Diário dos Açores

16 Dias de Ativismo pelo fim da Violência Contra as Mulheres

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Será Menstruação o nome do Bicho Papão?

Decorre aquele tempo que por norma consideramos o final de mais um ano civil. Novembro é sinónimo de recordar e preparar! Seja na retrospetiva do que foi/aconteceu durante este ano como também no que queremos para o amanhã/futuro.
Neste seguimento faço uma retrospetiva e ao mesmo tempo tomo a ousadia de pedir um “desejo” futurístico. Quero, enquanto mulher, informada, formada e com valores feministas, desejar que a menstruação, no futuro, deixe de ser um problema, alvo de chacota e até desvalorizada.
Parece que sempre que se falam e tocam em temas que estão apenas e só relacionados com as mulheres “não há legitimidade” para os mesmos. Não faz mal troçar, achar estúpido, ridicularizar… Seja por homens e/ou mulheres formados/as e que considero informados/as.
Pobreza menstrual, é um problema no nosso país e região! Mas o que é isso agora? É legítimo que questionem. O que não se justifica é que brinquem com a questão antes de procurarem informar-se!
Pobreza menstrual é aquilo que se entende como a “incapacidade de muitas mulheres, no seu dia-a-dia, terem acesso a produtos e/ou condições de higiene que lhes permitam ter uma vida normativa durante o seu período menstrual” (UNICEF). Sim, é um problema que existe! E sim, é um problema bastante pouco falado e questionado na nossa sociedade.
Segundo estudos internacionais (ONU, 2022) pelo menos cerca de 500 milhões de mulheres vivem em pobreza menstrual e não conseguem ter acesso a condições de higiene consideradas adequadas. Portugal não está fora desta estimativa, pois segundo um estudo realizado em 2020 (V.Beliz e Z. Anastácio - Universidade do Minho) foi possível perceber que em cerca de 500 mulheres 17% afirmaram ter dificuldades na compra de produtos de higiene intima.
Ora, parece-me então que menstruação não é o bicho papão. É uma questão de saúde!
Vamos lá recordar a educação biológica que alguma vez tivemos, quer a nível escolar, como por experiência pessoal. A menstruação faz parte do funcionamento do organismo humano afecto ao sexo feminino. É o que marca o início da fase fértil do sexo feminino e quando se dá a sua ausência de forma continua no tempo marca o fim desse mesmo período fértil. Trocando por palavras simples, é que nos mostra que uma rapariga/mulher está pronta fisicamente e pode engravidar ou que a probabilidade disso acontecer diminuiu ou ficou inexistente, após determinado tempo/faixa etária.
Pois bem, sendo uma característica que nos é inata (nasce connosco) trata-se de uma questão de saúde.
Acharia espectacular questionarem todas as mulheres no mundo se gostariam de ter ou não a menstruação. Quer as que ainda não menstruam, as que menstruam e as que já menstruaram. Se nos fosse dada essa hipótese, esta escolha, talvez a grande maioria iria optar por não a ter. Não pela questão da fertilidade mas pelo desconforto que para muitas de nós provoca.
Para grande parte das mulheres menstruar é sinónimo de cólicas, cefaleias, desconforto generalizado, ao ponto de algumas vezes ser necessária baixa médica para convalescença devido a dor incapacitante… Não acredito que exista alguém que na sua total consciência goste de se sentir desconfortável.
Então porque trago esta questão, se parece básica?! Tudo começa quando se tentam criar/implementar medidas que ajudem e/ou facilitem a saúde intima da mulher na menstruação.
Fazendo as contas por alto, uma mulher tem de dispensar anualmente cerca de 60 ou 70 euros para produtos de higiene e não é para integrar mais caros na conta! Não me baseio em estudos, baseio-me na minha experiência pessoal! Tenho este gasto não porque quero mas porque tem de ser! É porque tive a sorte de nascer mulher e faz parte da minha saúde e higiene cuidar desse pormenor. Não se trata de um valor avultado, mas é um gasto que tem de existir, ou então voltaremos aos tradicionais paninhos que as minhas avós e antepassadas usaram de forma muito desconfortável.
Já existem medidas implementadas em escolas, espaços de saúde e até espaços públicos, para a disponibilização gratuita de produtos de higiene intima (por exemplo, a Escócia em 2020 foi o primeiro país no mundo a impor gratuitidade nestes produtos). Mas não em Portugal. Por cá, e acho muito bem, as doenças sexualmente transmissíveis, são consideradas um problema de saúde pública, já pobreza menstrual, infelizmente, ainda não é assim encarada, ou pior muitas vezes é um “não problema”.
De acordo com alguma informação que vai chegando à população pelos canais habituais (digitalmente ou imprensa escrita), já existiram/existem tentativas para dar acesso a produtos de higiene íntima de forma gratuita em unidades de saúde e escolas cá na região, porém, não avançam porque acham uma (desculpem o termo) “fantochada”.
Desta forma, volto a fantasiar num futuro em que a “fantochada” seja vista como uma questão de saúde. Sonho com o dia em que tratar e informar as mulheres, para e durante o seu período menstrual, seja levado muito a sério por todos/as nós! Para que, por exemplo seja normal, questionarem se as constantes irritações da vulva, que podem provocar outros problemas de saúde, não tenham tido início numa má utilização ou até alergia a um produto de higiene menstrual.
Parece-me tão simples ver a menstruação e a higiene a ela associada como uma questão de saúde. Espero que procurem mais informação e que visualizem, sem serem mulheres, como eu e outras pessoas, a simplicidade de resolução implícita nesta questão.
Já dizia a canção de António Gedeão e Manuel Freire – Pedra Filosofal - “sempre que o Homem sonha, o mundo pula e avança”. Por isso ainda me vou permitindo sonhar que um dia vamos pular e avançar para o respeito integral pelas Mulheres e pela sua menstruação!

Raquel Costa *

*Psicóloga e Técnica de Apoio à Vitima
UMAR Açores – Delegação da ilha Terceira


Campanha 16 Dias pelo Fim da Violência contra as Mulheres 2023

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