O convite não deixava dúvida. Na noite de 22 de março, véspera do aniversário de 349 anos de Florianópolis, no aconchegante espaço cultural do “Café del Mar – Galeria” foi aberta a exposição Sentimento Insular do artista dos Açores, ícone das artes visuais e também escritor, Tomaz Borba Vieira, da Ilha de São Miguel. O espaço é pequeno e cheio de charme. Tem até uma estante de livros, onde os frequentadores levam livros e deixam outros num contínuo troca-troca. Seu proprietário é o argentino Guilhermo Torres radicado em Floripa. Pois, foi ali no Café del Mar, a lembrar as noites porteñas de Buenos Aires que encontrei exposto um belo conjunto de 18 obras entre desenhos originais e gravuras autenticadas. Sentimento insular captado com o olhar d’alma do pintor e a sensibilidade do homem escritor. A curadoria é do artista catarinense Edson Machado, vice-presidente do Instituto Internacional Juarez Machado, que desde março de 2019 tem a guarda de quarenta trabalhos valiosos de Tomaz Vieira. Na freguesia de Água de Pau, no cenário mágico do seu atelier e do Centro Cultural da Caloura, testemunhei um momento ímpar – a entrega, em absoluta confiança, de admiráveis trabalhos de viés intimista, a narrativa visual de sua arte liberta cheia de movimento a conversar entre si. A falar do mundo lírico e onírico do mestre Tomaz Vieira transbordando o sentimento insular que o abraça por inteiro e leva-nos de boleia pela admirável expressão artística e literária do patrimônio espiritual dos Açores.
A primeira exposição, Açores: a literatura desenhadas e realizou em junho de 2019 em Santa Catarina, na cidade de Joinville. Afinal, tratava-se de um antigo sonho: o de trazer a arte do mestre Tomaz Vieira ao sul do Brasil. Em agosto do mesmo ano, a arte escrita e ilustrada de Tomaz chegava à Ilha de Santa Catarina, sendo apresentada na galeria da Fundação Catarinense de Cultura. A mostra itinerante seguiria para outras regiões do Estado, entretanto tal não aconteceu devido a pandemia da Covid19 que congelou nosso viver e atingiu de forma drástica o setor produtivo, sobretudo, as atividades culturais e de entretenimentos engessadas em todos os continentes.
Exatos dois anos depois, na abertura do outono onde tudo renasce e frutifica, marcado pelo controle da pandemia e o fim das restrições sanitárias, o périplo das obras de Tomaz Vieira por terras catarinenses está de volta. O arranque aconteceu com a abertura desta exposição no Café del Mar, onde um conjunto heterogêneo, representativo daquelas quarentas obras, deixa transparecer a comunhão do artista e o mar da Ilha de São Miguel, seu espaço telúrico. Destaco a série de serigrafias “Haver navios” uma picardia do artista num jogo intencional de palavras a lembrar o dito popular “ficar a ver navios”, como também nos remete a tantas chegadas e partidas, saudade e sofrimento, afetos e memórias carregados por baixo da pele. Para trás o cansaço da espera a esperançar, olhos com lágrimas a lavar a cara fitos no horizonte líquido, a sentida orfandade da emigração. Retratos da diáspora açoriana a lembrar o poema Ilha do florentino Pedro da Silveira : “Só isto: /O céu fechado, uma ganho a pairando. /Mar./ E um barco na distância:/ olhos de fome a adivinhar-lhe, à proa, / Califórnias perdidas de abundância.”
Por último, caricaturas singulares de escritores lusos e não só: Luís Vaz de Camões, Manuel du Bocage, Guerra Junqueiro, Fernando Pessoa, Antero de Quental, Natália Correia, Emanuel Félix, Eduíno de Jesus, Dias de Melo, Angela Almeida e o moçambicano Mia Couto, uma saborosa aproximação do artista e a sua verve literária. A exposição no Café del Mar permanece até 22 de maio próximo.
Enquanto as obras da arte espacial de Tomaz Borba Vieira, a sua surpreendente narrativa visual da geografia urbana dos Açores, continuarem por cá fico a imaginar que aalma açoriana também estará...Até porque já dizia o poeta terceirense J.H.Santos , citado pelo picaroto Urbano Bettencourt, outro grande poeta:A alma do açoriano está nas telas de Tomaz com toda pujança, com todo desassombro de quem aceita viver em um espaço e torna-lo habitável.
* Vice Presidente do Conselho Municipal de Educação de Florianópolis /
Escritora da ACL