“Era mais sensato explorar a expansão do porto de P. Delgada para o exterior, criando um segundo molhe”
Diário dos Açores

“Era mais sensato explorar a expansão do porto de P. Delgada para o exterior, criando um segundo molhe”

Previous Article Previous Article Sofia Ribeiro diz que Atlântida Cine poderá abrir ainda este ano

Mário Fortuna, Presidente da Câmara do Comércio e P. Delgada

Agora que assumiu mais um mandato à frente da Câmara do Comércio e Indústria de P. Delgada, quais são as grandes prioridades para os próximos anos?
As grandes prioridades foram anunciadas na nossa tomada de posse e centram-se, resumidamente, em defender: Transportes Eficientes, o quer dizer transportes adequados às nossas necessidades efetivas e que não nos esgotem o orçamento por falta de eficácia e de eficiência; Turismo Com Futuro, significando o nosso apoio a um setor que veio diversificar mais um pouco a economia dos Açores e que, em 2019, já representava 12% do PIB e 20% do emprego dos Açores (não reconhecer isto seria abandonar cerca de 20 mil pessoas que trabalham neste setor); Indústria 5.0 e Verde, pretende ser o mote para abordar uma preocupação grande com as empresas da área da produção de bens nos seus desafios de adaptação ao duplo objetivo ecológico e digital que a Europa espera de nós, num contexto de grande turbulência dos mercados em que se abastecem; Recursos Humanos de Futuro, significando uma aposta na qualificação das pessoas, um objetivo há muito colocado na nossa agenda mas muito mal tratado pelos poderes políticos que preferiram projetos de fachada e programas ocupacionais que congelaram as pessoas no tempo, sem lhes proporcionar a formação recomendada e devida; Comércio e Sociedade Digital, implica um salto para todos num contexto em que cada vez mais o digital é a chave para a competitividade das empresas de todas as dimensões e de todos os setores, incluindo, em primeira linha, o comércio; Instrumentos Transversais Eficazes, que é uma manifestação de apreensão quanto à forma como se usam as políticas e os fundos públicos para se conseguir a eficiência e a eficácia necessários para um melhor nível de competitividade, com particular relevo para a forma como serão alocadas e aplicadas as verbas quer do PRR (o nacional e o regional), quer do PO2030, (ainda em elaboração e definição das verbas afetas a prioridades).Se o objetivo é convergir para a Europa então impõe-se tomar medidas efetivas para o efeito.
Cada uma destas áreas que consideramos estratégicas desdobra-se numa multiplicidade de medidas para dar mais potencial às nossas exportações de bens e de serviços que geram a riqueza de que necessitamos.

Fez questão de visitar o porto de Ponta Delgada e reunir com a Portos dos Açores. O simbolismo da visita foi para vincar a importância que o porto tem para os empresários?
Sim, para dar nota da importância que atribuímos a esta infraestrutura e também para dar nota do que nos vai chegando de informação e preocupações com muitos aspetos que não estão bem há tempo demais, quer no porto de Ponta Delgada quer no porto de Santa Maria.
Quase tudo o que compramos e o que vendemos passa por estes portos. Daí a sua importância fundamental. Não é admissível que a atracagem e a carga e a descarga de mercadorias nestes portos sejam ainda feitos com equipamentos do século passado, mal mantidos e com avarias graves recorrentes, fazendo lembrar as avarias sucessivas da frota da SATA de há uns anos atrás. Estas infraestruturas não podem ser descuradas como foram no passado ao ponto de o molhe de Ponta Delgada ficar significativamente danificado com uma tempestade das que começam a ser normais com o evoluir das alterações climáticas.
É preciso olhar para esta infraestrutura não só numa perspetiva de curto prazo, mas também numa perspetiva de longo prazo. É imperativo estudar o posicionamento estratégico do porto de Ponta Delgada e fixar planos estratégicos de evolução das respetivas infraestruturas e equipamentos.
O porto de Ponta Delgada não pode passar mais tempo sem um plano estratégico específico para a sua evolução no futuro tão importante é a sua função.

