Rui Medeiros, investigador e professor universitário
Diário dos Açores

Rui Medeiros, investigador e professor universitário

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“É altura de parar para pensar o que queremos que os Açores sejam no futuro”

(continuação da pág. 2)

Nos Açores temos a particular responsabilidade de considerar o fumo do cigarro um agente poluente além de cancerígeno e que não é compatível com uma visão ecológica dos Açores.

Sendo açoriano, conhecendo a nossa realidade, que passos é que deveríamos dar, nesta área, com vista a prevenir ou combater as doenças oncológicas?
O conhecimento científico actual permite-nos claramente concluir que mais de metade de todos os cancros seriam evitáveis ou só aconteceriam em idades muito avançadas se conseguíssemos controlar ou evitar os factores de risco.
Temos grandes exemplos como o cancro do colo do útero que sendo provocado pelo vírus HPV a implementação de um programa de vacinação vem impedir esta infecção, e o cancro do pulmão que sabemos esta associado em 85% dos casos ao fumo do cigarro, o que significa que se acabássemos com o tabaco/hábito de fumar o cancro do pulmão passaria a ser um tumor raro.
Uma ferramenta bastante útil para qualquer um de nos é consultar o Código Europeu Contra o Cancro que tem 12 indicações bastante simples de cada um de nós reduzir o seu risco de Cancro (https://www.ligacontracancro.pt/cecc/).
Além da alteração de hábitos, a participação nos rastreios organizados é também essencial e temos em Portugal três já aprovados (Ca. da mama, colo do útero e colorectal).
A participação de todos nós na implementação destas medidas só por si seria um grande sucesso com impacto na redução do número de pessoas com cancro mas também no orçamento do SNS.
Além de termos um grande envelhecimento da nossa população o que só por si aumenta o risco do desgaste celular e consequente risco para cancro, temos considerar o pesadelo que é ser diagnosticado com cancro e o custo elevadíssimo do seu tratamento que felizmente o nosso SNS tem feito um grande esforço para garantir. Neste momento estão também em discussão a implementação de novos rastreios (do pulmão, próstata e do estômago). Tudo isto é valido quer sejamos açorianos ou não.

Fala-se muito de investigação nesta área. Estamos num patamar avançado para a cura dos cancros?
Em Oncologia, evitamos sempre utilizar a palavra cura pois uma aparente erradicação do tumor não significa o seu desaparecimento total ou cura.
Por outro lado, cada tipo de cancro/tumor e diferente e tem as suas particularidades próprias. Ainda assim, temos tido, graças à investigação, grandes sucessos nos últimos anos em alguns tipos de cancro. Portugal e apontado como um dos potenciais países que poderá erradicar muito brevemente o cancro do colo do útero graças a implementação do sistema combinado de vacinação antivírus HPV e com o rastreio organizado do cancro do colo do útero.
Um outro exemplo impressionante e o caso do cancro da mama em que todos os anos conseguimos aumentar e melhorar a percentagem de sobreviventes ao cancro.
Ou ainda o caso de alguns tipos de leucemias que 20 anos atrás seriam uma sentença negativa e atualmente tem estratégias de tratamento com sucessos acima de 90%.
Recentemente, estive na Croácia e o Ministro da Saúde croata estava fascinado com o nosso SNS, porque considerava que as semelhanças no tamanho do país e capacidade económica entre Portugal e a Croácia indicavam que a Croácia deveria seguir o exemplo de Portugal em diversas medidas de Saúde Publica na área de Oncologia.
O grande desenvolvimento da investigação nesta área permitiu esclarecer muitos dos factores de risco para o cancro e o que poderemos fazer para o evitar.
Quando cheguei ao IPO Porto, que é o maior Centro Oncológico nacional e um dos maiores da Europa, 30 anos atrás, a realidade era bem diferente e sobretudo o conhecimento científico sobre a prevenção ou optimização do tratamento evoluíram de uma forma impressionante graças a investigação e quando falamos em investigação isto implica investimento em projectos e em investigadores.
Existe um lema que eu gosto muito e que é defendido pela American Association Cancer Research que é descrito pelo seguinte “Cancer Research Saves Lives” ou como muitas vezes eu digo “A Ciência e a Investigação Podem Salvar a Sua Vida ou da Sua Família”, como podem encontrar no site da Liga Portuguesa Contra o Cancro (https://www.ligacontracancro.pt/exposicao-fotografica-os-rostos-da-lpcc-norte-rui-medeiros/).
Outro aspecto revolucionário resultante da investigação é a nova abordagem no tratamento personalizado do doente oncológico com recurso a Farmacogenómica e à Medicina de Precisão.
Aliás esta é uma das áreas que ensinamos na Faculdade de Medicina e no ICBAS desde 2006 ainda como modelo de investigação e muito antes de ser considerado uma realidade e em execução prática como acontece actualmente.
A intervenção terapêutica no tratamento dos tumores com base na Farmacogenómica e Medicina de Precisão é hoje uma realidade e um indicador da qualidade dos Centros/Hospitais Oncológicos. E começamos a verificar que os doentes e as suas famílias estão a começar a exigir essa qualidade.

O seu percurso, desde a escola Domingos Rebelo, até ao topo da carreira que hoje ostenta, pode ser encarado como um exemplo de que os açorianos, mesmo no meio da insularidade, podem ir longe nas suas áreas de atividade?
Penso que a mensagem poderá ser a que cada um de nós deve tentar fazer o melhor possível o seu trabalho e com o máximo de responsabilidade qualquer que seja a área profissional.
As oportunidades surgem se estivermos preparados para as receber e sobretudo se acreditarmos que trabalhamos para o bem das nossas comunidades.
Conheço muitos exemplos de açorianos que são excepcionais e são referência em diversas áreas profissionais.
Temos que dar aos nossos jovens a melhor educação possível, mas sem facilitismos pois a educação implica aquisição de conhecimento científico, mas também os direitos e deveres da cidadania e o respeito pelas organizações hierárquicas.
Por outro lado, é importante que as organizações da comunidade açoriana estejam atentas e acarinhem os jovens que demonstrem interesse pela ciência e pelo conhecimento independentemente da sua origem social.
 A insularidade hoje e certamente muito diferente do que acontecia nos anos 70 ou 80 devido aos meios disponíveis que todos conhecem.
Lembro a fantástica aventura que era a visita da carrinha da Biblioteca Gulbenkian com a sua grande variedade de livros que nos permitiam viajar e que eram uma autêntica janela aberta para o Universo.
Hoje qualquer jovem (e menos jovem) tem toda essa informação no pequeno tijolo que o acompanha diariamente e que o mantém ligado a uma rede incrível de informação.

Como vê os Açores hoje?
Sempre que regresso fico preocupado com a capacidade do Homo sapiens sapiens destruir o seu paraíso em nome do progresso.
Penso que é altura de parar para pensar o que queremos que os Açores sejam no futuro e depois assumir as responsabilidades.
 Por outro lado, os Açores ainda detêm um capital de futuro e uma imagem que lhe permitem ser tudo o que quiserem de uma forma sustentada.
A impressão digital de todos os erros cometidos é geralmente mais difícil de corrigir do que prevenir.
Ainda vamos a tempo de não cometer os mesmos erros de outros locais e de olhar para o que verdadeiramente interessa.

jornal@diariodosacores.pt

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