O abismo à regional
Osvaldo Cabral

O abismo à regional

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Diário inconveniente

Lembram-se do que diziam, há dez anos, o então Vice-Presidente do Governo, Sérgio Ávila, e as suas Popotas, acerca das finanças públicas regionais?
Vivíamos no melhor dos mundos e até se criou a fama de que as contas eram excedentárias, numa linha de “continuidade à política de estabilidade das finanças públicas regionais” e do “equilíbrio orçamental dos Açores”.
Pois bem, passados dez anos, o Tribunal de Contas veio, agora, repor as coisas no seu devido lugar.
Numa profunda auditoria à evolução da dívida pública regional na última década, aquele tribunal arrasa o discurso enganador destes últimos anos e demonstra, sem rodeios, como estamos a caminho do abismo, já há algum tempo, devido a um desempenho orçamental persistentemente negativo  na última década, com sucessivos défices naquele período.
É um documento assustador, ignorado pelos responsáveis políticos regionais, que devia ser distribuído pela caixa de correio de cada açoriano, para saberem a desgraça que fizemos nestes últimos anos, e também pelas escolas, para os nossos filhos e netos conhecerem a vergonhosa herança que lhes vamos deixar.
Ao tempo que vimos alertando para o enorme problema estrutural desde a década passada, com implicações já evidentes sobre as gerações futuras, e quando ainda não estávamos a contabilizar parte do descalabro do SPER.
A crise em que vivemos, que é conjuntural mas brutal, apanha-nos num momento de particular fragilidade das contas públicas desequilibradas (não certas).
Agora temos de lamber as feridas, pagar a factura e olhar para a frente, com o Quadro de Programação Plurianual a assumir uma importância cada vez maior, já que o problema não se pode resolver de imediato, mas sim a prazo, numa trajectória que tem de ser planeada e assumida por todos, incluindo os que nos trouxeram até aqui.
Por isso, é estranho o comportamento do PS no recente debate do Plano e Orçamento, quando devia estar a apontar para um caminho alternativo, com propostas que possam corrigir a trajectória ruinosa a que nos conduziram.
 Pelo caminho, é preciso rever a Lei de Finanças Regionais, no que for possível, num país também a braços com desequilíbrios brutais nas suas contas públicas.
No meio do turbilhão, a situação até poderia ser mais desastrosa, “não fosse o facto de as taxas de juro se encontrarem, de há uns anos a esta parte, em níveis historicamente baixos , atenuando o impacto dos encargos da dívida pública na execução orçamental”.
As conclusões do estudo do Tribunal de Contas são claras: “Em nenhum dos 11 últimos anos que antecederam a crise sanitária foi atingida uma posição de equilíbrio ou de excedente orçamental, facto que contraria o princípio da estabilidade orçamental, sendo ainda suscetível de condicionar, a prazo, a sustentabilidade das finanças públicas regionais e, consequentemente, o respeito pelo princípio da equidade intergeracional”.
E tudo porque os nossos recursos são escassos, sendo necessário recorrermos a formas talentosas de criarmos mais riqueza sem contrair, persistentemente, dívida e mais dívida.
Por isso, foi um erro (que este governo parece continuar a seguir) aumentar o sector administrativo regional com tanta gente, criando uma galáxia - como alertava Jaime Gama - de funcionalismo público que nos absorve “um crescente volume de recursos”, deixando apenas algumas migalhas para investimento.
Eis o retrato actual deste descalabro: “Nos exercícios que precederam o eclodir da crise sanitária, as despesas com pessoal, conjuntamente com a aquisição de bens e serviços, evidenciaram um acentuado crescimento – de 549,4 milhões, em 2009, para 855,3 milhões, em 2019 – correspondendo a 66,8 % da despesa registada neste exercício, que absorveu 71,4% da receita arrecadada. (...) Uma crescente alocação de recursos às referidas despesas de funcionamento da administração pública regional restringe as opções em matéria de investimento”.
Bastaria este alerta do Tribunal de Contas para todas as campainhas de alarme tocarem, de manhã até à noite, nos gabinetes dos Palácios de Santana e da Conceição.
Pelo contrário, ignoraram-se os avisos e prosseguiu-se nesta caminhada abismal.
Tanto que alertamos para esta estratégia errada e cruelmente assumida apenas para contentar clientelas partidárias, favores a amigos e familiares, numa espiral sem controlo por parte de quem tinha a responsabilidade de mandar parar estes devaneios.
 “Por conseguinte, o desequilíbrio das finanças públicas regionais, que já era evidente antes da crise desencadeada pela COVID-19, acentuou-se em resultado desta”, conclui, agora, o Tribunal de Contas.
Chegados aqui, a pergunta que se impõe é simples: ainda vamos a tempo de reverter esta caminhada para o abismo?
Tenho dúvidas, porque colocar um travão nisto implica cortar com muitas mordomias e vícios que se criaram na administração regional.
Nenhum partido ou coligação, por mais sólida que seja, terá coragem de inverter este beco. Seria bom que estivesse errado.
Apesar de tudo, há que ter esperança e o Tribunal de Contas aponta, para já, um caminho: “Atingir uma posição orçamental compatível com a manutenção de condições de sustentabilidade da dívida pública regional pressupõe, assim, a adoção de uma estratégia orçamental de médio prazo que promova uma «… redução sustentada do défice e das correspondentes necessidades de financiamento…», o que só se afigura exequível uma vez ultrapassada a crise sanitária de COVID-19 – de duração ainda incerta – e à medida que forem cessando as medidas de apoio implementadas no sentido de atenuar os danos económicos e sociais emergentes da mesma”.
Por outras palavras, vamos ter que nos “mexer” e mudar de atitude, se quisermos passar para um outro estado de desenvolvimento que não esta estagnação em que nos encontramos há mais de uma década.
Os apoios comunitários que vêm aí é a última oportunidade.
Aqui fica o último alerta do Tribunal de Contas: “ A pandemia de COVID-19, de duração ainda incerta, constitui um fator de pressão adicional para a sustentabilidade da dívida pública regional, embora os recursos que previsivelmente serão transferidos para a Região ao abrigo do NextGenerationEU – 580 milhões de euros entre 2021 e 2026, maioritariamente a fundo perdido – permitam, transitoriamente, atenuar tais riscos, ao criar espaço orçamental para a realização de despesa sem impacto ao nível do défice ou da dívida. Esta receita cíclica terá um impacto conjuntural na posição orçamental da Região. Por conseguinte, cessando as ajudas, e uma vez ultrapassada a crise pandémica, as autoridades regionais serão confrontadas com a necessidade de corrigir o desequilíbrio estrutural das finanças públicas regionais, de modo a reconduzir o saldo orçamental para uma posição sustentável a prazo, compatível com a estabilização da dívida pública regional”.
Depois digam que não foram avisados.

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