“A produção cultural nos Açores  é extremamente diversificada e de digna qualidade”
Diário dos Açores

“A produção cultural nos Açores é extremamente diversificada e de digna qualidade”

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Pedro Paulo Câmara, escritor

Esteve nos últimos dias no Luxemburgo a divulgar a sua produção literária e outras actividades académicas. Como é que foi?
Ter a oportunidade de apresentar o trabalho académico ou literário que desenvolvemos é sempre empolgante e retemperador; empolgante, porque representa um desafio, e retemperador, porque alimenta o espírito.
 Deste modo, dispor da possibilidade de levar a mensagem que carregamos para outros espaços geográficos, distantes do meio no qual nos movimentamos habitualmente, é sempre um momento de regozijo.
 Estar no Luxemburgo foi mais do que o concretizar de uma viagem física; foi, também, o materializar de uma jornada emocional e, apesar de estar distante dos Açores, não me senti longe, por tão acolhedora ter sido a minha receção.
Foi uma viagem verdadeiramente enriquecedora.
Acredito que a literatura possa promover a criação de sinergias e possibilite a construção de pontes, já que esta transcende, em essência, a língua, o contexto geográfico, social, político… No seu processo de materialização textual, não escapa a esses elementos, claro está, mas é-lhes superior.

Como é que a audiência reagiu face aos autores e literatura dos Açores?
As várias apresentações que realizei, ora sobre autores açorianos ou açorianizados, ora sobre a literatura produzida nos e sobre os Açores, ocorreram em contextos bastante distintos, pelo que a audiência foi, também ela, bastante diversificada.
Refiro-me às turmas S7 e S5 da Escola Europeia, sediada no Luxemburgo, e aos participantes, alguns dos quais escritores de Língua Portuguesa residentes no Luxemburgo, no serão literário no Café Literário Le Bovary, promovido pela Librairie Pessoa, sendo a intermediária de todos estes eventos uma amiga dos Açores e também escritora: Alda Batista.
As reações, porém, foram análogas.
Lamentavelmente, verifiquei que existia um desconhecimento profundo sobre a maioria dos nossos autores maiores e das nossas obras mais emblemáticas.
Algumas das nossas bandeiras literárias são, regra geral, Antero, Natália ou Nemésio, mas até esses estão insuficientemente divulgados e estudados além Região e além-fronteiras.
 O interesse revelado pelos vários públicos foi, assim, evidente e estimulante, pois, na verdade, os conteúdos apresentados eram, na sua larga maioria, desconhecidos.
 Enquanto comunidade, urge, portanto, fazer mais em prol da divulgação. Esta é uma tarefa que dirá respeito aos próprios autores, mas também a editoras, agentes culturais e Governos.

Como é que tem sido a reacção do mercado em relação à sua última obra Violante de Cysneiros: o outro lado do espelho de Côrtes-Rodrigues?
Poderia medir a sucesso da obra tendo em conta o número de exemplares que foi editado e a sua consequente reedição (que é, por si só, um bom barómetro), mas prefiro avaliar a reação do mercado tendo em conta o feedback assaz positivo por parte dos muitos leitores, alguns dos quais especialistas nas temáticas tratadas na obra, como Modernismo, Cultura e Identidade.
A crítica regional e nacional também recebeu a obra com palavras amplamente elogiosas, o que me faz crer que a reação tenha sido bastante favorável.
Outra forma de medir o sucesso da obra tem sido os vários contactos que tenho recebido para apresentar a mesma em espaços distintos, na Região e fora dela, e as várias sugestões de investigação que me têm oferecido, no seguimento da pesquisa que já desenvolvi e que com o público partilhei.
É possível pensar, a médio prazo, numa reedição da obra.

 Está a trabalhar em mais algum projecto literário?
Não posso afirmar que, no que diz respeito à produção literária, viva de acordo com o ditado popular “Rei morto, rei posto!” e que, assim, esteja pronto para esquecer, ou negligenciar a obra que recentemente veio a público.
Existem, todavia, vários projectos entre mãos, não só literários.
 Desde já, na qualidade de Vice-presidente dos Colóquios da Lusofonia, urge continuar a colaborar na organização dos dois colóquios que ocorrerão ao longo de 2022, um deles em Belmonte e o outro em Ponta Delgada.
Ademais, pretendo continuar a investigar a vida e obra de Armando Côrtes-Rodrigues, nomeadamente a sua colaboração nos jornais insulares, participação essa que ocorreu ao longo de várias décadas e que importa inventariar, analisar e reunir.
Neste momento, e literariamente falando, existem dois documentos em fase de acabamento, o que quer dizer que estão em fase de revisão, embora desconheça, para já, o período de incubação de que serão alvo.
Um destes projetos, sem desvendar, no imediato, o seu conteúdo, prende-se com a área da investigação, domínio que me fascina. O outro projeto provavelmente represente um regresso à poesia.

