O que fazer dos Açores como centro de lançamento para o espaço? 2/2
Arnaldo Ourique

O que fazer dos Açores como centro de lançamento para o espaço? 2/2

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“A ideia de que a região, por ser Região Autónoma, tem que fazer tudo por si própria – é uma ideia tanto interessante como perigosa. Só interessa
à Autonomia, isto é, só interessa ao povo insular autonómico, os poderes
e os trabalhos que, por si próprios, façam melhor e pelo melhor preço.”

 

Uma leitura das transferências de atribuições do Estado para a Região (e isso é verificável na obra citada infra), ficamos com a ideia clara de que em muitos aspetos as coisas não correram bem. Por exemplo, na área da educação, não há dúvida que melhoramos o parque escolar; mas na formação de alunos, na qualidade da gestão das escolas e na qualidade formativa dos professores – está tudo por cumprir, ou está cumprido com enormes lacunas; não é inteiramente displicente que importantes pensadores da autonomia açoriana tenham já questionado se o nível da qualidade de vida dos insulares é realmente boa com a Autonomia Constitucional, ou se teria sido pior ou melhor se fosse gerida diretamente pelo Estado alguma das suas valências. A ideia de que a região, por ser Região Autónoma, tem que fazer tudo por si própria – é uma ideia tanto interessante como perigosa. Só interessa à Autonomia, isto é, só interessa ao povo insular autonómico, os poderes e os trabalhos que, por si próprios, façam melhor e pelo melhor preço. Por que motivo a Madeira requereu ao Estado a transferência dos atos notariais e foi cedido (desde há muitos anos, aliás); e os Açores não o fizeram?: este exemplo, meramente ilustrativo, mostra que a Madeira quis poderes que traduzem dividendos sem custos exagerados e que os Açores talvez queiram poderes que traduzem dividendos, mas sem se importar como o vamos fazer e com que custos. Queremos dizer: há – sem reservas – nos Açores a ideia de uma autonomia colecionadora de poderes; e isso é perigoso.
Mas vejamos o valor que tem para os governos das ilhas esta matéria espacial.Comecemos pelo Programa do Governo atual,apenas estas palavras: «no âmbito da afirmação regional das atividades espaciais, o Governo irá:  criar a Entidade Espacial Regional (EER) para gerir as atividades espaciais na Região, conceber e implementar uma “Estratégia Regional para o Espaço”». Isto é, estamos a construir as paredes dum edifício sem os alicerces. E o programa do Governo anterior, também pouco dizia: «criar uma entidade regional com a missão de gerir as infraestruturas espaciais da região, promover sinergias entre as mesmas, articular com outros organismos as condições de manutenção e sustentabilidade local, e atrair mais projetos e investimentos de índole espacial para a Região». Ou seja, governabilidade à vista desarmada.
Vejamos a legislação regional, o Decreto Legislativo Regional 9/2019/A, 9 maio, “Regime jurídico de licenciamento das atividades espaciais, de qualificação prévia e de registo e transferênciade objetos espaciais na Região”. Este é baseado na lei nacional, Decreto-Lei 16/2019, 22 jun., que assim determina: «artº27º:1. O presente decreto-lei aplica-se às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira com as necessárias adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. 2. Os procedimentos de licenciamento das atividades espaciais, de qualificação prévia e de registo e transferência de objetos espaciais relativos a atividades a desenvolver nas Regiões..., bem como o respetivo regime económico e financeiro, são definidos por decreto legislativo regional, sem prejuízo da emissão de parecer vinculativo fundamentado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da defesa nacional e da administração interna quando estejam em causa questões de defesa e segurança nacional. 3. O produto das taxas pela emissão dos atos referidos no número anterior, bem como o resultante da aplicação de coimas por contraordenações relativas a atividades a desenvolver nas Regiões... constitui receita própria destas. 4. Até à entrada em vigor do decreto...a que se refere o n.º2, os procedimentos aí previstos relativos a atividades a desenvolver nas Regiões... requerem parecer vinculativo do respetivo Governo Regional. 5-Consideram-se atividades a desenvolver nas Regiões... aquelas que tenham por base centros de lançamentos no respetivo território terrestre ou marítimo, incluindo, neste caso, as zonas marítimas adjacentes ao respetivo arquipélago». Ou seja, por um lado, o licenciamento apenas abrange as especificidades de qualificação prévia e de registo e transferênciade objetos espaciais e não toda a amplitude do assunto; por outro lado, o licenciamento depende de parecer prévio nacional e vinculativo que, em razão da sua amplitude, será usado, provavelmente, em todas as situações por decorrência do assunto ou por imposição nacional. Além disso, essa transferência de poderes – supondo por ora que é possível, já que em várias áreas é no mínimo pouco provável – ainda depende da própria capacidade legislativa da Região. E, neste ponto específico, a Região tem poder para legislar em matérias que estejam previstas do seu Estatuto Político; e no Estatuto não existe previsão para estas áreas. Por isso mesmo o legislador regional, manhosamente, aprovou o diploma na base do artº227º, nº1, alínea A da Constituição e artº37º, nº1, mas não disse a norma concretamente aplicável que seria umas das previstas dos artigos 49º a 67º do Estatuto que sobre o assunto nada existe(estamos a perceber o erro da revisão da Constituição feita em 2004?; percebe-se agora por que motivo a Madeira nunca fez o seu novo Estatuto face à lei constitucional de 2004?).
Acrescem que ao diploma regional, além dessas dificuldades que não são poucas, outros prolemas: 1º, quanto à dimensão da lei, no seu objeto, âmbito, incluindo matéria de receita destinada à Agência Espacial Portuguesa-PortugalSpace (nos termos da lei nacional, como vimos, a receita não era só da Região?); 2º, quanto à operacionalização de toda a lei quando depende de pareceres prévios e vinculativos do Estado. Percebemos agora pelas declarações do presidente do anterior Governo e do Ministro que esteve na ilha Terceira, que o PS, nacional e regional, arquitetaram um esquema político: “tu fazes as obras com o dinheiro das populações insulares e eu deixo-te governares nesta matéria importante que até vai irritar partes significativos de vários ministérios”. Esse esquema, evidentemente, não tinha pernas para se aguentar; e assim nasceu o novo projeto de lei nacional, agora esquecido, mas em breve vamos ouvir falar de outro idêntico.
Os açorianos querem poderes, mas não a qualquer preço; queremos poderes que realmente nos desenvolva e nos ofereça melhor condição de vida insular.
Isto é, que as populações se apoquentem com a centralidade do Estado como sendo o problema da autonomia, disso não vem mal ao mundo. Mas os governos não o podem fazer só por birra. Os cidadãos têm a liberdade de seguir o modelo de gestão dos antigos mineiros na corrida ao ouro, que destruíam assuasvidas e a dos seus familiares pela ilusão de encontrar o tesouro gratuito; mas os governos não têm essa liberdade e têm outros deveres de res pública que implicam moderação e muita ponderação.


Nota: Alvorada da Autonomia Açoriana. Relação de documentos legais da transferência de atribuições e serviços administrativos do Estado para a Região Autónoma dos Açores, e da Região Autónoma da Madeira, em virtude da construção da autonomia política operada pela Constituição Portuguesa de 1976. Ensaio de introdução ao assunto, Amazon, julho de 2020

 

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