A construção de um novo porto está fora de questão?
Podíamos falar da construção de um novo porto, mas acho que será mais pertinente falar da resposta (ou falta dela) deste porto às nossas necessidades de competitividade, atual e futura, e decidir qual a melhor forma de ultrapassar os constrangimentos.
Se é um novo porto ou a adaptação do atual não sabemos ao certo embora nos pareça que seria mais sensato explorar a expansão da atual infraestrutura para o exterior, criando um segundo molhe.
As verbas para este estudo foram cabimentadas nos planos dos últimos anos, mas não saíram da inscrição decorativa no Plano (um pouco como tem acontecido com o dossier da nova cadeia de S. Miguel).
Não se pode deixar de planear com inteligência em função das perspetivas que se obtêm das operações correntes e do que se pretende para o futuro. A realidade muda e a realidade do Porto de Ponta Delgada mudou. É visível a sua nova função de apoio a navios de cruzeiro que compram serviços diversos que se transformam em exportações nossas. O porto não está preparado para tirar o máximo partido desta nova realidade sem prejudicar as outras operações de contentores e granéis, que afetam, diariamente, o nosso bem-estar e a nossa capacidade de competir.

Deve-se ou não rever o modelo de transporte marítimo de carga e passageiros?
Claramente que sim. As circunstâncias dos portos das Flores e do Corvo já determinaram uma alteração da aplicação do modelo no grupo ocidental. Falta fazer o mesmo no grupo oriental, entre S. Miguel e Santa Maria.
É preciso uma linha dedicada à ligação entre estas duas ilhas, para carga e passageiros, como já acontece nas outras, adentro cada grupo. Neste sentido Santa Maria é a ilha abandonada pese embora os sucessivos apelos que temos feito para que este assunto seja ultrapassado.
De qualquer forma, as ligações com o exterior têm de ser objeto de estudo para se aferir os seus reais custos e quem os suporta, para que se possam delinear modelos melhores, mais eficientes e mais eficazes. Importa também acabar com a política de se adaptar os portos aos barcos que vão aparecendo em vez de assegurar barcos que possam utilizar os portos existentes.

Que leitura faz do resultado da auditoria do TC ao fretamento de barcos pela Atlanticoline?
Esta auditoria é mais uma peça de evidência de quão mal foram geridas as empresas públicas, instadas, continuamente, a cumprir o que designo por mandatos não financiados.
Isto é, receberam ordens para suportar custos que ninguém assumia com a consequência de se terem de endividar e de apresentar resultados negativos, criando a sua óbvia insustentabilidade. Aconteceu com a SATA, aconteceu com a SINAGA, aconteceu com a Santa Catarina e certamente que aconteceu com quase todas as outras EPs, resultando num contributo enorme de ineficiência e perda de competitividade para a Região no seu conjunto.
Montar uma operação que teve sempre uma taxa de utilização de meios inferior a 25% é um “crime” que lesa, sobretudo, os muitos açorianos que pagam impostos e os muitos açorianos que estão sem emprego enquanto se montam operações megalómanas e escandalosamente deficitárias. O tema não é novo para nós. Já tínhamos alertado para o problema. Suspeitamos que o Tribunal de Contas apenas tocou na ponta de um iceberg sendo necessário ir mais longe e mais fundo na abordagem da questão dos mandatos não financiados, a mando dos governos, sob pena de continuarmos a ter o espetro das falências de entidades públicas de dimensão considerável que depois corroem a estabilidade das finanças públicas como foi evidente na última década.

E no que respeita ao aeroporto de P. Delgada, qual a posição da Câmara do Comércio?
Não podemos, tal como fizemos no caso do porto, deixar de realçar a importância do aeroporto de Ponta Delgada.
Esta infraestrutura acomoda cerca de 70% do tráfego aéreo comercial dos Açores, sendo uma infraestrutura fundamental para a nossa exportação competitiva de serviços na área do turismo. Não pode falhar em nada sob pena de fazer falhar a Região no seu todo.
Ninguém fecha a porta principal do seu estabelecimento sem sofrer as consequências da perda de negócio. Não é admissível que o aeroporto de Ponta Delgada não dê cabal resposta a toda a procura que o demanda. Tem de responder com equilíbrio e eficazmente.
Das reuniões que mantivemos com companhias aéreas, companhias de transporte marítimo e operadores de infraestruturas (Postos dos Açores e VINCI) constatamos a perceção de sentido de urgência por parte todos e o firme propósito de ajustar estas infraestruturas para a prestação de um serviço de qualidade que se transforme num serviço que contribua positivamente para a nossa competitividade. Tomamos conhecimento do que se está a fazer, no imediato, quer por parte da Portos dos Açores quer por parte da VINCI, para que as respetivas infraestruturas não sejam um entrave ao desenvolvimento, mas antes uma alavanca para este desenvolvimento.
Há medidas que serão percetíveis no imediato e outras cujo planeamento requer mais alguma espera porque muitos processos foram parados algures no tempo por falta posicionamento estratégico e devido à intromissão de outros objetivos, tipicamente políticos.

jornal@diariodosacores.pt

Share

Print
Ordem da notícia791

Theme picker