Estão passando por estes dias cinquenta anos sobre a minha primeira viagem aos Estados Unidos da América. Parti de Lisboa num dos últimos dias de Maio e estiveram no Aeroporto a despedir-me dois amigos já falecidos, um deles mesmo tragicamente, António Borges e António Patrício Gouveia, colegas de estudos, ambos, no Curso de Económicas, com quem na altura convivia bastante.
A viagem decorreu de um convite do Governo Americano, transmitido através da Embaixada em Lisboa, e destinava-se a estudar o funcionamento das instituições do regime democrático. Teve por isso uma primeira paragem em Washington, a capital federal, para contactar com o Congresso e com a Administração, enquanto se preparava toda a programação do meu périplo pelo grande país, que haveria de durar um mês inteiro.
Recordo-me bem da minha entrevista com o Senador Spark Matsunaga, de ascendência japonesa, eleito pelo Estado do Hawaíi. E da minha surpresa ao verificar que a National Riffle Association tinha a sua sede mesmo ao lado dos edifícios dos escritórios dos Senadores e em frente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, o que evidencia o seu enorme poder de lobbying, comprovado pelo constante invocar da Segunda Emenda à Constituição, que garante a todos os americanos o direito de usar armas, com as horríveis consequências bem visíveis nos frequentes massacres que continuam a repetir-se com frequência.
A paragem seguinte foi em Los Angeles, Califórnia, onde se preparava a realização das eleições primárias para as presidenciais de Novembro seguinte; estive numa sessão de esclarecimento de um dos concorrentes, o Senador Hubert Humphrey, por sinal organizada em simultâneo com um Bar Mitsvah, cerimónia da Comunidade Judaica muito concorrida. Ainda visitei locais de promoção das diversas candidaturas, sendo atendido por voluntários, a maior parte deles jovens estudantes universitários; e estive presente na Festa da Vitória do candidato vencedor, o Senador Mc Govern, esperança dos eleitores do Partido Democrático, que afinal não conseguiria derrotar o Presidente Nixon, então em funções.
Em San Francisco - para onde se devia levar, conforme recomendação de uma canção ao tempo muito em voga, “flowers in your hair”, recomendação que obviamente não segui - pude encontrar representantes da nossa comunidade de emigrantes, participei em várias iniciativas da mesma e visitei instituições prestigiadas em algumas das cidades da vizinhança, nomeadamente a UPEC, em San Leandro, impulsionada pelo dinamismo de Carlos Almeida, então no seu apogeu. Em San José fiquei em casa dos Pais de José Maurício Alves, antigo vizinho e companheiro de infância.
A etapa seguinte foi no Estado de Iowa, na cidade de Sioux City, cujo Mayor me nomeou Cidadão Honorário, com todos os direitos e obrigações inerentes , excluindo expressamente a de pagar impostos... Do programa constava uma visita a uma grande unidade de produção de cereais e de carne de bovino; infelizmente, não calhou visitar a reserva de índios Sioux que ficava nos arredores. E daí parti para New York, mítico destino de qualquer visitante dos Estados Unidos, onde andei pelas ruas e pelos monumentos mais famosos, incluindo o Empire State Building, na altura a arranha-céus mais alto da cidade, entrei em algumas das imensas livrarias e fui ver uma das peças musicais em cartaz na Broadway, “ O violino no telhado”. No Domingo que lá passei, ao voltar da Missa para o hotel, perto de Madison Square Garden, comprei o New York Times e descobri, numa das páginas interiores, uma pequena notícia sobre o arrombamento das instalações da sede nacional do Partido Democrático, em Watergate, Washington, onde tinha sido recebido dias antes, por uns meliantes, que veio depois a saber-se estarem a soldo de gente próxima do Presidente dos Estados Unidos, dois anos depois forçando este a renunciar ao cargo no meio de um gravíssimo escândalo.
Na tarde desse mesmo dia tomei um avião para San Juan de Puerto Rico. Tinha pedido que a observação da especial relação existente entre a antiga colónia espanhola e o Estado Americano fosse incluída no programa da minha visita de estudo, por razões óbvias. Escrevi depois sobre o que pude observar um extenso artigo, publicado no Diário dos Açores, na série das Cartas de um Deputado. Mário Mesquita, nessa altura jornalista no República, de Lisboa, comentou, com a ironia que lhe era peculiar e que tanto lastimamos ter sido perdida recentemente, esse meu artigo, sugerindo conclusões por ele próprio deduzidas.
Ainda passei um par de dias em Atlanta, Geórgia, onde fui recebido por um casal negro, ele professor universitário, apreciando os progressos verificados nas lutas pela igualdade racial, na altura em fase muito acesa. A última escala foi em Boston, Massachusetts, bem perto novamente das nossas comunidade de emigrantes, que visitei em vários pontos, dedicando todo um Domingo a Fall River, onde me acolheu o meu futuro Compadre José Jorge Diogo, ao tempo emigrante de fresca data, com a sua numerosa família de muitos Irmãos e Irmãs, todos oriundos dos Remédios da Bretanha, hoje com filhos e netos nascidos na América dos seus sonhos. Fui e voltei de autocarro e depois do almoço estivemos no Kennedy Park, onde funcionava então uma espécie de Feira Popular.
Da capital do Estado guardo como momento especial a recepção na State House, em sessão da Câmara dos Representantes, onde tinham assento diversos descendentes de conterrâneos nossos, entre eles Carlton Viveiros, que viria depois a ser Mayor de Fall River, talvez um dos que mais fez pelo progresso e modernização da antiga Cidade dos Teares.
Voltei muitas vezes aos Estados Unidos, mas nenhuma dessas viagens de comparou, em extensão e aprendizagem, com a primeira, que foi para mim uma verdadeira descoberta da América.
* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico.)
João Bosco Mota Amaral*