Diário dos Açores

Mário Mesquita: uma enorme perda para os Açores e para o Jornalismo Português

Previous Article A vergonha do governo na Ferraria
Next Article Morreu Mário Mesquita, o açoriano formador de várias gerações de jornalistas Morreu Mário Mesquita, o açoriano formador de várias gerações de jornalistas

A notícia chegou-me assim inesperada e violenta como sempre quando não esperamos a perda de um amigo.
Sabia que a cirurgia tinha corrido bem e estava no recobro. Estava seguro que ele ficaria bem.
Hoje chegou pela voz de um amigo comum a notícia do seu falecimento na noite passada.
Conheci o Mário há mais de cinquenta anos.
Os nossos pais eram amigos, tinham sido ambos professores primários e ambos foram para a aviação, o meu pai para a Air France em Santa Maria e o Sr. Higino Mesquita para a Sata logo desde o seu início.
O Mário, mais velho do que eu meia dúzia de anos, foi para Direito, para Lisboa, e, naquele dia, teria talvez uns dezanove anos e eu uns treze, passou em Santa Maria a caminho de Lisboa e foi lá almoçar a casa.
Recordo-me perfeitamente desse dia e da conversa dele com o meu pai sobre a sucessão de Salazar. Segui atentamente a conversa e estava encantado pela forma segura e informada com que discorria sobre a falsa abertura da Primavera Marcelista.
O Mário, na altura, era um activo militante da CDE, oposição democrática. Poucos anos depois e ainda antes do 25 de Abril enviou-nos autografado o seu “Portugal sem Salazar”, editado creio que pela Assírio e Alvim.
Acabámos por nos reencontrar no jornalismo. Ele, primeiro, no República, depois, como jovem Diretor do Diário de Notícias (talvez o mais jovem). Eu trabalhava na redação do Telejornal, no Lumiar, e estava a estudar, mas gostava de ir ter com ele à Avenida da Liberdade onde ficávamos a conversar até ele fechar o jornal já muito tarde.
O Mário foi depois para a Bélgica, onde se licenciou em Comunicação em Lovaina, deixando o Direito para trás.
Depois, em 85, já eu estava como Diretor da RTP-Açores, fizemos dez placas comemorativas do décimo aniversário. A primeira foi para o General Eanes, então Presidente da República, porque foi como Presidente da RTP que decidiu instalar a RTP-Açores. E outra foi para o Mário, que tinha liderado um grupo de estudo para o arranque da RTP-Açores.
Em 1995, no meu regresso a Lisboa, o Mário convidou-me para dar aulas na primeira Licenciatura de Jornalismo em Portugal, criada por ele na Faculdade de Letras de Coimbra. Privámos durante três anos, muitas vezes fazendo juntos de carro a viagem para Coimbra.
Nunca mais deixámos de nos encontrar nos bons e maus momentos, com telefonemas e almoços juntos. O Mário, apesar de ter um ar austero e reservado, tinha um humor fino que partilhava com os que lhe eram mais próximos. Um espírito brilhante, de uma vasta cultura e um grande jornalista. Grande jornalista a escrever e a ensinar, com imenso saber teórico e prático da profissão. Recebeu inúmeros prémios de Jornalismo e outras distinções e recentemente um doutoramento Honoris Causa pela Universidade do Porto. Lecionou no ISCTE, na Universidade Lusófona e na Escola Superior de Comunicação Social, onde ainda dava aulas no Mestrado.
Recentemente foi nomeado vice-Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Não era propriamente feliz nessa função de regulador.
Tinha sido fundador do Partido Socialista com Mário Soares na Alemanha em 73. Foi deputado na Constituinte junto com dois amigos Açorianos de quem muito gostava, Jaime Gama e José Medeiros Ferreira, este último também já desaparecido. Afastou-se da atividade partidária em 78, mantendo-se, porém, sempre, como um homem de esquerda e um amante da Liberdade. Era demasiado livre para ser regulador ou militante partidário…
Ele gostaria de ser lembrado hoje, mais do que tudo o que foi, como um Jornalista independente e um Pensador livre.
E foi. Talvez como nenhum outro que eu tivesse conhecido.

Lisboa 26 de Maio de 2022

 

José Maria Lopes de Araújo *

Share

Print

Theme picker