“Agora é a oportunidade de nos ligarmos mais à natureza, começarmos a dar-lhe espaço para que se possa desenvolver novamente e deixar a biodiversidade prosperar.”
Ana Catarina Rosa

“Agora é a oportunidade de nos ligarmos mais à natureza, começarmos a dar-lhe espaço para que se possa desenvolver novamente e deixar a biodiversidade prosperar.”

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Catarina Matos é uma das fundadoras da Mind The Trash, a primeira loja online de Desperdício Zero em Portugal

Catarina Matos é uma das sócio fundadoras da Mind The Trash, a primeira loja online de Desperdício Zero em Portugal.
Arquitecta de formação, desde cedo demonstrou uma paixão e preocupação para com o desperdício que nos rodeia. O ponto de viragem ocorreu quando viveu no Reino Unido e constatou o enorme uso de plástico que a rodeava.
É em 2017, no seu retorno a Portugal, que lança-se no desafio de criar uma loja online para divulgar produtos alternativos aos convencionais e que ainda não existiam no mercado nacional.  
Mind The Trash é um exemplo de loja online, que demonstra ser possível deter uma loja que produza pouco lixo, aproveitando não só materiais como converter a consciencialização para o tema da sustentabilidade, que cada vez mais tem preocupado a nossa e as gerações vindouras.
Fale-nos um pouco sobre si.
O meu nome é Catarina Matos, sou arquitecta de formação com mestrado em Reabilitação, área em que trabalhei por cerca de 10 anos e pela qual tenho um enorme carinho. Sou de Lisboa, a mais nova de 3 irmãos e a que sempre teve as ideias mais “estranhas” da família. Como a minha mãe costuma dizer: “lá vem a Catarina com as suas ideias”.
Trabalhei em Portugal, no Brasil e no Reino Unido enquanto arquitecta tendo adquirido imensa experiência não só em termos de projecto mas também em obra. Sempre quis ter o meu próprio ateliê, tendo trabalhado bastante para isso mas, quando estava preparada para o fazer, acabei por dar prioridade a outra minha paixão, que acredito ser essencial para um futuro mais risonho e de urgente divulgação, o Desperdício Zero.

É uma das sócia fundadoras da Mind The Trash a primeira loja de vendas online de Desperdício Zero em Portugal. O que motivou a criação deste projecto?
Enquanto vivia com os meus pais, questionava-me sobre a quantidade de embalagens que descartávamos diariamente, sobre os inúmeros sacos de plástico que tínhamos guardados. Tanto material com pouco uso e descartado em tão pouco tempo. Admito que sempre me fez muita confusão.
Em Londres, foi onde me deparei com o apocalipse dos descartáveis. Recordo-me da primeira vez que fui a um supermercado. Praticamente todas as frutas vinham embaladas em plástico, inclusivamente as bananas, por exemplo. Pelas 9h da manhã, também já os lixos estavam a transbordar de embalagens de take-away, um hábito muito vincado na cultura dos ingleses.
Sabia que queria fazer a diferença e aí surgiu a ideia de criar a Mind The Trash, enquanto conta de instagram pessoal, onde ia partilhando dicas para um estilo de vida mais sustentável e com menos lixo. Em Londres cruzei-me com nomes como Andrea Sanders e Lauren Singer, activistas do Desperdício Zero nos Estados Unidos, e que me inspiraram a querer fazer melhor por um futuro mais sustentável.
Em 2017, ao mudar-me novamente para Portugal, decidi lançar a Mind The Trash enquanto loja online, juntamente com o meu parceiro de negócio Christian Andersen, dinamarquês, que conheci em Londres, para divulgar os produtos alternativos aos convencionais que já tinha acesso mas que não existiam no mercado nacional. Surgiu assim a primeira loja online a assumir a sua luta contra os descartáveis, provando que é possível ter uma loja que produz pouco lixo, que aproveita inúmeros materiais que já existem e que se coloca no mercado, não só como uma loja online, mas como uma loja influenciadora, de consciencialização e educação para o tema da sustentabilidade.

