Um Arquipélago Prenhe  de Vozes (Parte 5)
Chrys Chrystello

Um Arquipélago Prenhe de Vozes (Parte 5)

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Quando cheguei desconhecia quase tudo sobre as ilhas, e descobri no Dicionário do Morais os termos “chamados” açorianos. Tudo começou no dia em que traduzi tais autores e descobri neles a vida e a imortalidade que julgava inexequíveis. São os tais infinitos mutantes que surgem nos quotidianos. Uma pessoa ou se conforma com a mediocridade da democracia ou luta contra tudo e passa a ser visto como diferente, maluco. São indivíduos assim, uns mais loucos, outros mais poetas, que se tornam perigosos para as sociedades acomodadas pois assumem uma postura vocal crítica no meio de vozes insatisfeitas, mas incapazes de se organizarem e rebelarem contra o sistema. Um escritor raramente se alcandora à fama dos efémeros jogadores de futebol que tentam arrebatar as multidões, como velhos deuses gregos descidos do Olimpo, o escritor é a antítese deles, em sobriedade, honestidade, integridade e humildade. Não se julgam salvadores do mundo, nem tampouco enviados por uma qualquer divindade para gravarem palavras no magma sagrado e perpetuar uma civilização de lava. Nesse espaço, traçavam no alvo papel os hieróglifos, num fluir ritmado das palavras ao som das ondas e mares, entremeadas pelo cíclico abalar dos solos numa lembrança de Hefesto, Deus do fogo, dos metais e da metalurgia, filho de Zeus e Hera. Ou seria recordando Hades, irmão de Zeus e Poseidon? Enquanto o primeiro detém os Céus e o segundo os Mares, Hades é senhor do mundo subterrâneo, o Inferno local, genérico para a moradia dos mortos.
Foi preciso pressagiar com Dias de Melo as agruras e fome dos baleeiros, reler paulatinamente o “Mau Tempo no Canal”, parar num qualquer aeroporto e encontrar o “Passageiro em Trânsito” do Cristóvão de Aguiar, apagar as chamas da poesia do “Fogo Oculto” de Vasco Pereira da Costa, “Viajar com as Sombras” ou com o “Tango nos Pátios do Sul” de Eduardo Bettencourt Pinto, revisitar a Ilha-Mãe e as pedras arruinadas do “Pastor das Casas Mortas” de Daniel de Sá e milhentas outras obras de autores açorianos, açorianizados, expatriados e descendentes1 cuja enumeração seria fastidiosa, mas relevante para provar a vitalidade e a universalidade desta escrita dos autores açorianos que flui como lava incandescente, como o magma descendo a 25 de junho de 1563, da Serra de Água de Pau para destruir Vila Franca do Campo, todas as casas, igrejas e ermidas. Três dias depois houve a erupção do Pico das Berlengase surgiu a enorme cratera da Lagoa do Fogo, inundações torrenciais arrastaram para o mar tudo o que havia ficado de pé na Ribeira Grande, incluindo os moinhos. Imagens catastróficas que sempre me conduziram à escrita de Cristóvão de Aguiar, há pouco compiladas em dois volumes. Dito isto, uma declaração de interesse:
“Sou amigo incondicional do Cristóvão, meu mentor na casa do Pico onde me recebeu e à minha mulher, como se de amigos de longa data se tratasse, nós que éramos de amizade recente surgida em 2009”.

