Carlos Silva (O Tractor): Um grande ídolo do Futebol Angrense e Açoriano
Eduardo Monteiro

Carlos Silva (O Tractor): Um grande ídolo do Futebol Angrense e Açoriano

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Desportistas do meu tempo

“No decorrer destes encontros, quando alguém fazia uma entrada mais forte sobre um colega, dizíamos de imediato, até pareces “O Tractor”.”

 

Nos primeiros anos do liceu, quando terminávamos uma aula e, na hora seguinte existia um buraco no horário escolar, havia uma rápida movimentação pelos corredores, seguida de forte correria pelo claustro do Convento de S. Francisco para ver quem chegava primeiro ao “Estádio da Pedra”. O objectivo era marcar presença numa das equipas na jogatana que se seguia. De vez em quando, nas tardes desportivas, também organizávamos umas futeboladas no relvão, no pelado da Escola Comercial ou no campo do Seminário. No decorrer destes encontros, quando alguém fazia uma entrada mais forte sobre um colega, dizíamos de imediato, até pareces “O Tractor”.
 Essa alcunha tornou-se popular e, como tal, era a referência mais conhecida e utilizada pelos  adeptos da modalidade face à maneira dinâmica de actuar do Carlos Silva. Quando arrancava na direcção da bola tinha alguma dificuldade em diminuir de velocidade no momento da sua disputa, razão pela qual, de vez em quando chocava com os adversários. Como era mais pesado do que a maioria deles, os oponentes não aguentavam o contacto físico e caíam desamparados no campo pelado. Até parecia que tinham sido atropelados pelo jogador do Angrense. Assim, como rescaldo destas situações é que surgiu a alcunha de “ O Tractor”.
O Carlos Silva era natural de S. Miguel e começou a jogar no Micaelense com 16 anos de idade. Veio pela primeira vez à ilha Terceira aquando do casamento do irmão que jogava no Angrense, mas não foi fácil fazer a deslocação pois foi necessário enviar uma carta de chamada. Durante a estadia levaram-no ao treino do Angrense e, a partir daí, os encarnados de Angra do Heroísmo ficaram interessados no seu concurso e iniciaram os contactos necessários com o clube da cidade de Ponta Delgada para a sua transferência. O S.C. Angrense, para além de lhe arranjar emprego e alojamento, também se responsabilizou pela vinda da sua mulher e filho.
Durante os anos que representou o Sport Club Angrense (1953 a 1967), foi Campeão Distrital (AFAH), Campeão dos Açores e Campeão Insular, por diversas vezes, para além de ter conquistado muitas outras provas associativas. Fez parte da famosa equipa encarnada (Vilaverde, Aníbal, Canetas, Laureano, Horácio, Edmundo, Pires, Miranda, Almeida, Morais e José Gonçalves) que conquistou pela primeira vez na história do futebol açoriano o título insular (1960), eliminando o Marítimo do Funchal. Na eliminatória seguinte da Taça de Portugal o S.C. Angrense foi eliminado  pelo Sport Lisboa e Benfica.
Entretanto, os jogadores da equipa de principiantes do clube, então orientados pelo decano treinador Alberto Augusto, à medida que iam sendo promovidos aos seniores constatavam, de imediato, que o Carlos Silva era um bom companheiro e amigo da rapaziada mais nova. Nesta fase da sua carreira, já depois de ter vencido  campeonatos ao nível de ilha, região e insular, fez a transicção da frente do ataque, para a posição de defesa central. Contudo, nos treinos não poupava ninguém nem mesmo os recém chegados, pois havia sempre uns toques, encostos chega para lá e algumas entradas mais fortes para nos pôr em sentido.
O Carlos Silva dizia aos novatos da equipa, que não tinha a intenção de magoar ninguém, mas que era sua obrigação de, nos treinos, ensinar aos “meninos do copo de leite” a ganhar confiança e a perder o medo dos defesas mais sabidos e agressivos das outras equipas. Durante os treinos semanais, que antecediam os jogos oficiais, adorava dar-nos exemplos práticos sobre a forma de actuar dos defesas que íamos defrontar. Fartava-se de rir com as situações caricatas que alguns faziam, com receio das suas entradas, quando nos tentava exemplificar.
O Carlos Silva era uma excelente pessoa e, como tal, era tratado por todos os companheiros de equipa com enorme respeito e admiração. Dotado de qualidades atléticas acima do normal (uma verdadeira força da natureza) que, aliadas a uma entrega ao jogo com enorme intensidade, faziam dele um jogador imprescindível em qualquer equipa. Não gostava de perder nem a feijões e, se via algum colega de equipa distraído no campo, incitava-o com palavras e gestos apropriados, para reagir à inércia e lutar com mais energia pela recuperação da posse de bola.
 Jogava como treinava e, por essa razão, era um exemplo para todos os companheiros e adversários. Não sendo possuidor de técnica individual aprimorada, ultrapassava essa faceta com uma entrega exemplar ao jogo, em benefício da prestação colectiva. Era um jogador determinado que dava gosto ver actuar. Os adeptos do clube sabiam que ali atrás “O Tractor” impunha respeito e limpava toda aquela área, o que era uma excelente garantia em termos defensivos que, por sua vez, contagiava os companheiros da equipa e entusiasmava os amantes do futebol.
Nos dias em que havia jogo no Campo Municipal de Angra do Heroísmo, habitualmente nas tardes de domingo, o ponto de encontro dos jogadores situava-se no antigo Café Chá Barrosa (rua direita), duas horas antes do jogo. Depois seguíamos uma espécie de ritual, escolhido pelos mais velhos, que constava de uma caminhada em ameno convívio até chegarmos ao velhinho campo de jogos. O percurso, sempre a subir, funcionava como um pré-aquecimento para os jogadores que, progressivamente, se foram adaptando e, mais tarde, o consideravam imprescindível.
O Carlos Silva tinha o hábito de jogar com uma boina e, assim o fez durante anos, até que num jogo particular com o Sport Lisboa e Benfica o internacional Cavém lhe roubou a boina, pelo que ficou vacinado e nunca mais alinhou com nada na cabeça. Também teve a oportunidade de integrar uma selecção de Angra do Heroísmo da qual eu fiz parte. Nos anos que nós, “os meninos do copo de leite”, convivemos com o nosso Amigo “Tractor”  ficámos com boas recordações pela determinação e valentia na sua forma de jogar. Sempre nos deu bons conselhos e, por isso, ficámos eternamente agradecidos pela amizade que nos proporcionou.

 

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