Como é que vê, presentemente, a produção literária na Região e as iniciativas que vão aparecendo na área, como agora o Arquipélago de Escritores?
A produção literária na Região é diversificada e profícua.
Não discutirei a qualidade, ou ausência desta, inerente às obras publicadas, mas importa afirmar que existem nichos de mercado para todos os gostos.
Seria importante garantir, independentemente do género literário, isso sim, a publicação de obras que primem pelo rigor e pela correcção.
São várias, e ainda bem que assim é, as iniciativas que vão surgindo na Região, e também fora dela, que visam a promoção dos autores e da sua produção literária, como o Outono Vivo, na ilha Terceira, o Encontro Pedras Negras, inserido na programação do Azores Fringe Festival, os próprios Colóquios da Lusofonia, e o Arquipélago de Escritores, agora referido.
Todas estas iniciativas representam uma mais-valia para a promoção da literatura, seja ela concretizada por açorianos, ou não, ou publicada na Região ou fora dela.
Importa celebrar a literatura e as várias missões que lhe poderão ser atribuídas e importa, também, que estes eventos sejam mais do que vitrinas imutáveis, onde se ostentam obras, escritores e reputações.
Sou apreciador do seu dinamismo e da sua importância, compreendendo, sempre, que é possível ampliar os resultados efetivos no fomento da escrita e da leitura, nesse movimento já reconhecido de valorização da literatura.

Há uma nova geração de autores que nos vai surpreender ainda mais?
O arquipélago dos Açores sempre foi generoso na geração de autores notáveis, alguns dos quais já referi ao longo desta entrevista.
Não nos reduzimos, naturalmente, aos citados e séculos de produção literária atestam a qualidade do que se produz.
Existem, de facto, a nível nacional e regional, escritores jovens, donos de uma visão singular e de uma voz única, possuidores de uma mensagem particular.
Não pretendemos com esta afirmação dizer que são melhores do que os anteriores. Pretendemos, sim, afirmar que estes autores são donos de uma originalidade que possibilita a sua universalidade e a sua permanência nas listas ativas de leitura.
Nos Açores, existem escritores jovens – sem estabelecer uma baliza etária – muito interessantes.
Se existir abertura de espírito – e os cânones assim o permitirem – há sempre espaço para que o leitor se deixe surpreender.
Espero que exista lucidez suficiente, no nosso tempo de vida, para apreciar a qualidade que nos circunda.

Que apreciação faz à produção cultural, no geral, na nossa Região?
Esta questão poderia servir de mote para um longo ensaio e tem servido de tema a inúmeros debates, mesmo agora, aquando da candidatura de Ponta Delgada a Capital Europeia da Cultura.
Consigo compreender todas as vozes internas que gritam que é necessário fazer mais e que aquilo que na Região se produz é insuficiente ou rudimentar.
Todavia, não poderei concordar cegamente.
A produção cultural no arquipélago é extremamente diversificada e de digna qualidade.
Aliás, a Região, no seu todo, é de uma riqueza ímpar.
É necessário ter consciência que a descontinuidade territorial influencia, sobremaneira, a diversidade e a dimensão dos eventos propriamente ditos, mas essa mesma interrupção física permite a criação de tradições e eventos locais que primam pela sua originalidade, que constituem uma marca própria e solidificam uma determinada identidade local que é o garante de uma identidade regional.
Poderia deixar algumas ideias finais: cultura não pode ser entendida num sentido elitista e políticos e Governos precisam de compreender que um povo sem cultura é um povo sem identidade (e que um povo sem identidade perde a coesão!), pelo que é urgente rever as verbas atribuídas à Cultura, sua Secretaria e Direcção Regional, a distribuição de apoios e a burocracia afecta aos mesmos.
É necessário, também, alimentar e consolidar um movimento de valorização da produção regional.

jornal@diariodosacores.pt

 

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