Abandono escolar nos Açores é três vezes mais o nacional
Diário dos Açores

Abandono escolar nos Açores é três vezes mais o nacional

Previous Article Previous Article “É preciso um modelo eficaz de reencaminhamentos para as outras ilhas”
Next Article A história de Lourdes em Lowell, nos EUA A história de Lourdes em Lowell, nos EUA

Sociólogo Fernando Diogo alerta

O sociólogo Fernando Diogo, professor associado com agregação da Universidade dos Açores, apresentou um documento no Conselho Económico e Social dos Açores (CESA) sobre o abandono escolar precoce e a pobreza nos Açores que, dada a sua revelância, transcrevemos a seguir na íntegra.

 

No que diz respeito à evolução da situação social e económica dos Açores gostaria de destacar dois pontos que me parecem do maior relevo para o trabalho do Conselho Económico e Social da RAA.
Em particular pretendemos relevar a questão do abandono escolar precoce de educação e formação e a taxa de risco de pobreza.
Seria muito relevante pronunciar-nos sobre os resultados dos censos, mas não houve tempo para os analisar e, ao mesmo tempo, este documento é já demasiado grande.
Em relação ao abandono escolar precoce de educação e formação (18 a 24 anos), este indicador respeita aos jovens que entre os 18 e os 24 anos abandonaram já a escola sem terem pelo menos o 12º ano.
Desta forma, chama-se a atenção que, apesar do nome conter a expressão abandono, o que está em causa é a escolaridade e não propriamente o abandono.
Portanto, o que este indicador mede é, em nosso entender, sobretudo a qualidade do sistema de ensino mais do que simplesmente o desempenho dos alunos.
 Assim, em termos concretos:
O que pretendemos chamar a atenção é para a evolução desfavorável deste indicador nos Açores, em especial nos últimos anos onde se verifica uma estagnação, em flagrante contraste com a evolução para o conjunto do país.
Neste momento o valor nacional está já abaixo do valor médio da UE.
O valor dos Açores é três vezes o nacional.
Podemos observar que esta estagnação ganhou tração a partir do ano de 2017, portanto, não é um efeito da pandemia (e se fosse poderia colocar-se a questão de porque é que esse efeito não se verificou para o conjunto do território nacional).
Abaixo podemos observar com detalhe a estagnação deste valor na RAA.

