Livre, Solidário e Irónico
Nuno Costa Santos

Livre, Solidário e Irónico

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Aqui no Corpo Santo sentiu-se, e bem, o temporal. O tempo foi desabafando durante toda a noite. Como se há muito tivesse coisas a dizer e só agora as dissesse sobre a paisagem, sobre o Monte Brasil, sobre a Baía de Angra, sobre a Terceira toda, sobre o Arquipélago. Acordei, adormeci, acordei. Parecia estar a ser convocado pelos elementos. Sempre que dormia mais fundo era chamado pelo alvoroço da chuva e do vento. “Não adormeçam, ouçam o que tenho para vos dizer”, gritavam os céus.
Depois do desabafo, o alívio. Escrevo de manhã sentado à mesa da cozinha. O tempo, suave, quase meigo. Já disse o que tinha a dizer.
Lembro-me de uma conversa com o Pepe Brix, de passagem, há umas semanas, pela Praia da Vitória. Perguntou-me: “Já passaste aqui o Inverno?” E acrescentou: “Só depois de o fazeres é que poderás saber se queres ficar.” Respondi que sim, que, neste regresso, já contabilizava dois Invernos. E que nunca havia esquecido os Invernos açorianos da infância e da adolescência. E que já os tinha revivido em múltiplos projectos mantidos no arquipélago ao longo dos anos. Percebo a questão. Passar o Inverno nos Açores é uma prova para os mais valentes do pelotão.
Caem-me imagens sobre a mesa: árvores caídas no jardim da casa dos meus pais como um exército alvejado numa guerra nocturna. Fúrias de mar – com as espumas a galgarem como cães furiosos a marginal e as areias das praias do Pópulo. Travessias de automóvel na ilha por entre um grosso e alagado nevoeiro. Um papagaio lançado pelo meu pai num pasto e nós, ele e eu, pequeno, de oito ou nove anos, a topá-lo no seu esforço de sobrevivência ao festim bravo do vento.
Levanto-me, deambulo pela casa e encontro, em cima da mesa da sala, um volume que tenho lido, “A Liberdade por Princípio – Estudos e Testemunhos em Homenagem a Mário Mesquita”, edição recente da Tinta da China. E digo tenho lido porque tem 814 páginas e eu não sou o Pacheco Pereira. Folheio-o mais uma vez. Mantenho há muitos anos um respeito maior por Mário Mesquita. Em todas as suas dimensões. Do articulista interventivo e anti-Estado Novo, em idade juvenil, nos jornais da sua terra, ao jornalista, ao director de jornais e ao actor político, mesmo que breve – como um dos fundadores do Partido Socialista e como deputado da Assembleia Constituinte, em 1975. E, claro, ao académico e ao intelectual que pensa os media.
No volume, coordenado por Carlos Guilherme Riley, Cláudia Henriques, Pedro Marques Gomes e Tito Cardoso e Cunha, estão agrupadas essas várias vocações. E estão enunciados, além de um temperamento ao mesmo tempo afectivo e racional, para citar o dicionário usado pelo seu amigo Jaime Gama, uma persistente vocação para a ética e para um cepticismo, se quisermos, construtivo e progressista. Há um lado, amiúde referido, em Mário Mesquita que o distingue e muito acrescenta à sua densidade intelectual: o seu sentimento de humor. Um modo de dizer o sério através da ironia sobre outros e sobre si (importante). Agora que escrevo estas linhas. relaciono-o com o título do livro de um autor que, sei, preza, Richard Rorty. O título é: “Contingência, Ironia e Solidariedade”.
Onésimo Teotónio Almeida, num dos textos, descreve bem os seus atributos: “A perspicácia de observação, a precisão de pensamento, a fina ironia e a escorreiteza de estilo, bebida nos melhores clássicos”. E, mais à frente, Pilar Damião de Medeiros, com outros termos, também: “Sempre desafiou esquemas dicotómicos, pedantismos aliterados e autoritarismos partidários”. Aliás, um dos aspectos mais significativos em si é a defesa irredutível do pluralismo – quer político quer, por consequência, jornalístico. Foi sempre coerente nisso. Uma das suas directrizes constitucionais sempre foi a da liberdade – e por isso é feliz o título do livro, embora só abarcando uma dimensão da sua figura. Pugnou, em período pós-revolucionário, em que não era tão fácil fazê-lo, por uma imprensa livre de prisões ideológico-partidárias, o que lhe motivou críticas, algumas delas inesperadas. Nunca se demoveu de pensar com independência.
Onde fica o açoriano? Num catálogo de emoções e memórias que transportará consigo. Em tantos gestos. Alguns deles, que me ocorrem. Na atenção que foi sempre dando aos Açores em ensaios e outros escritos sobre questões autonómicas. Na concretização do intuito de,  enquanto director executivo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, valorizar o arquipélago, a sua História, a sua cultura, a sua importância geoestratégica, no apoio à edição de livros com fundo açoriano – como a versão portuguesa de “Home Is An Island”, de Alfred Lewis, originalmente publicado nos EUA em 1951.
Além da gratidão que tenho para com uma figura inspiradora, trago um motivo para um agradecimento pessoal. Em Lisboa, quando me comecei a interessar por jornalismo, pude ouvi-lo. Sempre senti, vinda dele, uma solidariedade insular-pessoal para com um açoriano que, como aconteceu no seu caso, ao Direito preferiu o jornalismo – sobretudo um certo jornalismo para além do calendário de efeito fácil dos dias. Elogiou, com a  sua autoridade reconhecida, perante o director do suplemento DNA, Pedro Rolo Duarte, alguns traços da minha prosa de iniciante e a minha vontade de escrita, convocou-me para sessões universitárias sobre comunicação e, mais tarde, para algumas colaborações com a revista da FLAD, a Paralelo, onde pude desenrolar algumas notas sobre livros de temática açoriana. Obrigado, Mário Mesquita.

Judo nos Açores

O judo é um desporto bem praticado nos Açores – com exigência e reconhecimento. E com genica, sem a qual não se vencem os combates. O prémio para o judo açoriano chega, desta vez, dos mais velhos. No Campeonato do Mundo de Veteranos tivemos dois campeões e um vice-campeão. Luís Paz, Marco Ávila e Nuno Carvalho são os nomes dos medalhados. Os três atletas são do Judo Clube de Ponta Delgada e um deles, Marco Ávila, iniciou a prática do judo em 1977 na Terceira – primeiro sob a orientação de Sérgio Rivas Rodrigues e depois de Mário Duarte. Penso e lembro: dada à forma como é vivido no arquipélago, o judo pode ter um papel mais decisivo na integração social de quem, entre os jovens, desta precisa. Quem sabe.

 

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