“Estamos apreensivos relativamente ao futuro, pois a evolução de uma doença nova é imprevisível.”
Ana Catarina Rosa

“Estamos apreensivos relativamente ao futuro, pois a evolução de uma doença nova é imprevisível.”

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Manifestar medo do que este novo ano pode acarretar consigo é comum e para a Psicóloga Carolina Ferreira, este sentimento não implica refugiar-se, mas sim ter a coragem e a capacidade de agir apesar das adversidades que possam apresentar-se.

 

“Ano novo, vida nova”, este é um dos provérbios mais parafraseados entre as pessoas com a chegada de um novo ano.
Contudo, 2022 não veio agraciar-nos com as boas vindas que todos nós esperávamos inicialmente. Com o surgimento da nova variante Ómicron, novas restrições e medidas colocaram “rédeas” às comemorações e com elas trouxeram novas dúvidas quanto ao que podemos esperar deste novo ano.
A Psicóloga Carolina Ferreira esteve à conversa com o Diário dos Açores analisando o que de melhor podemos retirar do ano que findou, dando ainda dicas de como podemos encarar os novos desafios que se avizinham protegendo assim o nosso bem-estar e saúde mental.

Que retrospectiva faz de 2021?
Nestes últimos anos todos fomos postos ao limite, as nossas vidas viraram do avesso, e temos lidando de perto com a incerteza. Passamos por momentos de frustração e perdas, conquistas e vitórias. Percebemos que a flexibilidade, em detrimento da rigidez, permite-nos persistir, adaptar a acontecimentos desafiantes e transformar o nosso rumo. A nossa criatividade foi aguçada, criamos soluções empoderadoras. Fomos resilientes!
Estando a finalizar um ano e a abrir um novo ciclo começamos a fazer um balanço e uma retrospectiva. Que metas alcancei? O que não conquistei? Que momentos me trouxeram dor e alegria? Em Dezembro do ano passado, definimos uma longa lista de objectivos? Será que os cumprimos ou em Fevereiro já nos tínhamos esquecido deles e desistido? Justificando “não tenho motivação”,“ não tenho tempo”,“ veio a pandemia”.
Não adianta definirmos uma longa lista de objectivos que em vez de o motivar parece que acarreta um grande peso. Este peso retira-lhe bem-estar. Estas mil resoluções de ano novo, tratam-se de uma fuga para a acção. Permita-se parar. Observar o que habita dentro de si, dando espaço de contemplação que lhe empodere.   Priorizando o que realmente é importante para si. Proponha-se apenas a realizar 2 objectivos, não é exequível a 31 de Dezembro comer 12 passas e desejar cumprir 12 objectivos. Ao longo do ano já terá desistido, já se esqueceu e sente-se frustrado por não os ter atingido.
Lanço ao leitor, o desafio de listar 12 conquistas que teve ao longo deste último ano e lembro-lhe que uma conquista não precisa ser ter ganho um Óscar, pode ser toda e qualquer sentimento, pensamento, competência que lhe tenha trazido bem-estar e felicidade.  

Este foi um ano em que começamos a voltar um pouco à normalidade, mas ultimamente tem havido um pouco de retrocesso dado ao aumento de casos de Covid neste fim de ano. Pode este ser um factor determinante para que as pessoas encarem o ano de 2022 com negatividade? O factor medo, associado à pandemia pode contribuir para as pessoas refugiarem-se e esquecerem a sua vida social e pessoal?
Falar constantemente da pandemia e das suas consequências, faz-nos sentir com medo, vulneráveis, ansiosos e sem controlo. A ansiedade, a preocupação e o medo podem ser mais contagiosos do que o vírus. Se nos deixarmos estar em permanente estado de alerta, a ansiedade deixa de ter o efeito positivo de nos proteger (de nos levar a adoptar e a cumprir as medidas que contribuem para nos deixar, a nós e aos outros, “a salvo” do vírus) para nos paralisar.
Estamos apreensivos relativamente ao futuro, pois a evolução de uma doença nova é imprevisível. As alterações de medidas alteraram muito as nossas vidas e exigem-nos uma capacidade de adaptação rápida para mantermos, dentro do possível, as nossas rotinas habituais. Por isso, é fundamental desenvolvermos estratégias que nos permitam regular a ansiedade e combater o medo exagerado do coronavírus.