Porquê o conceito de sustentabilidade? O que significa esta noção para si?
Como vivi numa casa com 5 pessoas, podem imaginar a quantidade de lixo que produzíamos diariamente. A ida constante aos ecopontos e ver que estavam praticamente sempre cheios, o aparecimento cada vez mais regular de lixo nas ruas ou a flutuar no mar ou o lixo na areia, mostravam-me que algo estava errado com a forma como a sociedade estava a gerir os resíduos. Cedo me apercebi que esta forma de viver, comodista em excesso, não era sustentável para nós nem para o meio ambiente.
Acredito que hoje em dia estamos totalmente desconectados da natureza. O nosso estilo de vida foca-se essencialmente no trabalho e vivemos numa correria constante, em stress e ansiedade. Esquecemo-nos que somos parte de algo bem maior e o quão é importante abrandarmos.
Enquanto seres humanos, começámos a assumir-nos como ser superior a todas as outras espécies e esquecemo-nos que o planeta é muito complexo e que tudo tem o seu papel. É assustador quando nos apercebemos que só nos últimos 50 anos, a humanidade conseguiu eliminar cerca de 68% da população mundial de animais selvagens e desmatar mais de 40% das florestas existentes. Em 50 anos, conseguimos também sair de uma situação de estabilidade climática que durou mais de 10 mil anos e que nos permitiu crescer enquanto civilização (Holoceno), para uma situação de instabilidade (Antropoceno).
Agora é a oportunidade de nos ligarmos mais à natureza, começarmos a dar-lhe espaço para que se possa desenvolver novamente e deixar a biodiversidade prosperar. Caso contrário, continuamos a pôr em risco a vida selvagem que é escorraçada por nós para a extinção e a pôr também em causa a nossa própria existência.
Por todos estes motivos, para mim, a sustentabilidade é o caminho a seguir. Quero que a minha filha tenha um futuro tranquilo e não uma batalha constante por falta de água ou eventos meteorológicos extremos. Quero que as gerações futuras, possam ter a possibilidade de viver num planeta mais limpo e em equilíbrio em plena harmonia com o que os rodeia.

Que produtos podemos encontrar na loja online? Que serviços oferecem?
Desde o início da Mind The Trash, que o propósito sempre foi trazer para Portugal produtos que acreditava serem uma melhor alternativa ao que chamamos de produtos convencionais. Posteriormente, decidi começar a desenvolver produtos da nossa própria marca por não encontrar opções que gostasse ou que achava que tinham alguma falha no uso. Exemplo disso são os nossos champôs sólidos, o nosso best-seller, produzidos em Lisboa com ingredientes biológicos e naturais. É importante referir que foi um dos produtos que mais luta me deu pois já existiam algumas opções no mercado, contudo, eram formulados como um sabonete de corpo, o que não está correcto, não respeitando o pH natural do cabelo e contribuindo para que ficasse áspero e sem brilho.
Na nossa loja encontram mais produtos de cosmética natural, desde pasta de dentes em frascos de vidro e de base alimentar, a cremes de corpo e rosto que aproveitam ingredientes excedentes de outros produtos,como as borras de café, por exemplo. Além destes, encontram também detergentes naturais para a casa e utensílios de cozinha mais duradouros e de origem natural ou de materiais reciclados como é o caso da nossa esponja da loiça de algodão reciclado português, feito da reciclagem de calças de ganga. A minha, já tem mais de 4 anos.
Somos bastante selectivos nos produtos que introduzimos no nosso site. Têm surgido inúmeros produtos ecológicos no mercado, mas muitos não são assim tão ecológicos como isso e temos que estar sempre atentos ao Greenwashing. Só assim, podemos garantir que todos os produtos que disponibilizamos à nossa comunidade são realmente de confiança e que ajudam realmente na sua jornada.
Além dos produtos, disponibilizamos workshops na nossa sede em Lisboa que contribuem para um maior conhecimento na área da cosmética natural mas também na área do desperdício zero para ajudar numa mudança de hábitos.

Que desafios a vossa loja/empresa encontra todos os dias?
Um dos maiores desafios é encontrar produtos que sejam realmente sustentáveis. Felizmente, têm aparecido cada vez mais marcas, não só nacionais mas também europeias, a trazer óptimas alternativas para o nosso dia-a-dia, contudo, temos sempre muito cuidado ao avaliarmos se aquele produto faz sentido, como é feito o seu descarte, que tipo de materiais é constituído, qual o propósito da marca, entre outros parâmetros que temos de ter em atenção.
É um desafio encontrar o produto perfeito, normalmente há sempre algo que gostaríamos que fosse diferente mas, muitas vezes, é a própria legislação que não o permite.

