Nas mãos deles?
Osvaldo Cabral

Nas mãos deles?

Previous Article Previous Article SINTAP congratula-se com suplemento remuneratório da RIAC e critica o PS
Next Article Capela do Sagrado Coração  de Jesus e do Santíssimo Sacramento nos Arrifes Capela do Sagrado Coração de Jesus e do Santíssimo Sacramento nos Arrifes

Diário inconveniente

E eis que, de repente, as duas “geringonças”, de cá e de lá, correm o risco de ver os seus orçamentos reprovados nos respectivos parlamentos.
Há semelhanças entre as duas crises?
Nalguns pontos sim, noutros não, a começar pelo facto da “geringonça” nacional durar há muito mais tempo, enquanto que a regional parece ter-se cansado rapidamente.
Nos dois lados parece haver muito teatro, mas lá no fundo ressalta uma evidência: quando muitos partidos se casam e os interesses de cada um colidam, a balbúrdia e o divórcio é uma certeza, mais dia menos dia.
Os partidos são essenciais à democracia - sobre isto não existem dúvidas -, mas quando um sistema como o nosso, que não permite a representação parlamentar de cidadãos em listas independentes,  torna-se mais fácil um bloqueio do sistema e a escolha de alternativas mais difícil.
 A oligarquia partidária em que vivemos não é saudável para a democracia, especialmente quando ela se fecha sobre si própria, dificultando a participação cívica de outros cidadãos que não se identificam com as propostas dos partidos existentes.
Em vários países há movimentos de cidadãos que se candidatam e alguns chegam ao poder.
Em Portugal estamos reféns dos partidos e de uma lei obsoleta que não permite à cidadania estar em pé de igualdade com os partidos.
A demora nas reformas da lei eleitoral, cá e lá, só demonstra que os partidos não querem abrir mão da “propriedade do sistema”, mantendo-se como “donos” da vida política, tudo ainda mais agravado pela recusa em promover, internamente, a escolha dos seus deputados em listas abertas propostas pelos militantes e votadas por estes, em vez da imposição de nomes pelos dirigentes dos respectivos aparelhos.
A falta destas reformas provoca, agora, uma certa angústia, na medida em que, se as crises se confirmarem, vamos ter que gramar, novamente, com os mesmos partidos e não saímos desta pescadinha de rabo na boca.
Outra diferença entre as “geringonças” é que, lá fora, o governo não quer aumentar a despesa pública com a enorme lista de reivindicações dos parceiros de esquerda, enquanto que por cá o governo regional vai mesmo aumentar a despesa pública, que um dos parceiros, a Iniciativa Liberal, recusa-se a aprovar, sobretudo se for para injectar mais dinheiro na SATA.
Teoricamente o único deputado liberal tem razão, pois não se percebe como continuamos a alimentar o enorme buraco de uma  empresa sem que conheçamos o que está a ser feito para acabar com tamanho despesismo.
É que nem uma linha conhecemos da reestruturação e não se vislumbram medidas duras - foi o Presidente da empresa que alertou que isto ia “doer” - para estancar esta hemorragia financeira.
Mas também não se percebe, como é que os partidos no parlamento regional preocupam-se, agora, com o aumento do endividamento, particularmente para resolver o problema da SATA, mas foram os primeiros a propor e aprovaram, em proveito próprio, o aumento de despesas da Assembleia Regional, para terem mais assessores e mais despesa fixa.
O endividamento galopante da região é um problema que não é de agora, mas que se vai tornando numa herança cada vez mais pesada para as gerações seguintes.
Tenho à minha frente o boletim de execução orçamental do governo regional, referente ao mês de Agosto e, numa apreciação fria e crua, as notícias não são nada animadoras.
Há mais receita, mas também há mais despesa.
Continuando nesta espiral, a atual Lei de Finanças Regionais não nos poderá acudir.
Pelo contrário, como agora se provou, vamos receber menos 20 milhões de euros de transferências do Orçamento de Estado devido à fórmula da referida lei, que precisa ser revista.
Vejam lá esta incongruência: o Governo da República aumenta o investimento público no OGE, com a justificação de que o país precisa de recuperar da crise provocada pela pandemia, mas para os Açores e Madeira diminuiu as transferências!
Ou seja, um continente e duas regiões a duas velocidades.
Neste momento os Açores têm registados 2,4 mil milhões de euros de dívida pública, mas as responsabilidades assumidas atingem os 4 mil milhões de euros, quase o valor total da riqueza que os açorianos produzem num ano.
Como muito bem alertou o Professor Monteiro da Silva, se considerarmos que mais de 90 por cento das despesas do orçamento estão todas consignadas à Saúde, à Educação e aos Transportes, resta-nos quase nada para desenharmos um modelo de desenvolvimento que gere riqueza.
 Há que negociar uma nova Lei de Finanças em sede do Orçamento de Estado, até porque o Governo da República assume um critério, discutível, de maior generosidade para as empresas públicas do que para as Regiões Autónomas.
Basta referir os 4 mil milhões de euros que vão ser estampados na TAP ou os 2 mil milhões de euros “comidos” pela CP, que em conjunto dava para pagar toda a dívida dos Açores e da Madeira.
Cá dentro, temos que reflectir seriamente se queremos continuar com este caminho perigoso, que é manter a nossa região numa gigantesca galáxia de funcionalismo público, de despesa colossal sem gerar riqueza, com imensos interesses mobilizadores à volta do orçamento público e nenhuma preocupação em alavancar e inovar os sectores onde podemos colher valor acrescentado para esta e as próximas gerações.
O PRR e o novo quadro comunitário são oportunidades que não podemos perder e uma crise política nesta altura, cá e lá, só poderá piorar o cenário.
Pelo que vamos vendo nos últimos tempos, os dias são sombrios.
E nós, cidadãos, outra vez nas mãos dos partidos.
Ou serão eles nas nossas mãos?

Share

Print

Theme picker