Diário dos Açores

Pensar fora da concha depende de nós ou também do sol que nos rodeia?

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“É que hoje parece bastar um pouco de céu.”
Mafalda Veiga

Quando o sol nasce, dizem, é para todos. No entanto, às vezes não é assim que nos sentimos. No livro infantil de Amélia Lopes, de nome “O sol da Caracolinha”, da editora Letras Lavadas, com ilustrações de Ana Margarida Carvalho, é mesmo assim que esta pequena criatura se sente: sem sol. E segue em busca dele, perguntando, investigando, querendo saber como se chega até ele.
Quando os dias estão cinzentos, real ou metaforicamente cinzentos, também procuramos este sol que todos querem encontrar. Às vezes desistimos, caímos e levamos mais tempo para nos levantarmos, mas o sol está sempre lá. É uma questão de perspetiva.
Ontem encontrei o sol no sorriso de uma mãe no hospital. Ela aguardava uma consulta para a sua filha, assim como eu, e consegui perceber que a sua menina era muito pequenina, recém-nascida, provavelmente. Quando a enfermeira ao pé delas chegou, agarrou na menina e disse, sem qualquer reticência: “Ah tão pequenina que tu és”. Inicialmente, vi aquele comentário com mimo e atenção, e realmente tudo isso tinha, mas a expressão no olhar daquela mãe disse-me o contrário: a filha era pequenina, sim, não porque tivesse nascido há pouco tempo, mas porque não podia ser maior. E a enfermeira percebeu isso mesmo e logo emendou: “pequenina, mas pesadinha.” Aí o sol daquela mãe chegou, brilhou e fê-la sonhar com aquilo que a filha virá a ser.
É sempre assim, não é? Quando o sol não é tão bondoso com os nossos filhos ou familiares, agarramos sempre na esperança de que é uma fase, de que vai passar, de que – juntos – vamos conseguir. E realmente conseguimos sempre, bem ou mal!
Por tudo isso, encanto-me cada vez mais com histórias infantis como esta, onde encontramos a nossa vida, a nossa dor e as nossas alegrias. Este é um livro que nos mostra o poder do acaso, dos imprevistos e das suas resoluções, das coincidências e das proveniências de algo maior e superior a todos nós. Esta é uma história que nos traz verdade, intuição, aceitação e realidade. Tudo isso num livro infantil? Sim, tudo isso e muito mais.
A verdade é que a concha onde vivia esta Caracolinha muitas vezes é o seu refúgio, mas é quando sai dela e fala com os seus semelhantes que a sua vida muda exponencialmente e que se sente a crescer, a viver mais, a encontrar mais rapidamente o seu sol. Os caracóis andam devagar, claro, assim como cada um de nós tem o ritmo e o seu modo de ver e viver a vida. E isso também acontece com as nossas crianças, que querem ser como os seus amigos, que não querem ser diferentes, mas que na doença percebem que cada um é aquilo que a vida lhe dá, ou que nós pedimos, e só assim o sol terá mais brilho, mesmo que escondido, no nosso dia-a-dia. Só assim seremos mais resilientes.
A vida não é vida sem sol, como também não é o se não tiver dias cinzentos. Por isso, nos dias em que nos basta “um pouco de céu”, o mais importante é conseguirmos ver o sol a espreitar e a dizer: “estou aqui”. Porque ele está sempre, nós é que por vezes não o vemos!


*Diretora da Livraria Letras Lavadas
Editora da 9idazoresnews.com

Patrícia Carreiro*

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