“É por acreditar veemente que a cultura é um elemento fundamental da vida de uma sociedade e dos seus cidadãos, que acredito que a candidatura de uma cidade açoriana, em estreita ligação com o resto do território do arquipélago, a Capital Europeia da Cultura, é um projecto progressista com potencial para tornar os Açores num lugar mais rico, mais criativo e mais resiliente.” Exbaixador do Faial, Pedro Rosa
Desde Março do ano passado que o mundo ficou parcialmente paralisado com a pandemia de COVID-19. A travagem inicial foi súbita e brutal: isolamento total dos indivíduos, recolhidos às suas habitações, ligados ao mundo somente por meios de comunicação digital, seguindo hora a hora (minuto a minuto) o desenvolvimento de uma pandemia que não se conhecia, não se compreendia mas que a todos afectava. Esta fase inicial da pandemia foi algo que abalou a sociedade de uma forma sem precedentes e certamente todos terão experiências e leituras pessoais diferentes sobre o assunto. Mas uma coisa podemos constatar facilmente hoje: sentimos muita falta de estarmos próximos uns dos outros, da presença e do contacto humano, de partilharmos coisas, de as construirmos em conjunto. A experiência de vivermos num mundo que depende exclusivamente das plataformas digitais para garantir o contacto com o outro mostrou-se insuficiente e insatisfatória. Milhares de horas de chamadas e reuniões no Zoom, conteúdos de streaming quase infinitos, partilhas de publicações no Facebook a dizer “Estamos Juntos”, a experiência do ensino à distância, revelaram que o contacto com o outro, a proximidade e a vivência conjunta de experiência é essencial ao ser humano e é insubstituível. Afastem-nos uns dos outros e teremos uma vida que não vale a pena viver.
Toda esta rede de relações e interdependências, baseadas na partilha e na relação do indivíduo com o colectivo, são também o cerne daquilo a que chamamos cultura. Cultura: aquilo que nos une.
Não o digo, no entanto, em referência apenas a uma cultura única, hegemónica, dominante e “verdadeira”, mas sim num sentido mais lato, onde múltiplas percepções do mundo e múltiplas culturas se conjugam numa teia complexa que alberga a cooperação, a tolerância, a indiferença e também a repulsa, uma teia sempre incompleta, imperfeita e em transformação. E essa cultura, fundação de civilizações, necessita desse contacto humano, da troca e do confronto. É neste processo que nos definimos, como seres humanos e como sociedade, que encontramos sentido, que construímos o espaço comum, material e imaterial, assim como o espaço privado.
É por acreditar veemente que a cultura é um elemento fundamental da vida de uma sociedade e dos seus cidadãos, que acredito que a candidatura de uma cidade açoriana, em estreita ligação com o resto do território do arquipélago, a Capital Europeia da Cultura, é um projecto progressista com potencial para tornar os Açores num lugar mais rico, mais criativo e mais resiliente. A riqueza e diversidade do património cultural açoriano é algo de que nos devemos orgulhar e que devemos continuar a aprofundar no presente e no futuro. Cultura não é simples repetição. É questionamento, criatividade e inovação. Num mundo em permanente mudança, cada vez mais globalizado e com respostas que continuam assentes em indústrias insustentáveis e numa crescente digitalização, é urgente reflectir sobre a identidade dos Açores e sobre aquilo que queremos para a nossa região. Somos um arquipélago composto por nove ilhas, que partilham grande parte da sua cultura mas que albergam também realidades muito distintas. Somos também ilhas onde reina muitas vezes a competição pelos recursos, os bairrismos e a rivalidade. O projecto de uma Capital Europeia da Cultura nos Açores é uma oportunidade única para reforçarmos os laços de união entre as nossas ilhas, para aprendermos mais uns sobre os outros, para criarmos projectos comuns, para nos visitarmos e nos descobrirmos mutuamente. Este é um projecto para repensarmos o que é ser açoriano, para projectarmos essa identidade para o futuro. Deixar que a cultura açoriana se transforme pela simples acção do tempo, do mundo e da globalização, sem acção concreta e proactiva, é expor essa fundação à erosão e à normalização. Há portanto que trilhar esse caminho, de envolver a todos neste projecto de diálogo e de construção, que valoriza tanto a semelhança como a diferença, que não exclui, que une, que valoriza tanto a tradição como a inovação. O projecto Azores 2027 – Capital Europeia da Cultura é uma ponte que aproxima os açorianos uns dos outros e que nos liga ao mundo. Abracemos então este desafio.
*Pedro Rosa nasceu no Faial, tendo vivido grande parte da sua vida no Porto, onde trabalhou, durante mais de 10 anos, como bailarino, coreógrafo e formador de dança contemporânea.
Colaborou em inúmeros projectos nacionais e internacionais de dança, música, teatro e artes plásticas.
Regressou à sua ilha de origem em 2015 para criar, em conjunto com a Antónia Reis, o Azul Singular, o primeiro parque de Glamping dos Açores.
No Faial continua pontualmente a participar e a desenvolver projectos artísticos, essencialmente ligados à dança e ao teatro.
É actualmente presidente da Associação de Turismo Sustentável do Faial.
É embaixadora da ilha do Faial da candidatura Azores 2027 - Ponta Delgada Capital Europeia da Cultura