Diário dos Açores

Lições da História

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Nestes dias de festa, salpicados de copiosas chuvas e ventos invernosos, a História destas ilhas relata-nos episódios e catástrofes que, de tão distantes, a memória coletiva já apagou. E não são tão poucos, nem tão benignos que não tenham provocado sacrifícios e tristezas às populações afetadas.
Com o rodar dos anos, há uma faixa etária significativa da população que desconhece, porque não viveu, o terramoto de 1 de janeiro de 1980 e o rasto de destruição causado nas Ilhas Terceira, Graciosa e São Jorge.
Para outros ainda mais novos, pouco dirá a tempestade ocorrida em 25 e 26 de dezembro nos mares dos Açores, que destruiu navios de apreciáveis dimensões, ancorados no porto de Ponta Delgada contra a marginal, sem que nada se pudesse fazer. Ou ainda o sismo de 9 de julho de 1998, que causou mortes e a destruição de um número apreciável do parque habitacional das ilhas do Faial e do Pico... e poderia continuar a longa enumeração de desastres naturais, ocorridos desde o povoamento, o primeiro dos quais, referido por Gaspar Frutuoso, sem data precisa, poderá ter ocorrido nas Sete Cidades, tendo durado vários meses.
De todos estes trágicos acontecimentos, a erupção do Vulcão dos Capelinhos, no Faial, entre setembro de 1957 e outubro de 1958 tem lugar de destaque. Desse fenómeno vulcânico resultaram crises e convulsões sociais que alteraram profundamente o viver de milhares de açorianos. A emigração foi, de novo, a saída para populações privadas dos seus teres e haveres. No entanto, tal como aconteceu noutras fases da nossa história, outras  movimentações internas aconteceram no interior de cada ilha e entre as várias ilhas, o que estudos demográficos podem explicar.
A História açoriana deve ser conhecida por todos os que aqui mourejam, como forma de consolidar o amor à terra que nos viu nascer e de ajudar a construir a identidade do povo ilhéu.
Foi com essa preocupação que o distinto escritor terceirense Marcelino Lima (ML) (1876-1945) escreveu o Breviário Açoriano (1934).
Na altura, ML afirmava que “a história do povo açoriano está por fazer” e “nos compêndios de história que as escolas ensinam, ainda há bem pouco, os Açores não passavam de pontos imperceptíveis, só raramente citados como curiosidades geográficas, mal conhecidas, casualmente encontradas no Atlântico, simples ilhéus, rudes e inóspitos, onde, numa época em que as caravelas do Infante passeavam pelos mares, um freire da ordem de Cristo neles deixou ovelhas e cabras”.1
Breviário lhe chamou porque “é o livro que deve habitualmente ler-se”. Por isso “todo o açoriano devia possuir, ler, consultar diariamente (…) porque se é um dever amar e servir a terra-natal, é uma obrigação inadiável conhecê-la”.
O “Breviário Açoriano” tem faltas, tem erros, tem defeitos, reconhece o autor. Mas é um trabalho beneditino recolhido em fontes da biblioteca municipal de Angra de que foi seu responsável.
Ao longo dos 365 dias do ano, Marcelino Lima recorda figuras e fatos da história açoriana.
Sem pretender ser agoirento, o episódio referido no dia 5 de dezembro, relata “Uma enchente de mar [que] invade a Ilha de São Miguel causando estragos  consideráveis”.
Marcelino Lima, descreve em pormenor o enchente, iniciado a 2 de dezembro, com ventos fortes de nordeste passando depois a leste e les-sueste.   
“Foi aterrador o espetáculo que o mar apresentou, erguendo vagalhões enormes que varriam toda a ancoragem, sacudindo e arremessando as embarcações com ímpeto bravio, invadindo brutalmente as partes mais baixas da terra, onde os moradores aflitíssimos se amotinam e fogem. A enchente subia já 14 pés acima do nível do mar, apavorando a população e desmoronando tudo quanto lhe embargava o passo.”
Convém recordar que então, não estava construída a Avenida Marginal da cidade, o que só veio a acontecer mais de cem anos depois, nem a dimensão das embarcações se assemelhava às de hoje.
E continua: “A costa sul de Ponta Delgada apresentava uma pavorosa e longa linha de ruínas e de destroços; mais de 60 braças de terra haviam ficado sob as águas; as ondas subiam, em pirâmides cónicas, à altura de 70 a 80 pés.” A “formidável tempestade” - relata o historiador terceirense – atingiu também Vila Franca, Ribeira Grande e Povoação.
Hoje sabe-se que este temporal devastou também outros portos e povoações da ilha Terceira. Um artigo da Wikipedia, tendo como fonte o jornal “Angrense”de 15 de dezembro desse ano informa que “Os portos do Porto Martins, Praia da Vitória e São Mateus sofreram consideravelmente e toda a cortina do cais do Porto de Angra, do lado do Oeste, ficou inteiramente arrasada, parecendo incrível que o mar pudesse arrojar sob o mesmo cais penedos de um tão enorme tamanho. (...) “Se tão horrível borrasca durasse mais duas horas talvez que tivéssemos de chorar a desaparição da Vila da Praia da Vitória, Porto Martins e algumas outras povoações da costa.2 »
Tudo isto aconteceu há mais de 180 anos.
As condições de segurança do litoral das nossas ilhas beneficiaram com avultados investimentos na proteção da orla costeira.
Nunca é demais lembrar que com a natureza não se brinca. Quem vive em ilhas deve estar preparado para a eventualidade de fenómenos naturais adversos.
O tema está na ordem do dia, embora a história insular esteja repleta de episódios que ao longo de cinco séculos fustigaram estas ilhas de sonho e de desgraça, parafraseando o poeta Almeida Firmino.

1 LIMA, Marcelino, BREVIARIO AÇORIANO, Tipografia Andrade, 1934
2 Wikipedia, Suplemento ao n.º 166 do Angrense, Angra do Heroísmo, 15 de dezembro de 1839

José Gabriel Ávila*
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

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