São Jorge:   do infortúnio à solidariedade

São Jorge: do infortúnio à solidariedade

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A crise sísmica de São Jorge, iniciada em 15 fevereiro de 19641 marcou-me muito, embora fosse criança ainda e não soubesse, concretamente, o que se passava no terreno.
Desses trágicos dias que destruíram cerca de 900 habitações em Rosais, Toledo, Beira,  Velas e outras, recordo o tempo invernoso que impedia as comunicações marítimas com a Ilha,  as dificuldades no fornecimento de equipamentos e a retirada de desalojados.
São Jorge tinha então, cerca de 15 mil habitantes. Hoje tem pouco mais de 8 mil.
Na sequência dessa crise sismo-vulcânica e devido à falta de recursos para a reconstrução foi oferecida a dezenas de famílias a possibilidade de migrarem, com animais e haveres, para os colonatos angolanos da Cela e do Negage, com promessas de, à chegada, a Junta Provincial de Povoamento de Angola (JPPA) tudo lhes disponibilizar para refazerem suas vidas. O transporte foi efetuado no navio “Lima” da Empresa Insulana de Navegação( EIN).
Poucos anos mais tarde, em 1972, ouvi da boca de um casal jorgense, residente no colonato do Negage: “As promessas não fora cumpridas. Os produtos da terra não se vendem, nem nós, pequenos produtores temos como dar-lhe sumiço. Muitos jorgenses tiveram de abandonar as suas fazendas e partiram para Luanda em busca de melhores condições de vida.”
O simpático casal fez questão de me oferecer dezenas de enormes abacaxis produzidos nos terrenos que lhe haviam sido concedidos, caso contrário seriam lançados à terra para estrume.
Aquando da descolonização, muitos açorianos de São Jorge deixaram África e partiram para a Califórnia, onde se juntaram a familiares e amigos há muito lá residentes, e aí, sim! Em resultado de muitas canseiras e empenho, encontraram a verdadeira América.2
São Jorge vive, quase 60 anos depois, uma situação sismo-vulcânica muito semelhante.
O património edificado oferece, porém, incomparáveis condições de segurança, após a reconstrução por sucessivas crises sísmicas. Ao longo de todos esses anos, a população foi entretanto envelhecendo e as forças faltando para resistir a tantas lutas e tormentas, uma das quais é ter de abandonar os lares e pertences que tanto custaram a construir, bem como os animais domésticos.
Desde meados do século passado, mais precisamente a partir do Vulcão dos Capelinhos, em 1958, na memória de muita gente ainda permanecem vivas as imagens de destruição provocadas pela sismicidade das nossas ilhas, nomeadamente as do grupo central: Terceira, São Jorge, Graciosa, Pico e Faial.
Todos esses desastres traduziram-se na destruição de património construído e na perda de população emigrada para os EUA.
Mal refeitos ainda pela memória do Vulcão surge nova crise sísmica em novembro de 1973, sentida no Pico, Faial e São Jorge a qual afetou gravemente o parque habitacional de várias localidades do Sul do Pico (São Mateus e Terra do Pão) e do Norte da ilha (Bandeiras, Sta Luzia, Sto António e São Roque), bem como da cidade da Horta e Flamengos, no Faial. Os apoios do Estado só chegaram a conta gotas pelo que a reconstrução foi muito lenta.
Neste breve historial, é impossível esquecer o sismo de 1 de janeiro de 80 que provocou a morte a 73 pessoas e danificou gravemente parte significativa das habitações das Ilhas Terceira, São Jorge e Graciosa.
A resiliência com que as populações dessas três ilhas encararam a reconstrução e o futuro das suas vidas fez com que não se tivesse registado novo surto emigratório, como nas décadas anteriores. A vida no arquipélago foi-se reerguendo com sacrifício e empenho.
Não deixa de ser relevante recordar o número açorianos entretanto emigrados para a América do Norte, seja em consequência de cataclismos, seja para fugirem às dificuldades.
Segundo o INE, entre 1950 e 1969, emigraram 93.289 açorianos, 48.755 para os EUA e  37.336 para o Canadá. Número significativo que aumentaria nos 15 anos seguintes para 181.335 pessoas, das quais 97.906 para os EUA e 74.454 para o Canadá.
Os que ficaram, por razões várias e porque a vida melhorou significativamente com o regime autonómico, não deixaram de sofrer os condicionalismos resultantes da insularidade e da constituição geomorfológica do arquipélago.
Assim, anos mais tarde, em 9 de julho de 1998, nova crise sísmica voltou a sacudir as ilhas do Faial e do Pico tirando a vida a 9 pessoas e provocando mais de uma centena de feridos, milhares de sinistrados e uma destruição significativa do património edificado.
Embora temendo o agravamento da situação que presentemente se vive em São Jorge, desejo apenas destacar o apoio, sem medida, prestado pelas Associações de Bombeiros Voluntários, pelos Serviços locais de proteção civil cujos dirigentes manifestam empenho, dedicação e competência e o auxílio das populações em geral que, nos momentos de infortúnio se unem em imensos gestos de solidariedade; a mesma que leva a comunidade internacional a acolher refugiados da guerra, manifesta-se, também entre nós, sempre que a terra abala a pacatez das ilhas, abrindo portas e acolhendo desalojados.
É no infortúnio que a unidade dos Açorianos se tem fortalecido.


1OS SISMOS DE 1964 NA ILHA DE S. JORGE (AÇORES) REGISTO DIÁRIO, G. ZBYSZEWSKI, T. Pacheco da ROSA, https://run.unl.pt/bitstream/10362/1469/1/CT_03_03.pdf
2AQUÉM E ALÉM DE SÃO JORGE- MEMÓRIA E VISÃO, Coordenação de Susana Goulart Costa , M aria Leonor Sampaio da Silva
e Duarte Nuno Chaves, S.Jorge, 2014

 

 

http://escritemdia.blogspot.com

*Jornalista c.p.239 A

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