Diário dos Açores

Corrupta iustitiae, Parte 5

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Ladrões à tona com o aquecimento global

Mas como é que este país se tornou num feudo de ladrões? Sempre foi, mas com o aquecimento global vieram todos à tona. Sejamos tolerantes, nenhum político nasceu corrupto, pode ter nascido com mais ou menos defeitos, mais ou menos ambições, sem saber que nunca iria trabalhar um dia na vida e que passaria a andar de um lado para o outro, sem se lembrar de tudo o que prometia, onde e quando. Criou um sorriso nº 68 sempre pronto a beijocas e abraços dos milhares que com ele se cruzam, que só desafivelava à noite quando chegava a altura de programar as ações dos dias seguintes e afivelava outro que o Zé-povinho nunca via, mas que se traduzia posteriormente na triste sina dos que queriam sobreviver nesse país à beira-mar plantado.
Um político não nasce corrupto, mas cedo se apercebe de um pequeno nada aqui, outro acolá (os brasileiros chamam a isto o “jeitinho” português, vá-se lá saber porquê), até que, ao fim de alguns anos de treino e prática, apanha finalmente os truques do “jeitinho”, que é mais ou menos como resolver um cubo Rubik em 2 segundos. Claro que as pressões não abrandam com o tempo, é a família que quer benesses e mordomias, são amigos e companheiros que exigem retribuição do apoio dado em momentos-chave, são os concidadãos que se acham no direito de exigir tudo em troca dos votos e dos apoios a campanhas de eleição, reeleição, etc.  O processo pode começar de uma forma simples, como por exemplo uma multa, um despacho desfavorável, uma autorização camarária, uma venda de terrenos, um investimento avultado na região, uma viagem a uma reunião no estrangeiro, um bilhete de avião em executiva, a atualização da frota de veículos ao seu serviço, até ao termo da fase educacional, o mestrado e doutoramento em corrupção. Então já tem firmas de advogados e deputados a trabalharem para si e para as leis de que necessita para levar a bom porto o seu mandato. Depois, tudo funciona tipo “roller-coaster”, a verdadeira montanha russa sem fim. O processo nunca acaba nem quando há investigação de jornalistas (malvados que não sabem fazer nada a não ser dizer mal e procurar os podres de figuras públicas que tanto sacrificaram a vida pessoal na sua abnegada dedicação à “res publica”). E não acaba mesmo quando surge o ministério público (coio de malvados mal-intencionados e invejosos cuja única missão é interpretarem as leis para o bota abaixo daqueles que bem entendem).
Como sabemos, investiga-se isto e aquilo, criam-se comissões de inquérito no governo ou na assembleia da república e mesmo que haja material criminal quando chega aos juízes, lá estarão os abnegados defensores da verdade, os advogados que tudo resolvem até o caso prescrever. Chega-se ao ponto em que estamos, em pleno aquecimento global, andam ladrões à tona de água, bem visíveis, já ninguém desmente o ato corrupto, mas defende-se com a incongruência técnica no processo, o ato não ocorreu dia 3 pelas 17.00 mas sim dia 3 às 17.30 e isso faz toda a diferença para quem sempre teve a consciência calma e limpa como o político de que falamos.
De quatro em quatro anos, nas eleições, os políticos (de todos os quadrantes) mostram-se vocalmente preocupados com a abstenção, que sobe exponencialmente em cada ato eleitoral. Antes, tratam os cidadãos como se vivessem na idade da pedra, prometendo coisas que – de antemão – dificilmente irão cumprir. Descem aos povoados, mercados, feiras, beijam peixeiras, bebés e tudo e todos que encontram, convencidos de que são muito bem aceites. Dantes, após o 25 abril ofereciam esferográficas e outra parafernália como “recuerdo”, agora incluem orçamentos participativos onde os eleitores sugerem os seus planos. Os políticos pensam que assim se cumpre a democracia e que estão a ouvir a voz do povo, mas depois do ato eleitoral, promessas esquecidas, projetos alterados consoante os lóbis e as forças de pressão (a que todos os políticos estão sujeitos se quiserem ser reeleitos) afastam-nos mais e mais dos eleitores. As camadas mais jovens criadas na era cibernética (que nada tem a ver com a forma como ainda se faz política), liga os seus fones, de olhos colados aos smartphones e segue em frente, muitas vezes dando votações magníficas aos populistas e forças oportunistas, xenófobas, racistas, anti-imigração, mas que parecem responder aos seus sentimentos básicos de insegurança pelo futuro. Sabermos que apesar da enorme facilidade de acesso à informação, esta se encontra inundada por fake news e falsidades, e uma mentira contada mil vezes acaba por ser aceite como verdade. Como as camadas mais jovens não tiveram um ensino que privilegiasse a capacidade e o pensamento crítico, são incapazes de questionar-se sobre as doses maciças de informação e falsa informação que lhes chega, desde mensagens subliminares na publicidade, a filmes e outras formas de comunicação. Acabam assim, mais facilmente manipulados do que alguma vez imaginam.
O mesmo se passa com os mais idosos, com menos cultura política, os que vivem de telenovelas e casas dos segredos, alienados pelo futebol que sabem mais de cada jogador do que alguma vez saberão sobre os seus direitos e deveres cívicos. Claroque em nada ajudam as revelações, diárias de arguidos em casos e mais casos de corrupção, cuja maioria acaba em “águas de bacalhau”, pois poucos são os condenados ou que cumprem penas efetivas, levantando dúvidas sobre as investigações e sobre os juízes. Nada disto ajuda, mas daqui a uns anos teremos percentagens menores de eleitores, quando os eleitos tiverem apenas os votos das suas máquinas partidárias e o povo foi à bola ou à praia…

Chrys Chrystello*

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

 

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