Navios-cruzeiro  não trazem  só vantagens

Navios-cruzeiro não trazem só vantagens

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Em junto de 2005, quando o Governo de Carlos César apresentou o projeto das Portas do Mar da autoria do Arquiteto Manuel Salgado, empreendimento estimado em cerca de 46 milhões de euros, abria-se uma nova perspetiva para a frente mar da cidade, que permitiria colocar São Miguel na rota turística dos cruzeiros transatlânticos.
    Desde que a infraestrutura foi inaugurada, em julho de 2008, e fruto de uma persistente e bem conseguida promoção, este destino tem vindo a atingir patamares nunca imagináveis, colocando-o nas rotas dos principais operadores e maiores navios-cruzeiro e abrindo espaço a outros portos insulares noutros segmentos turísticos.
    De arquipélago estratégico da navegação marítima, nomeadamente do iatismo internacional, cujas potencialidades podem ser ainda mais aproveitadas, os Açores passaram a ser paragem obrigatória dos cruzeiros transatlânticos, como o haviam sido outrora, durante a expansão portuguesa para o Brasil e para as Índias.
    Foi, na verdade, uma obra essencial para a promoção deste destino insular. Os dados comprovam a subida exponencial do número de escalas que passou de 60 em 2010, para 138 em 2015, segundo dados da Portos dos Açores (quadro anexo)  . Também nesse mesmo período, o número de passageiros mais que duplicou (ver quadro anexo)   . Os dados estatísticos dos anos seguintes ainda não foram divulgados.

    Até ao final do ano, segundo a PA está prevista a vinda a Ponta Delgada de 11 paquetes, transportando cerca de 30 mil passageiros, e até meados de maio do ano que vem, está anunciada a chegada de mais 61 navios-cruzeiro.
    A retoma desta importante atividade, lança, porém, questões ambientais relevantes, a maior das quais é a poluição do ar e do mar.
    Um estudo da Federação Europeia dos Transporte e Ambiente, revela que o conjunto de navios do mundo constituem o 6º maior poluidor mundial, a seguir aos países mais poluidores: China, Estados Unidos, Índia, Rússia e Japão, e sabe-se ainda que um grande navio-cruzeiro polui, por ano, tanto como 1 milhão de veículos.
    Um estudo da Universidade de Exeter, na Grã-Bretanha, publicado na revista “Marine Pollution Bulletin” revela que 24% de todos os resíduos produzidos pela navegação provêm deste setor e que um navio do género pode ter uma pegada de carbono superior a 12 mil automóveis. É consensual que um paquete emite três vezes mais dióxido de carbono que um avião a jato e que a pegada ecológica de um passageiro de navio é 36 vezes maior que um passageiro de um boing 747. A própria Carnival Cruise Lines revela que os seus navios lançam em média 712 kg de dióxido de carbono na atmosfera por km. Daqui se infere que “Os cruzeiros são uma importante fonte de poluição e degradação ambiental, além de terem um impacto crescente e contínuo também na saúde e bem-estar humanos.”(1)
    Além disto, informa um relatório do website CharterWave.com, “um típico navio de cruzeiros, com capacidade para 3.000 pessoas (2.000 passageiros + tripulação), produz milhões de litros de efluentes provenientes de chuveiros, pias, restaurante, lavandaria e de água contaminada por óleo por semana. Esta poluição pode ser atenuada, caso estes efluentes sejam convenientemente tratados.” No entanto, o combustível usado pelos navios em viagem, e durante a sua permanência nos portos, traz graves consequências à qualidade do ar e à saúde das populações.
    Ainda recentemente a companhia MSC Cruzeiros anunciou ter estabelecido uma parceria para a construção do primeiro navio-cruzeiro do mundo movido a hidrogénio, visando reduzir o impacte ambiental e tendo em vista tornar a sua frota neutra em carbono até 2050.
    Perante este panorama nada animador, impõe-se que sejam tomadas medidas para que esta crescente atividade turística não nos traga malefícios.
    A atracagem dos navios junto aos centros urbanos, deveria estar condicionada à paragem dos motores e ao consumo de energia de produção local, enquanto as descargas de líquidos, lixos e detritos em terra e áreas marítimas costeiras, deveriam ser cuidadosamente fiscalizadas e fortemente penalizadas, caso não respeitassem os regulamentos. Como já acontece noutros destinos.
    Quando por todo o lado há a preocupação em preservar e acautelar o meio ambiente e a qualidade de vida sobre a terra – bens de que a natureza nos sobre-dotou; quando entre nós já se sentem os efeitos da alterações climáticas e as áreas florestais, agrícolas e a própria floricultura dão disso testemunho; quando os jovens clamam por um planeta mais limpo e com futuro...Entre nós, parece que nada se passa a este respeito. Há uma evidente apatia e desinteresse com a Cop26, como se vivêssemos em zonas indemnes, onde a beleza da paisagem ainda disfarça as nossas fragilidades ameaçadas por economias demolidoras da mãe-natureza.
    O turismo de cruzeiros é bem-vindo desde que não cause problemas, como os acima descritos, e para que as economias azul e verde constituam novos paradigmas de quem vive nestas ilhas.


Nota:

1 https://www.voltaaomundo.pt/2021/09/29/o-rasto-impressionante-que-os-navios-de-cruzeiro-deixam-no-mar-e-nao-so/noticias/872915/

 

*Jornalista c.p. 239 A

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