Como as pessoas podem encarar este novo ano que se avizinha? Que estratégias podem as mesmas adoptar para assegurara o seu bem-estar e a sua saúde psicológica?
Com o impacto que a situações desafiantes nos têm trazido, será importante estarmos atentos a alguns aspectos como a gestão das expectativas, na qual se torna importante respeitar o seu ritmo e a definir apenas pequenos objectivos como a regulação emocional em que necessita de identificar o que está a sentir dando legitimidade às suas emoções, não rejeitando nem confinando. Importa ainda aceitar e abraçar cada uma delas às suas emoções, apoiando na sua regulação e diminuindo a sua intensidade.
É determinante ser compassivo, não sendo tão duro consigo e aceitando a perfeição de ser imperfeito e falhar. Também é necessário deter um olhar com curiosidade, bondade e gentileza.  
É fundamental haver um equilíbrio entre a vida profissional versus a pessoal de modo a criar uma rotina que proteja e traga limites para as várias dimensões da sua vida. Não estenda o horário profissional e procure respeitar a dimensão de lazer e descanso.
Por outro lado, é essencial aumentar a sua atenção, ou seja, focar-se no presente aumenta a sensação de controlo e para isso, respire! Ao longo do dia pare alguns instantes para observar a sua respiração e regulá-la. Inspire um pouco pelo nariz expirando o dobro do tempo pela boca.
Ter humor, dar uma boa gargalhada ajuda a atenuar o peso das circunstâncias. Ria, divirta-se e ganhe um novo foco
Nestas estratégias deve integrar o pedido de ajuda. Este pedido pode ser feito a um amigo, familiar ou profissional de saúde. Ser resiliente também é pedir ajuda quando precisamos. Permita-se parar e tirar notas das aprendizagens que teve com toda esta experiência de adversidade. Aceite que a mudança e a incerteza fazem parte da vida e invista no seu auto-cuidado integrado: active ferramentas de auto-observação; regule as suas rotinas de sono; mantenha a alimentação saudável; realize com regularidade exercício físico e actividades que lhe dêem prazer; e reforço que o humor será sempre uma excelente ferramenta para lidar com a adversidade pois rir é um bom remédio.      
“Falar constantemente da pandemia e  das suas consequências, faz-nos sentir com medo, vulneráveis, ansiosos e sem controlo.”

Ao longo de 2021, verificou-se um aumento de procura de ajuda psicológica por parte das pessoas?  
Um estudo da Universidade do Porto, mostra que a procura de psicólogos disparou na primeira quinzena de Janeiro de 2021, “em 450% face ao período homólogo de 2020”.
Revelou que 38% dos portugueses considera que o confinamento terá tido um impacto muito negativo na sua saúde mental. Neste mesmo estudo, os números face a 2019 indicam uma progressão de “+695% em 2020”, comparativamente ao ano anterior.
Desde 2013, que existem registos de que 1 em cada 5 portugueses sofre de um problema de saúde psicológica, (23% da população) e Portugal é o 2.º país europeu com maior prevalência de problemas de saúde psicológica e é o 5.º país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) com o consumo mais elevado de ansiolíticos e antidepressivos. Parece que com a pandemia, estes dados de longa data, ficaram a descoberto, intensificando a instabilidade psicológica, já instalada. Durante este período pandémico, foi dado maior destaque à saúde mental, em que todos nós, de alguma forma vimos os nossos níveis de bem-estar a reduzir. Mas acredito estarmos longe de perceber o real impacto psicológico que toda esta situação nos coloca.

 Detém um blog e no mesmo nomeou a palavra “Coragem”, a palavra do ano, porquê?
Num ano, em que à partida, antevíamos imensas adversidades, todos nós precisamos de activar generosas doses de Coragem. Sendo a Coragem a capacidade de agir apesar do medo, do temor e da intimidação. Deve-se notar que coragem não significa a ausência do medo, e sim a acção apesar deste. Nestes últimos anos repletos de contratempos e adversidades, também houveram diversas janelas de oportunidade de crescimento. Estas janelas só foram abertas por quem colocou uma intenção e com coragem rasgou com os seus medos e seguiu a sua intuição. E que nunca nos falte a coragem de ousar, criar e sonhar.

jornal@diariodosacores.pt

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