A golpada
Teresa Nóbrega

A golpada

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A política de transporte aéreo dos Açores com o exterior é uma longa história com início nos primórdios da Autonomia. Em finais dos anos setenta, durante a vigência do I Governo Regional, a Direção Regional de Estudos e Planeamento dos Açores (DREPA), com sede em Angra do Heroísmo, por decisão do Governo Regional, encomendou a uma empresa especializada do Continente um estudo sobre política aérea dos Açores. As conclusões do estudo originaram grande celeuma na ilha de São Miguel, pois apontava o Aeroporto das Lajes como “placa giratória” do tráfego aéreo para os Açores, justificada pela centralidade geográfica da Ilha Terceira.
Esta primeira abordagem à política aérea teve o seu epílogo no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, numa concorrida apresentação do estudo pelo presidente da empresa concessionada para o efeito, que alvo de duras críticas por parte da assembleia presente, salvou a face confessando publicamente que lhe tinha sido exigido pelo DREPA que o estudo tinha de assentar na premissa de uma “placa giratória” centrada na Base Aérea das Lajes. A “golpada” abortou e a partir daquela noite mais ninguém falou no assunto.
Volvidas quatro décadas volta a falar-se da “centralidade” da Ilha Terceira nas eleições regionais de 2021, com o líder do PSD, José Manuel Bolieiro, a prometer que se fosse eleito a ilha Terceira iria retomar a centralidade. Num arquipélago com nove ilhas em que uma delas tem mais de metade da população, a centralidade está naturalmente nesta ilha de São Miguel, centralidade que este governo lhe quer retirar por “decreto” para satisfazer o ego de outros. E que terá consequências gravosas para a economia e para o emprego na ilha que já é a mais fustigada pela pobreza. A centralidade de um país ou de uma região é ditada pela sua geografia demográfica e não pela geografia física.
A golpada repete-se agora, com a tomada de posse do Governo presidido por José Bolieiro, procurando centralizar na Base das Lajes as ligações com o exterior. O instrumento de tal política é a entrega ao vice-presidente do Governo da tutela da Aerogare Civil das Lajes. Vice-presidente que é líder de um partido sub-regional e que procura alargar a sua influência política na ilha onde tem sede e algum eleitorado. A gestão da Aerogare Civil das Lajes deixa assim de pertencer à Secretaria Regional dos Transportes, num processo fracturante da estrutura de um governo por interesses e caprichos de determinada ilha. Da tutela de uma aerogare as competências do vice-presidente foram sendo alargadas até à definição de toda a política aérea regional.
O Aeroporto de Ponta Delgada, que serve o principal destino turístico dos Açores, não por intervenção política de qualquer governo mas à bem evidente atractividade da ilha de São Miguel como destino turístico, está a ser despojado de muito do seu tráfego, contrariando as opções do mercado com a intervenção governamental que o procura direccionar para as Lajes.
São muitos os factos a comprovar este movimento de desvio de tráfego do aeroporto açoriano mais solicitado pelos operadores aéreos e turísticos. Para além do pouco interesse do Governo Regional em exigir da ANA que proceda às obras necessárias na aerogare de Ponta Delgada, de modo a acompanhar o crescimento de tráfego, é de registar que já estão planeadas obras na Aerogare Civil das Lajes, a pagar pela Região, para fazer face ao aumento de ligações aéreos retiradas a Ponta Delgada.
Não vamos apresentar nenhuma lista do que se tem feito para impingir o destino Terceira a tudo o que é operador turístico ou aeronáutico, nem aos muitos milhões investidos nesse sentido, nem do escandaloso desvio do voo da SATA de Montreal para as Lajes, quando cerca de 80% dos emigrantes açorianos no Quebeque são micaelenses. Vamos apenas citar um número que diz tudo. O número total de lugares actualmente em venda nos sistemas de reservas para 2022 correspondem para a ilha Terceira a um rácio de 136 lugares por cama de alojamento turístico, enquanto para a ilha de São Miguel apresenta cerca de metade deste valor para o mesmo rácio, 77 lugares por cama de alojamento turístico.
 
   
*Jornalista
A autora escreve segundo a anterior ortografia   

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