Um Arquipélago Prenhe  de Vozes (Parte 4)
Chrys Chrystello

Um Arquipélago Prenhe de Vozes (Parte 4)

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“Na década de 1990, lentamente, os escritores açorianos foram encontrando o seu espaço, não havendo míngua de quantidade. Na maioria, sem projeção para além das ilhas, com exceções contemporâneas. Falta destrinçar, entre centenas, os que realmente merecem ser incluídos em coletâneas e os que se serviram do rótulo da açorianidade para terem visibilidade que, de outro modo, não teriam.”

 

Neste universo tão idílico não busquei - ao traduzir as obras - a essência do ser açoriano, que de certeza existe, em miríade de variações insulares, cada uma vincadamente segregada da outra, se o homem se adaptou às ilhas ou se estas se continuam a impor condicionando a presença humana, para assim evidenciar a sua diferença específica, neste caso a açorianidade. Estando esta presente num escritor, explicá-lo é tarefa para estudos mais complexos do que a mera atividade de um tradutor, por mais empenhado ou apaixonado que possa estar pelo objeto da sua tradução. Pedro da Silveira (1923-2003) captou “as mundividências açorianas”, abrangendo na sua poesia “as inquietações e os sonhos de gente viva de todas as partilhas e um verdadeiro compromisso social”, eu apenas tive a oportunidade de captar uma fotografia da alma dos escritores que traduzi.
Na década de 1990, lentamente, os escritores açorianos foram encontrando o seu espaço, não havendo míngua de quantidade. Na maioria, sem projeção para além das ilhas, com exceções contemporâneas. Falta destrinçar, entre centenas, os que realmente merecem ser incluídos em coletâneas e os que se serviram do rótulo da açorianidade para terem visibilidade que, de outro modo, não teriam. A solução foi ignorar quem era quem, e sermos nós e os autores dos nossos projetos, a avaliar, com a ajuda dos que conhecíamos e em quem confiávamos. Daí as escolhas das antologias que serão alargadas à medida que os formos descobrindo, sob o enorme guarda-chuva da Açorianidade que a todos alberga. Nem sempre é fácil, pois ao lado de autores como Fernando Aires e Eduíno de Jesus surgem os que podemos designar como a Maria das Capelas, o António da Lomba e o José de Rabo de Peixe. Importantes poderão ser de um ponto de vista de cultura popular, regional ou local, mas nunca sob um rótulo de literatura.
Em 2010 criamos projetos (Edição de Antologias, Cadernos Açorianos, Curso de Açorianidade, Tradução de excertos açorianos) para dar voz aos escritores destas ilhas mágicas a que chamo minhas, abaná-los das consciências súbditas e resignadas, acenar-lhes com o mundo que, intimamente, queria conhecê-los e lê-los, sem saber que existiam, contentados com a audiência limitada das ilhas. Era mais uma ideia destinada a granjear inimigos e invejas, quem sabe  se não me iriam votar definitivamente ao ostracismo. Ninguém me contratara e todos haviam sobrevivido até então, sem as minhas boas intenções megalomaníacas. Já eram conhecidos nos círculos insulares restritos e gozavam de boa reputação no seio dos expatriados. Que mais era preciso? 300-500 livros era (em 2005) uma excelente tiragem (best-seller) para a maioria das edições desses autores que o mundo infelizmente desconhecia e eu me ia empenhar a revelar. Era urgente e imperioso. Tinham de ser ouvidos, lidos e estudados antes de tragados por um cataclismo como o que afundara a Atlântida.
Depois, em março 2009 publiquei o volume 1º da “ChrónicAçores: uma Circum-navegação, De Timor a Macau, Austrália, Brasil, Bragança até aos Açores” cronicando as minhas viagens em volta do mundo e a descoberta da Açorianidade, e, em 2011 surgiu um segundo volume, que motivou a inquietante questão: “Como se pode optar por ficar nestas ilhas e descurar os mundos que existem para lá deste arquipélago?” fiquei ilhanizado como Almeida Firmino em “A Narcose”, como se os outros mundos não tivessem importância a não ser para divulgar o segredo da existência de uma importante literatura de cariz açoriano. Mas nada do que escrevi tinha paralelo na, enormemente rica e diversa, literatura açoriana que lentamente ia conhecendo com cada livro que traduzia. Toda a minha vida foi uma circum-navegação. Se nos anos 70 designei para pátria a Austrália nunca deixei de conjugar a de Fernando Pessoa, a língua portuguesa. Depois, tive como mátria Bragança, mas aos açorianos o devo pois foram eles que me ensinaram o amor às raízes. Sinto como todos transportam esse sentimento de pertença aqui e no estrangeiro.Ao vê-los tão amantes das suas terras tive de exibir as minhas origens.
Não se é ilhéu por se nascer numa ilha e não é ilhéu quem quer. É essencial partir à descoberta de cada ilha. Desci à Praia da Viola na Lomba da Maia, onde vivo, subi aos sempiternos verdes montes micaelenses, vi as vacas alpinistas e desfrutei do mar, ora chão, ora alteroso, para entender o que nos leva a escrever e é fonte de mil açorianidades. Depois, viajei  às nove filhas de Zeus para entender os maroiços do Pico ao sabor do seu Verdelho, a brancura da Graciosa nos seus moinhos, apreciar os carabelhos com que no Corvo se fechavam as portas, extasiarcom mil cascatas nas Flores, descortinar vestígios ancestrais desde o Neolítico na Terceira de Dona Brianda (bastião contra castelhanos por três anos), descer às fajãs de São Jorge,nadar frente ao ilhéu do Topo, calcorrear o Barreiro da Faneca antes de mergulhar na baía de São Lourenço, pisar as areias esbranquiçadas de Porto Pim e admirar a rica história da sua marina e dos cabos submarinos.


*Jornalista, Membro Honorário Vitalício 297713
(Australian Journalists´ Association MEAA)

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