Diário dos Açores

Retrospectiva e acidentes de percurso na Educação Física e no Desporto Açoriano

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Nos anos 50 e 60, eu e muitos jovens da minha idade, enquanto alunos do Liceu Nacional de Angra do Heroísmo, tivemos a oportunidade de adquirir vivências desportivas que nos marcaram para toda a vida. Nas aulas da disciplina de educação física, embora com fracas instalações desportivas no Convento de S. Francisco, nunca deixámos de ter actividades desportivas e informação técnico-pedagógica que foram um forte contributo na nossa educação, valorização pessoal e fortalecimento de amizades que se prolongaram para sempre. Naquele tempo, o  associativismo desportivo estava ligado essencialmente à vida académica e aos clubes desportivos. Instituições como o Lusitânia, Angrense, Marítimo, Praiense, União Praiense, Vilanovense, Filarmónica Praiense, Lawn Ténis Club, Seminário e Escuteiros da Base eram o sustentáculo do desporto na ilha Terceira.
Nas outras  ilhas onde existiam liceus (Faial e S.Miguel) a situação era semelhante. Os jovens das restantes ilhas quando queriam continuar a sua formação académica tinham que se deslocar para as ilhas que lecionavam o  ensino secundário e também beneficiavam das mesmas oportunidades dos residentes. Aqueles, que após o ensino primário não tinham acesso ao ensino secundário procuravam trabalho e encontravam nos clubes a única via de acesso à prática desportiva. Nalgumas situações, até  eram os próprios clubes que lhes arranjavam emprego tendo em vista a sua integração nas respectivas equipas.
Para além dos habituais torneios locais, o intercâmbio desportivo de âmbito regional era efectuado com a regularidade possível.No grupo central eram utilizados os habituais transportes marítimos (Terra Alta, Espírito Santo, Santo Amaro e Espalamaca) e nas viagens mais longas para as restantes ilhaso navio Ponta Delgada, um autêntico baloiço marítimo. Os clubes tradicionais que proporcionavam a prática desportiva à juventude açoriana viviam à base da carolice dos seus dirigentes. As dificuldades eram imensas mas o sentimento de afectividade e apoio  à vida clubística era inesgotável. A participação em provas nacionais era inexistente e a Federação de Futebol dava anualmente um rebuçado aos ilhéus que consistia numa eliminatória (2 jogos) entre o campeão açoriano e o representante da Madeira no acesso à Taça de Portugal. Contudo, os clubes desportivos açorianos não andavam a dormir. Os mais aventureiros optavam por efectuar digressões periódicas  às diversas comunidades açorianas localizadas nos Estados Unidos e Canadá, onde eram bem recebidos e até convidados a emigrarem para aquelas paragens.
Entretanto, aconteceu o 25 de Abril, e as coisas deram uma volta em termos de política desportiva com uma mudança estrutural no Desporto. A Direção Geral dos Desportos, liderada inicialmente pelo Prof. Melo Carvalho e, posteriormente, pelo Prof. Reis Pinto, elaborou um projecto nacional de desenvolvimento desportivo através da criação de delegações de desportos em todos os distritos, incluindo as dos Açores e Madeira (Angra do Heroísmo, Horta, Ponta Delgada e Funchal). Na equipa técnica central (DGD) constituída por coordenadores nacionais  de desenvolvimento das diversas modalidades desportivas, desempenhei as funções de Coordenador Nacional do Basquetebol. Nos anos que se seguiram muitos técnicos e crianças açorianas e madeirenses beneficiaram de diferentes acções de formação e de actividades de ensino desportivo incluindo a participação nos Jogos Juvenis Nacionais.
Entretanto,  os Açores e a Madeira conquistaram a sua autonomia política e, como tal, a administração dos serviços considerados fundamentais ao seu desenvolvimento. Na Região Autónoma dos Açores foi criada a Direção Regional da Educação Física e Desporto integrada na Secretaria Regional da Educação e Cultura. Depois de alguns contratatempos como o Sismo ocorrido na ilha Terceira (1980), a DREFD foi reorganizada com a criação de delegações de desportos nas diversas ilhas  e implementado um projecto de desenvolvimento desportivo regional (1982).No que diz respeito á Educação Física foi assegurada  a organização de actividades psico-motoras no ensino primário, coordenadas por uma rede de professores concelhios  especializados nesta área. Nos estabelecimentos do ensino preparatório e secundário a disciplina manteve-se orientada pelos professores de EF  e, na falta deles, foram formados muitos jovens para o preenchimento das vagas existentes.
Na área do associativismo desportivo foi implementada uma Cimeira Anual do Desporto Açoriano que teve como prioridade a criação de associações de modalidade, em substituição das associações de desportos, tendo como principal objectivo a promoção, organização e descentralização das diversas  modalidades desportivas pelas ilhas e a organização dos respectivos quadros competitivos. Para além das provas de ilha foram realizadas provas regionais de clubes e outras actividades desportivas de intercâmbio  com outras regiões insulares: Jogos Juvenis Insulares e Jogos do Atlântico “Açores-Canárias-Madeira”.
Nas décadas seguintes, foram sendo criadas condições para a participação regular dos clubes vencedores das provas regionais nos quadros competitivos nacionais das diferentes federações. Participação  regular nos Jogos das Ilhas Periféricas da Europa destinados aos escalões etários mais jovens. Contudo, os nossos companheiros insulares da Madeira e Canárias entenderam não participar nestes Jogos  face ao pouco nível competitivo das equipas participantes. Progressivamente, foi sendo criada legislação regional para dar resposta adequada às diversas situações que iam surgindo na problemática do sistema desportivo regional.

