Gilberto Vieira, Presidente das Casas Açorianas - Associação de Turismo Rural dos Açores, proprietário da Quinta do Martelo, na ilha Terceira, é um dos mais antigos empresários no sector e um dos melhores conhecedores do turismo na nossa Região. Nesta entrevista fala dos desafios que o sector enfrenta este ano.
Que balanço é que faz do ano que se passou para as Casas Açorianas?
Foi um ano já com indicadores positivos, portadores de alguma esperança, tendo em conta a realidade do ano anterior.
Ainda longe do que aconteceu nos últimos anos pré-pandemia, a comparação com 2020, ano em que foi o descalabro total, pode ser considerada positiva.
Segundo a estatística, o turismo rural ainda está longe dos números de 2019, mas no turismo de residentes já ultrapassou os números de antes da pandemia. Tem a ver com a grande mobilização de açorianos que aproveitou este primeiro Verão da tarifa Açores?
Sim. Ainda estamos longe dos números de 2019, e sim, notou-se um acréscimo no turismo interno.
Estou convencido de que as novas tarifas para residentes foram uma das causas desse crescimento.
O que é que prevê para este ano?
Não quero parecer, de forma alguma “um velho do Restelo”, mas o futuro próximo advinha-se muito incerto.
Com a escalada desenfreada de infecções por Covid-19 que está a registar-se por todo o mundo, a opção por viajar apresenta uma série de dificuldades, em que sobressai a obrigatoriedade de testar negativo para aceder a aviões ou navios.
Como reservas de viagem são feitas, normalmente, com antecedência, pode haver retracção em relação a viagens turísticas.
Mas, outro cenário pode abrir-se se o controlo de passageiros em relação à pandemia for suavizado ou, até, eliminado, acompanhando medidas internas de alguns países que já vão dando sinais de acabar com as restrições.
Mas isto é, reconheço, um exercício especulativo, perante a imensidão de incertezas com que nos defrontamos.
Quanto a promoção para este ano, já não devíamos estar em força nos vários mercados emissores?
Não obstante todas as incertezas que refiro na resposta anterior, a minha convicção é que o esforço de promoção deve ser permanente e reforçado, nas actuais circunstâncias, sempre assente na nossa realidade especial e com novas ideias ainda mais apelativas.
É, de facto, o que temos e somos o nosso maior trunfo e esse tem de continuar a ser jogado, independentemente de situações circunstanciais.
Veja-se, por exemplo, a campanha eficaz de Região segura quanto à Covid especificamente, lançada quando grande parte do mundo se debatia com preocupantes dimensões da pandemia.
E o facto de termos conseguido manter em níveis residuais a doença na Região permitiu acrescentar uma razão de peso temporária para passar férias nos Açores – a segurança sanitária relativamente à Covid-19.
Ora, a nossa realidade hoje é bem distinta, proporcionalmente estamos ao mesmo nível de casos que outros países e regiões do mundo, o que nos fez perder essa vantagem.
Reitero uma convicção, várias vezes tornada publica, de que a promoção do destino Açores, nas suas diversas vertentes, não deve ser uma responsabilidade exclusiva do Governo Regional mas, sim, partilhada com os diversos sectores e tipologias da actividade, de forma a optimizar a eficácia dessa promoção.
Essa necessidade ganha ainda maior dimensão, numa altura em voltamos a regredir no capítulo da sazonalidade e urge encontrar soluções para atenuar esse fenómeno, sustentadamente.
A promoção orientada e a criação criteriosa de eventos apelativos na época baixa, logo que possível, são essenciais para atingir esse objectivo.
E quanto a voos, qual a sua percepção sobre as companhias que pretendem vir nesta época turística? Há ilhas prejudicadas?
Eu sempre defendi que o mais importante não é o número de “gateways”, no que ao movimento turístico diz respeito – embora, quanto aos residentes, a realidade seja outra, perfeitamente compreensível.
Considero que o mais importante, no caso do turismo, é existir um eficaz modelo de reencaminhamentos sem custo ou a custo muito reduzido que faça face às opções das companhias aéreas quando, como é o nosso caso, optem por ligações para oaeroporto ou aeroportos que considerem mais rentáveis, por sua conta e risco.
Nestas opções não englobo os casos em que, directa ou indirectamente, o Governo Regional patrocine essas ligações. Esse formato de reencaminhamentos existiu num passado próximo, mas foi recentemente cancelado, com prejuízos palpáveis para oito das nove ilhas do arquipélago.
Na minha opinião, e face ao que já é conhecido em relação às intenções de companhias aéreas de voar para os Açores este ano, reitero a necessidade de se encontrar um modelo de reencaminhamentos eficaz, tanto a nível de ligações como dos horários, para permitir, neste caso, o acesso imediato a outra ilha, caso seja essa a opção.
Relativamente a mão de obra nesta área, está preocupado?
A mão de obra nesta área representa, de facto, uma preocupação, para evitar que se reflita na disponibilização dos serviços e na degradação da oferta. Este é um assunto que tem muitas variáveis. Talvez a principal seja a sazonalidade.
Como é lógico, a necessidade de funcionários na época alta e na época baixa é diametralmente oposta.
Ora, um empregador que queira manter toda a sua equipa de trabalho ao longo do ano inteiro tem que conseguir um equilíbrio entre os proveitos dos meses de época alta e dos meses de época baixa, de forma a garantir o pagamento dos salários por inteiro e manter rentável a atividade.
Como não temos facilidade – nem defendo isso, na nossa realidade – de trabalho sazonal, as empresas vêm-se, muitas vezes impelidas a praticar salários baixos, bastas vezes pouco atrativos para quem quer trabalhar nesta área. Incentivos nacionais e regionais para ajudar os empregadores a combater as assimetrias e garantir melhores salários para os seus colaboradores são essenciais nesta área.
Sobre apoios oficiais ao sector, o que é que espera?
Tal como acabei de dizer, espero uma atenção especial para o sector, que seja criteriosa e efectiva, de modo a corresponder à melhoria de salários e, consequentemente, garanta a atractividade do emprego na atividade turística, com benefícios na disponibilização e qualidade dos serviços.
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