Fica-se refém da sua escrita, que não sendo fácil, enleia e se insinua na tentativa de forçar o leitor a buscar a compreensão do que lhe está subjacente. Durante tempos cavaqueei longamente com ele, éramos exaltados contra a iniquidade, essa quimera ensinada em verdes anos. Aprendia canga que os cachaços insulares carreavam, muitas vezes, sem o saberem.Embrenhei-me noutros escritores que fui desbravando. Faleie escutei a maior parte deles e já nos deixaram, entretanto, alguns . Depois, tropecei num fenómeno típico de sociedades insulares e bairristas, a existência de “capelinhas”, cliques e claques, em torno das quais gravitavam uns eleitos. Nem todos de qualidade despicienda, mas dependendo dessas cliques para artigos de jornal ou recensão crítica.
 Para um escritor arquipelágico há sempre o dilema da pequenez das ilhas, um autor só se afirma se reconhecido fora delas, daí a atração pelo mais vasto mercado continental como forma de asserção e alforria literária criando um misto de desligamento e aportuguesamento dos autores que se mudaram de armas e bagagens para fora, a que se contrapõe a inveja e ciúme dos que não conseguiram atingir esse patamar de reconhecimento continental, ou a emancipação de outros que venceram nos EUA e Canadá e a tarefa ingente dos que permanecendo porfiam para se alcandorar a um reconhecimento externo. O que não acreditavam era que por serem açorianos podiam aspirar a ser universais,em mercados mais vastos do mundo, não apenas insularesou portugueses. Podiam chegar mais longe e libertar-se da prisão invisível da pequenez das ilhas. Para isso, havia que mondar mercados novos e virgens, dessa selva amazónica antes dos bandeirantes. Se não chegassem às novas gerações, poderiam alcançar descendentes, e expatriados que descobrem hoje o orgulho da nação açoriana, na cultura, tradição e valores primordiais que tão arredados das escolas andam.

1 Adelaide Baptista, Álamo Oliveira, Alexandre Borges, Ângela Almeida, Aníbal Pires, Aníbal Raposo, Anthony de Sa, António Bulcão, Armando Côrtes-Rodrigues, Avelina da Silveira, Caetano Valadão Serpa, Carlos Faria, Carlos Tomé, Carlos Wallenstein, Carolina Cordeiro, Carolina Matos, Célia C Cordeiro, Chrys Chrystello, Cisaltina Martins, Conceição Andrade, Conceição Maciel, Cristóvão de Aguiar, Daniel de Sá, Daniel Gonçalves, David J Silva, Deolinda Adão, Dias de Melo, Diniz Borges, Eduardo Bettencourt Pinto, Eduardo Jorge Brum, Eduíno de Jesus, Elmano Costa, Emanuel Félix, Emanuel Jorge Botelho, Emanuel Melo, Fernando Aires, Frank X. Gaspar, Gabriela Silva, Graça Castanho, Helena Chrystello, Isabel Condessa, Ivo Machado, Ivone Chinita, J H Santos Barros, Joana  Félix, João de Matos Bettencourt, João Luís Medeiros,  João de Melo, João Paulo Constância, João Pedro Porto, José Andrade, José Carlos Teixeira, José de Mello, José Martins Garcia,  Judite Jorge, Katharine Baker, Katherine Vaz, Laura Areias, Lélia Nunes, Lucília Roxo, Luís Filipe Borges, Machado Pires, Madalena Férin, Madalena San-Bento, Manoel Tomaz, Manuela Marujo, Marcolino Candeias, Maria Dores Beirão, Maria João Dodman, Maria João Ruivo, Maria Luísa Ribeiro, Maria Luísa Soares, Mário Cabral, Mário Machado Fraião, Mário Moura, Miguel Real, Natália Correia, Natália de Almeida, Norberto Ávila, Nuno Costa Santos, Onésimo Teotónio de Almeida, Pedro da Silveira, Pedro Almeida Maia, Pedro Paulo Câmara, Renata Correia Botelho, Roberto de Mesquita, Rui Machado, Sérgio Rezendes, Sidónio Bettencourt, Sónia Bettencourt, Susana Teles Margarido, Teresa Tomé, Tiago Prenda Rodrigues, Tomaz Borba Vieira, Urbano Bettencourt, Vamberto de Freitas, Vasco Pereira da Costa, Vilca M Merízio, Vítor Rui Dores, Vitorino Nemésio, e no passado Gaspar Frutuoso (século XVI), Antero de Quental (séc. XIX), etc.
  Adelaide Baptista,  Armando Côrtes-Rodrigues, Carlos Wallenstein, Daniel de Sá, Dias de Melo, Emanuel Félix, Fernando Aires, Ivone Chinita, J H Santos Barros, José Martins Garcia,  Madalena Férin,  Marcolino Candeias, Maria de Fátima Borges, Mário Machado Fraião, Natália Correia, Natália de Almeida, Pedro da Silveira, Roberto de Mesquita, Vitorino Nemésio)

 

*Jornalista, Membro Honorário Vitalício 297713
(Australian Journalists´ Association MEAA)

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