A poesia e o desporto
Alexandre Faria

A poesia e o desporto

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As dicotomias existem e são cada vez mais incentivadas pelos nossos tempos, egoístas e solitários, onde impera uma crescente divisão de realidades, certos de que o maniqueísmo fortalece as opiniões ou as perigosas segmentações sociais. Por vezes, é neste cenário inóspito que o inesperado acontece e, por esse motivo, os exemplos saudáveis que constituem mensagens de esperança devem ser realçados, sobretudo quando derrubam mitos e conseguem unir em vez de dividir, através de histórias de mudanças de mentalidades que superam a visão redutora reinante.
Tem sido recorrente julgar que o desporto e as suas individualidades não integramoutras manifestações artísticas e intelectuais, que as características dos costumes e as tradições do desporto não se coadunam com outras formas culturais ou que a divulgação das artes e das ciências humanas em nada coincidem no limitado espaço desportivo.
Apesar dos vários casos de sucessopouco revelados, desde o guarda-redes Albert Camus aos dribles de Dinis Machado, passando por Artur Jorge ou Francisco Geraldes, ambos com obras literárias publicadas, persiste um olhar desconfiado de separação na maioria das pessoas, de sobranceria individual de dois mundos predestinados à incomunicabilidade, perdendo, cada um, o enorme potencial do caminho comum a percorrer, independentemente das respetivas especificidades.
O número recente de publicações por autores associados apenas às suas ligações desportivas tem atenuado este cenário, mas também têm surgido iniciativas concretas que rompem as noções mais tradicionais. No recente IV Encontro Internacional de Poesia da Macaronésia, realizado em Las Palmas, que reuniu poetas dos quatro arquipélagos que a compõem, Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde, para além de convidados da Europa continental, aconteceu um extraordinário recital de poesia no clube desportivo centenário Real Club Victoria, juntando no mesmo espaço os tais estatutos inseparáveis à primeira vista. E sem que tal acontecesse à margem do encontro, muito pelo contrário, o Estoril Praia e o Real Club Victoria das Canárias iniciaram um processo conducente à celebração de um acordo de parceria entre as duas instituições, envolvendo a vertente desportiva, mas também cultural, de responsabilidade social e promocional em termos turísticos.
Dos poetas da macaronésia, das ilhas afortunadas, saiu este inesquecível exemplo, a par da relevante afirmação do seu património cultural único. A cultura é semelhante aos oceanos, une e não separa, é transversal a toda a sociedade e consegue manifestar uma habilidade especial de envolver as mais variadas dimensões.
Quando a consciência global ou as nações falham, como presenciámos nestes últimos dias acerca do imperativo combate às alterações climáticas na COP26, restam-nos estes modelos que assumem a dianteira, de confiança local que se transcende, inspiradoras soluções saídas das ilhas como indícios claros de promissoras oportunidades.

*Advogado, Escritor e Presidente do Estoril Praia

 

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