Alfredo Bensaúde: construtor de violinos

Alfredo Bensaúde: construtor de violinos

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“Até há bem pouco tempo, esses artistas/marceneiros não tinham mãos a medir para satisfazer as encomendas de emigrantes, devido ao ressurgimento da música folclórica na diáspora e da revitalização da viola da terra.”

 

Corre numa página das redes sociais (FB) um interessante anuncio sobre inscrições num curso de iniciação ao violino, intitulado “Pequenos Violinos das Capelas”, ministrado pelos jovens e talentosos violinistas Micaela Meireles Sousa e Gonçalo Sousa.
É uma excelente iniciativa, proveniente de descendentes de Miguel Bretanha, pai de Carlos Sousa, fundador e dinamizador do Grupo de Cantares “Belaurora” desde 1985, também ele tocador de sete instrumentos, entre os quais a tradicional rabeca.
A iniciativa chamou-me a atenção, porque também eu e outras crianças e jovens, aprenderam a tocar piano com mestras, exímias pianistas, que embora nunca tenham entrado num conservatório, atingiram grande perfeição e virtuosismo. Os seus nomes começam a entrar no rol dos esquecidos. No entanto, em todas as ilhas existiram professoras de piano que, apesar da inexistência de escolas de música oficiais, muito contribuíram para que as meninas prendadas da época cumprissem o desígnio de tocar piano e falar francês/inglês.
Havia também marceneiros e mestres de instrumentos de corda: guitarra, viola da terra, violão, bandolim e violino. Conheci alguns, em Vila Franca do Campo e nas Lajes do Pico. Construiam os instrumentos e ensinavam os jovens que se integravam em tunas, grupos folclóricos, grupos musicais. Quase todos eram compositores de fados, modas e marchas populares (Manuel Ferreira, por exemplo), muitas delas destinadas a grupos de teatro popular.
Até há bem pouco tempo, esses artistas/marceneiros não tinham mãos a medir para satisfazer as encomendas de emigrantes, devido ao ressurgimento da música folclórica na diáspora e da revitalização da viola da terra.
Convém, pois, que as entidades locais e regionais não esqueçam o contributo que essas pessoas deram à preservação e promoção da arte dos sons e da construção de instrumentos de corda e tudo façam para recordar os seus nomes e trabalhos e promovam, junto dos jovens, tão delicadas artes e ofícios.
Alfredo Bensaúde (1856-1941), primeiro filho do conhecido industrial de origem judaica José Bensaúde, foi também um construtor, restaurador e colecionador de violinos, a par de ter sido Diretor e professor de Mineralogia e Geologia no Instituto Superior Técnico de Lisboa, formado em Hanover e doutorado em Filosofia pela Universidade de Gotinga.
Independentemente da sua vasta e conceituada obra científica, o micaelense Alfredo Bensaúde (AB) dedicou-se à construção de instrumentos de arco, desde 1874.
Numa entrevista publicada pela revista “Os Açores”1 afirma: “julgo que sou um dos raros portugueses que têm construído rabecas dignas de tal nome”. E acrescenta: “nesse tempo vivia na Alemanha, onde fui educado. Lições de acústica a que assistira na Escola Superior Técnica de Hanôver, em que se repetiram algumas das conhecidas experiência de Savart2 (...)levaram-me a empreender a construção do meu primeiro violino”.
Desde muito novo, conta AB, entusiasmava-se a fazer trabalhos manuais. A casa de seus pais tinha uma pequena oficina no jardim da casa, aberta a rapazes, dotada de ferramentas de carpintaria, forja e serralharia, e de quando em vez, “vinham os melhores artífices da vizinhança ensinar-nos os seus ofícios”.  
O seu melhor mestre na construção de violinos foi o dinamarquês I. Eritzoe com quem “trabalhei com assiduidade, com entusiasmo até, durante o ano de 1874-75, adquirindo as noções que tenho da arte de construir violinos.”
Embora tenha perdido um ano do curso na sua aprendizagem -”abençoada estroinice”- AB revela que, mesmo levando muito a sério a profissão absorvente de professor de ciências, “nunca me abandonou por completo o interesse pelo violino. É paixão que não esfria.”
Alfredo Bensaúde é, provavelmente, mais conhecido pela sua ação de dinamização do IST, o que lhe valeu ter o seu nome perpetuado numa extensa Avenida na zona dos Olivais, em Lisboa. Em Ponta Delgada, só muito recentemente faz parte da toponímia, embora numa rua, sem saída, de numa nova urbanização.
Da faceta de construtor de violinos pouco se fala. Ao longo da sua vida, construiu de raiz, apenas sete violinos. “O penúltimo é de 1916 e chama-se “Verdun”, porque foi construído quando se batiam, doidamente, na Grande Guerra. Ao último chamei-lhe “Canto do Cisne”. É de 1927. Mas reparei centenas deles”, explicou o distinto micaelense.
Nesta entrevista, Alfredo Bensaúde confessa ter inventado um verniz gordo, recomendável pela sua elasticidade, transparência e brilho e ter construído violinos absolutamente simétricos na curvatura dos tampos e no contorno da costilha, “o que nem sempre sucede com os instrumentos dos melhores mestres”.
Possuidor “de uma grande e boa coleção de violinos em Lisboa, adquiridos durante longos anos de pacientes pesquisas e todos carinhosamente reparados por mim”, A. Bensaúde justifica a ausência de tão preciosos instrumentos: “Não os posso ter aqui porque o clima é muito húmido e muito pouco propício aos instrumentos de arco”.
Passados precisamente 80 anos da sua morte, vale a pena recordar não só o cientista, professor e Diretor do Instituto Superior Técnico, mas sobretudo o apaixonado construtor e colecionador de violinos, que “tantas horas felizes” lhe proporcionaram.
Esta faceta importa também relevar, ligando o seu nome a instituições musicais, e procurando recuperar alguns exemplares da sua coleção, como tem sido feito com espólios de outras proeminentes figuras açorianas ligadas à cultura.
Fica a sugestão, e que não caia em saco roto.

 

Foto: Revista ”Os Açores” (1928), II série, 7, Julho


Referências:
1Revista “Os Açores”, (1928), II série, 7, Julho,pags 18,19,33
2Felix Savart- físico, investigador da acústica e dos corpos vibrantes  

 

*Jornalista c.p. 239 A

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