Semana de Arte Moderna   de 1922 e Othon Gama d’Eça

Semana de Arte Moderna de 1922 e Othon Gama d’Eça

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“Com Othon D’Eça temos uma literatura insular batizada nas raízes açorianas do século XVIII, uma obra centrada nas expressões culturais, na convivência com o sagrado, nos usos e costumes dos descendentes daqueles açorianos que partiram mar adentro em viagens de medo e de morte.”

 

O ano de 1922 é marco de uma subversão literária e artística com a realização da Semana de Arte Moderna, inaugurada em 13 de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal de São Paulo – um novo grito de independência, de ruptura cultural, que ecoou por todo o país. Os signatários do evento defendiam uma mudança social e cultural, um olhar estético inovador das expressões literárias e artísticas brasileiras desencadeadas na famosa Semana de 22, que na verdade foram apenas três dias. Entre as suas postulações: a valorização da identidade e cultura brasileira, liberdade de expressão, aproximação da linguagem oral e emprego da linguagem coloquial e, sobretudo, a eleição de temas nacionalistas e cotidianos.
Embora temas de cores nacionalistas já ocupassem espaço, via narrativa da linguagem, nas últimas décadas do século XIX, como no Mulato (1881), do romancista maranhense Aluísio de Azevedo (1857-1913), no Jeca Tatu (1910), do paulista Monteiro Lobato (1882-1948), e em Contos Gauchescos (1912), de Simões Lopes Neto (1865-1916), nas plagas do extremo sul, é com a eclosão do Modernismo de 1922 que emerge uma literatura brasileira por inteiro. No estado de Santa Catarina se estabelece em 1920, a partir da revista Terra, com os contos serranos de Tito Cartvalho, a novela Vindita Braba (1923) de Othon D’Eça e a criação da Sociedade Catarinense de Letras a 30 de outubro do referido ano. Renomeada Academia Catarinense de Letras, a secular instituição mantém os seus princípios norteadores: “cultivar a língua vernácula e defender os valores da cultura nacional e estadual, especialmente no campo literário”.
O ilhéu Othon D’Eça recebe influências dessa nova visão literária que abraça o Brasil do sul ao norte, contudo sem se identificar como modernista. Autor da chamada “renovação cultural dos anos 1920” de Florianópolis inaugura, ao lado do escritor orleanense Tito Carvalho (1896-1965), a literatura regional catarinense e toma os rumos de um Regionalismo Açoriano da Terra, onde as marcas de uma cultura de estar geram um modo específico de ser ilhéu. Com Othon D’Eça temos uma literatura insular batizada nas raízes açorianas do século XVIII, uma obra centrada nas expressões culturais, na convivência com o sagrado, nos usos e costumes dos descendentes daqueles açorianos que partiram mar adentro em viagens de medo e de morte.
A novela Vindita Braba (1923) é inovadora. Nela sobressaem traços culturais e linguísticos de uma comunidade rural do interior da Ilha: a Trindade, hoje populoso bairro de Florianópolis. Apresenta similitudes ao modernismo de 1922 promovido na literatura pelos jovens paulistas Mario e Oswald de Andrade e Del Picchia. Vindita Braba assenta no regionalismo “Açoriano da Terra Ilha” e no “Catarinense”,ao retratar a dureza da vida dos homens e sítios do interior ilhéu,  conforme ensina o decano Celestino Sachet em sua obra Literatura dos Catarinenses - Espaços e Caminhos de uma Identidade(2014). O açoriano aqui chegado no século XVIII partiu das Ilhas por causa da fome e da pobreza da terra e não pelas lazeiras do mar. No entanto, é bom sempre lembrar que o mar tem sido a marca do ser e estar dos habitantes da beira-mar. Othon D’Eça, em 1929, via o habitante da Ilha de Santa Catarina “como um ilhéu do Mundo na sua casucha de barro vermelho”, assim expressou em Vindita Braba.
O regionalismo impregnado de sol e mar desenhado em Homens e Algas (1957) é inequívoco no processo inovador criativo das quarenta crónicas, inspiradas na gente humilde que vive nas praias catarinenses com suas crendices, seus sofrimentos e vicissitudes, seu triste fadário ante o mar que o alimenta e lhe rouba a vida, revelando o modus vivendi de um lugar, além da idiossincrasia das gentes das Ilhas. Othon D’Eça dá voz a criaturas cuja vida se desenrola junto aos avanços e recuos do mar, sobre a praia, numa relação simbiótica, “homens e algas cuspidos todos numa praia, sob o sol dourado e vivo: as algas pelo mar e os homens pela miséria”. São histórias curtas que ele começou a escrever em 1938 e foi concluir tão somente em 1957. Com imensa sensibilidade, numa prosa poética de grande beleza, o mestre Othon d’Eça conversou muito, penetrou nos seus casebres, testemunhou a pobreza resignada, a miséria à beira-mar e anotou o código linguístico arcaico. Observa-se a constante preocupação do autor em salvaguardar a memória social, as tradições ilhoas, a sabedoria popular, o falar do povo, o universo do grande litoral catarinense com 531 km de extensão.
Aqui o mar é o espaço imenso, os pescadores são personagens coletivas e na coloquialidade da narrativa é Othon d’Eça o narrador, a personagem voz, onipresente.
Uma literatura que retrata a visão histórica e a cultura da sua gente, que desenha geografias reais ou imaginárias. Com Othon D’Eça temos uma literatura insular batizada na “açorianidade” catarinense. Melhor dizer no “catarinensismo”, a nossa identidade cultural de terra e mar.

13 a 17/2/2022
*Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922

* Vice Presidente do Conselho Municipal de Educação de Florianópolis / Escritora da ACL

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