Machadada na Educação Física e no Desporto Escolar
Entretanto, em 1996, no decurso do projecto de desenvolvimento desportivo açoriano, o então Secretário Regional da Educação autorizou que a coordenação da Educação Física e do Desporto Escolar fosse transferida para a Direção Regional da Educação e, como tal, colocada numa gaveta sem fundo. Uma decisão política irresponsável, sem qualquer fundamentação técnica e pedagógica. Uma mudança catastrófica para o sistema educativo e desportivo na Região Autónoma dos Açores, quer dizer, voltámos à situação que ainda se vive no continente em que a educação física funciona em roda livre, sem respeito pelas etapas da formação desportiva e o desporto escolar não funciona. Esta situação conduziu o país aos últimos lugares da prática desportiva no contexto europeu, assim como às mais altas percentagens de abandono precoce da actividade desportiva nos escalões juniores nas diferentes modalidades desportivas. Actualmente, os clubes açorianos que participam em provas nacionais nos desportos colectivos têm imensa dificuldade em encontrar atletas formados na região  para as suas equipas, pelo que têm de recorrer frequentemente à  contratação de jogadores continentais. A Educação Física e o Desporto Escolar são a base de sustentação do desenvolvimento desportivo, em qualquer região ou país que possua um sistema educativo a funcionar correctamente.


Assembleia Legislativa Regional asfixia o Desporto Açoriano
Recentemente, a Assembleia Legislativa Regional dos Açores, resolveu   chumbar a proposta do Plano e  Orçamento  para 2024. Nunca semelhante situação tinha ocorrido na história da autonomia açoriana. Esta decisão, contaminada por alguns interesses partidários,  põe em causa uma série de conquistas dos funcionários da administração pública regional e não só. O sistema desportivo açoriano é frágil, o grau de dependência dos clubes e associações desportivas do financiamento da Direção Regional do Desporto é elevado. A maior fatia do orçamento diz respeito ao custo das deslocações inter-ilhas  nas provas regionais e nas deslocações ao continente e Madeira para cumprimento da calendarização referente às provas nacionais. Se juntarmos a esse valor as despesas das viagens internas e estadia no território continental a situação começa a ficar complicada. O financiamento produzido pela Direção Regional do Desporto é feito sob a forma de Contratos Programa com natureza anual ou plurianual. Os picos de pagamento coincidem com o início do ano (Fev/Mar) e com o final das épocas desportivas (Julho/Agosto). Se os valores ultrapassarem o valor do duodécimo ficarão verbas por regularizar junto de clubes e associações desportivas. Ao que tudo indica vai haver eleições regionais no mês de Fevereiro e a aprovação do Plano e Orçamento para 2024 levará mais dois meses. A fragilidade da tesouraria dos clubes e das associações pode levar ao ponto de rotura do sistema desportivo açoriano e pode implicar a desistência de alguns clubes de participar nas provas nacionais por falta de fundo de maneio. A nova Assembleia Regional que resolva o problema que os ex-deputados criaram.

Eduardo Monteiro

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