As consequências deste tipo de resultado é que, entre a população empregada, os Açores apresentam a população mais desqualificada das sete regiões do país (NUTSII), num país que, por norma, apresenta os piores resultados da UE, (como se pode ver no quadro em cima à direita).
Em particular chama-se a atenção para os valores do superior (os mais baixos) e os do secundário (os segundos mais baixos), em contraste com os valores dos diversos ciclos do ensino básico (os mais altos ou os segundos mais altos).
 Neste caso, os valores mais altos no ensino básico e mais baixos no secundário e superior é algo que se pode classificar como negativo.
O título escolar dominante na UE é o ensino secundário.
Seria muito relevante ter os dados por sexo, dado que existem importantes desigualdades, sendo que estas são particularmente relevantes no caso dos Açores (existem dados antigos, em especial no site do Observatório das Desigualdades), não se compreende esta lacuna nos dados regionais.
Recorda-se que a educação e formação, em sentido lato, é o principal desafio ao desenvolvimento dos Açores e, em nossa opinião, não tem tido a atenção devida por parte das elites açorianas.
 Isto mau grado a crescente centralidade que temos sentido nas preocupações de algumas entidades e indivíduos com responsabilidade.
Remetemos para os nossos pareceres sobre os planos e orçamentos da RAA para mais detalhes sobre a centralidade desta questão no desenvolvimento dos Açores, desde logo com impactos na esperança de vida, na felicidade, na abstenção e na pobreza, bem como na produtividade dos trabalhadores, das empresas e dos empresários.
A segunda questão que pretendemos abordar respeita à questão da pobreza.
Fazemo-lo a partir dos dados acabados de sair (17 de dezembro de 2021) sobre esta questão.
 Estes dados são particularmente relevantes porque respeitam a 2020 e, por isso, são os primeiros que permitem aferir o impacto da pandemia em Portugal, e especificamente nos Açores.
Assim, começando por olhar a situação nacional, verifica-se um importante aumento da pobreza em Portugal (vista através da taxa de risco de pobreza, mais 2,2 pontos percentuais para um valor de 18,4%), bem como da sua intensidade e ainda das desigualdades de distribuição de rendimento.
Os dados são muito claros, em Portugal há vencedores e perdedores da pandemia e os pobres são claramente perdedores.
 O aumento da taxa de risco de pobreza é, aliás, o maior de toda a série (que começa com dados referentes ao ano de 2003).
As regiões autónomas contrastam com este panorama com a descida na taxa de risco de pobreza e no índice que mede as desigualdades de distribuição de rendimento (índice de Gini).
A redução da taxa de risco de pobreza nos Açores é particularmente significativa (menos 6,6 pontos percentuais em relação ao ano anterior, para um valor de 21,9%).
Neste sentido os Açores deixam de ser a Região portuguesa com maior percentagem de população pobre.
É a primeira vez que isso acontece na atual série.
Esta perda do lugar cimeiro na pobreza já tinha acontecido episodicamente nos anos 90, sendo a pobreza medida com base noutros inquéritos.
Acresce que esta queda da taxa de risco de pobreza (consistente com outros indicadores regionalizados sobre esta questão) é concomitante com uma importante queda do PIB regional (-9,2% nos Açores em 2020, fonte: Pordata, INE, Contas Nacionais Anuais (Base 2016)).
Resta perceber porque é que isso aconteceu.
A leitura conjugada dos diversos indicadores permite colocar a hipótese de que o principal efeito é devido à utilização da margem de manobra proporcionada pela Autonomia para transferir rendimento para as populações através dos apoios sociais específicos da RAA.
Sendo a pobreza uma forma extrema de desigualdades de rendimento existem duas formas de se reduzir essas desigualdades de uma forma imediata: transferências sociais por parte do estado – e cremos que foi isso que marcou a diferença em 2020 – e através de maiores salários.
Portanto, se a nossa hipótese for correta o que aconteceu em 2020 é a prova de que é perfeitamente possível reduzir significativamente a pobreza através de transferências sociais e de concomitante, reduzir as desigualdades de distribuição de rendimento.
Não obstante a evolução francamente positiva dos indicadores para os Açores não nos pode fazer esquecer que a taxa de risco de pobreza é ainda muito grande no contexto nacional, o mesmo sendo verdade para a desigualdade da distribuição de rendimentos.
Neste último caso, o valor passou de 34,5 pontos para 33,0 pontos sendo o segundo mais alto, logo a seguir à Região Centro.
Destaque-se, pela relevância política, a evolução da taxa de Intensidade laboral per capita muito reduzida onde os Açores passaram da região com maior valor para terceiro lugar, ultrapassando não apenas a Madeira, mas também o Algarve, com um valor de 5,6% em 2020.
Este indicador respeita a “todas as pessoas com menos de 65 anos que, no período de referência do rendimento, viviam em agregados familiares em que a população adulta dos 18 aos 64 anos referiu ter trabalhado, em média, menos de 20% do tempo de trabalho possível (excluem-se os estudantes dos 18 aos 24 anos; os reformados e/ou pensionistas de velhice ou invalidez; e as pessoas inativas com 60-64 anos e que vivem em agregados cuja principal fonte de rendimento são pensões).” (fonte: INE, destaque ICOR 2021).
Neste sentido, há uma clara dimensão de desemprego familiar nesta variável.
Esta evolução indicia claramente que a população com potencial de estar a trabalhar que não o está a fazer é reduzida nos Açores, estando próxima da taxa de desemprego (5,5% no 4º trimestre de 2020, fonte: SREA, Inquérito ao Emprego).
Veja-se abaixo os principais resultados: assim, tenha-se em atenção que a taxa de risco de pobreza é para o ano anterior ao que aparece no quadro, o mesmo para a taxa de intensidade laboral muito reduzida (n - 1): (ver quadro ao cimo desta página).
Nota-se que as taxas de risco de pobreza calculadas com base nos limiares de pobreza regionais (disponíveis no destaque do INE de dezembro de 2021) representam um exercício estatístico perfeitamente legítimo, mas este exercício apresenta evidentes limites científicos.
Em concreto, a comparação deve ser com o conjunto do território nacional.
Estes resultados da redução da pobreza no Açores são tanto mais significativos quando foram obtidos num momento em que a Estratégia Regional de Luta Contra a Pobreza não está ativa.
Alerta-se, contudo, para que o objetivo desta Estratégia é de longo prazo, assim que for possível voltar a torná-la ativa.
A Estratégia é pioneira em Portugal, mas o Governo da República acaba de aprovar a Estratégia Nacional de Luta Contra a Pobreza.
 Esta Estratégia Nacional segue grosso modo as linhas de força da Estratégia Regional. Cremos que os Açores não podem nem devem perder a sua posição pioneira.
Cremos, também, que a redução duradoura e significativa da pobreza nos Açores a longo prazo precisa de um instrumento como a Estratégia.


Ponta Delgada, 20 de dezembro de 2021
Fernando Diogo
Professor Associado com Agregação da Universidade dos Açores

 

Abandono escolar atingiu mínimo histórico em Portugal

 

Recorde-se que a taxa de abandono escolar precoce em Portugal atingiu um novo mínimo histórico no terceiro trimestre do ano passado, de 5,2%.
O ministério liderado por Tiago Brandão Rodrigues sublinha que Portugal é o país europeu que melhor evolução apresenta no combate ao abandono escolar precoce nos últimos 20 anos e aponta a um valor na ordem dos 6% na totalidade do ano e de 6,5% nos dos primeiros trimestres de 2021.
Assim, o país vai bater um novo recorde, isto depois de no ano passado a taxa de abandono ter ficado nos 8,9%.
A meta acordada com a União Europeia é de 10%.
 Entre 2015 e 2020, nota o executivo, a taxa caiu em 35% no país, valor que contrasta com os 8% registados no conjunto da União Europeia durante o mesmo período.
O Ministério da Educação saúda as comunidades educativas pelo resultado e reitera a necessidade de manter a tendência decrescente, aprofundando para isso as iniciativas que contribuíram para o combate ao abandono.
“Estes são resultados que traduzem a eficácia de programas e medidas que convergem num esforço continuado para garantir sucesso educativo e melhores aprendizagens”, sublinha, referindo como exemplo o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, o Apoio Tutorial Específico, o Plano Nacional de Leitura e a Rede de Bibliotecas Escolares.
A abordagem integrada à Educação Inclusiva, a aposta na diversificação de ofertas com destaque para o Ensino Profissional e a Autonomia e Flexibilidade Curricular são outras das medidas destacadas.
“O esforço conjunto das escolas e do Ministério da Educação para que nenhum aluno ficasse para trás, em particular no contexto pandémico, têm expressão significativa neste compromisso com a educação de qualidade para todos”, conclui a tutela.

 

 

Share

Print
Ordem da notícia489

Theme picker