Político dos Açores não tem uma única palavra para os eixos 1 e 2, apenas tem para o eixo 3 e isso resulta da realidade como podemos agora concluir melhor: não existe política para o eixo 1; o eixo 2 é um apêndice do eixo 3; e o eixo 3 centraliza-se no mero treino desportivo sem finalidades políticas. Isso mesmo é reconfirmado pelo Programa do XIII Governo Regional: na área da «Educação» o eixo 2 não é referenciado; e na área do “Desporto” o documento é lapidar: «Importa incentivar a prática, apoiar o esforço, premiar o mérito desde o desporto escolar até à alta competição», sublinhado nosso. Ou seja, o Programa reconfirma que a escola serve para ministrar o desporto federado e não a educação física.

            Eixos        1    2    3
Função    Atividade física    Educação física    Desporto
Destinatários    Sociedade    Educação    Desporto
federado

No eixo 3 o investimento público, enquanto matriz, é para a formação e não o desporto. Resultado: multiplicação do número de atletas nas federações que serve para aumentar as receitas das federações e empobrece os clubes desportivos, com a gravidade das federações que recusam apoiar as suas atividades federativas; multiplicação da estatística, parecendo muita quantidade, quando até se inscrevem, não atletas, mas praticantes que, pela inscrição, passam a atletas quando não o são efetivamente. Tudo conta para garantir orçamentos sem finalidades políticas. Enfim, um amadorismo que se impõe subterraneamente pela falsa qualidade estatística e sem retorno desportivo e com consequências muito negativas para quem faz voluntariado no associativismo desportivo.
    O eixo 2 está conectado ao eixo 3 com que se relaciona. Em rigor é desejável a sua ligação – mas não nos termos em que existe nos Açores. Numa palavra: não existe eixo 2 nos Açores. Tenho sérias dúvidas que exista algum aluno nos Açores e em todos os níveis de ensino que aprenda regras de educação física, isto é, regras de bom funcionamento do seu corpo através do seu conhecimento e através de práticas de conduta corporal. Tenho sérias certezas de que é esta a situação: na generalidade os alunos fazem aquecimento através de corrida e depois praticam desporto. E a ligação precoce destes dois eixos, 2 e 3, ainda é mais incisiva e tenho sérias dúvidas que não aconteça isto em todos os estabelecimentos pré-escolares: as crianças não têm atividade física; aí os clubes desportivos oferecem gratuitamente o seu apoio a troco de praticarem desporto, e assim se cativam as crianças e jovens, não para a qualidade e plena consciência da sua vida motora, mas para as modalidades desportivas. Por isso mesmo nos Açores é uma marca os “clubes desportivos escolares” que, na mentalidade do sistema regional, pertencem ao desporto; muito longe, portanto, da ideia de “conjunto das práticas lúdico-desportivas e de formação... no âmbito do sistema educativo” e realizadas em “núcleo do desporto escolar”.
O eixo 1, de todos, é o pior. Mas digo pior porque os eixos 2 e 3 são sistemas, porque têm financiamento. Mas não existe sistema para esse eixo 1porque não há projeto, nem há investimento, nem sequer nenhuma ideia. O projeto Açores Ativos é uma mentira porque está vocacionado para as instituições desportivas e a sua execução na sociedade civil é ínfima e com execuções fraquíssimas ou nulas e o seu financiamento é uma gotícula num oceano de quinze milhões de euros. A sociedade, no eixo 1, esgota-se com os estabelecimentos de fitness; e mesmo aqui a Região fez a lei sobre as taxas (receita), mas desprezou o espaço público da condição física. Não fora os espaços dos municípios e os percursos pedestres – e a realidade seria zero.
Este retrato não está estudado; quem se atreveria? Mas dos documentos legais sobressai as diretivas desse modelo. Este modelo não é exclusivo do atual Governo: como se antedisse no 1.º texto, ele nasceu na década de 1970 e deu os primeiros passos na década seguinte; nos anos seguintes agigantou-se.
Em síntese: os açorianos estão a gastar milhões de euros por ano por uma coisa que aparenta ser o que não é. Mas em democracia temos de deixar de fingir que somos bons num sistema que é falso e prejudicial à política regional, e à saúde dos açorianos. Necessitamos de política séria no desporto, na educação física e na atividade desportiva – só assim é possível justificar o investimento que é muito elevado se comparado com a cultura.

Arnaldo Ourique

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