Como tem sido recendido a este projecto por parte das pessoas?
Desde o início que as pessoas nos têm recebido muito bem. Ficamos sempre felizes quando recebemos mensagens a dizer que estavam um bocadinho reticentes em relação a algum produto ou dica, mas que agora não querem outra coisa. Isso acontece muito com os nossos champôs, por exemplo. Costumo dizer que os nossos champôs iriam cativar os cépticos e não é que cativam mesmo?
Claro que ainda existem pessoas, que ainda não estão totalmente convencidas com esta mudança sustentável na sua vida e questionam muito. Muitas vezes, mal informadas, acabam por nem sequer fazer a reciclagem, por exemplo, mas é para isso que aqui estamos. Para ajudar quem tem dúvidas e influenciar quem se cruza no nosso caminho.

No passado dia  27 de Fevereiro  realizou um workshop sobre Hábitos Sustentáveis no Centro Mãe e Mulher. Qual foi objectivo do mesmo?
Desde que estou aqui nos Açores, tenho-me apercebido que podemos fazer muito mais aqui a nível de sustentabilidade. Gosto de ser proactiva e de me sentir útil e, por isso, surgiu a ideia de trazer para este Arquipélago, que tão bem me tem acolhido, um workshop sobre Hábitos Sustentáveis, onde falei sobre o bichinho da sustentabilidade que desde sempre tive em mim e como é que todos podem começar por mudar os seus hábitos.
Acredito, que só em comunidade é que vamos conseguir fazer a real mudança no mundo. E se posso inspirar e sensibilizar outras pessoas através da minha jornada pessoal e com todas as coisas maravilhosas que tenho aprendido, porque não ajudar outras pessoas a fazer o mesmo?

Quais as suas expectativas para o futuro?
Confesso que, sempre que penso no futuro, fico um pouco ansiosa. Ainda mais agora que sou mãe. Todos os dias, aparecem nas notícias ou até mesmo novos estudos, sobre os problemas que o nosso planeta está a enfrentar. Apesar das previsões de um cenário complicado, prefiro ter esperança que ainda podemos fazer a diferença. Vejo cada vez mais pessoas despertas para esta situação e que existem cada vez mais projectos a tentar criar comunidades ligadas às mais diversas áreas da sustentabilidade e isso deixa-me muito feliz.
Ainda há muito a fazer, mas quero acreditar que todos juntos vamos construir um futuro melhor.

O que nós, enquanto intervenientes, podemos fazer para melhorar/alterar os nossos hábitos em prol de um planeta mais saudável e verde?
 O nosso estilo de vida está completamente desalinhado com a Natureza. Uma das coisas que temos de começar a fazer é consumir com consciência.
Actualmente, compramos tantas coisas que não precisamos e que não são ambientalmente e socialmente produzidas de forma sustentável. Para que possamos ter uma vida confortável, foram necessários recursos naturais e humanos e, por isso, temos de começar a dar mais valor ao que levamos para casa. Temos de conhecer melhor as marcas a quem compramos, marcas essas a quem damos o nosso voto. Voto esse que é uma afirmação sobre aquilo que achamos que está correcto e que decidimos apoiar. Têm dúvidas? Questionem a marca, pesquisem e vejam qual a melhor alternativa para a vossa mudança.
Uma coisa muito importante é mudarmos o nosso pensamento de que a nossa mudança individual, não tem impacto. Contudo, foi a pensar assim que o nosso planeta chegou ao estado em que está. Certamente já ouviram a frase: “Foi só uma garrafa, disseram milhões de pessoas”. Por isso, se estiverem no início da vossa jornada, acreditem que tudo o que estão e vão fazer vai ter um impacto lindo no nosso planeta. Quem sabe se, através da vossa mudança, não inspirem quem está à vossa volta para fazer o mesmo. Aconteceu comigo, porque não poderá acontecer convosco?

* jornal@diariodosacores.pt

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