Diário dos Açores

Por um discurso diferente

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Gostava de saber por quanto tempo mais a “Tarifa Açores”(TA) será evocada como a medida política de maior alcance do atual Governo dos Açores que importa publicitar até à exaustão.
A celebração evocativa desta decisão feita pelo Chefe do Executivo no dia Mundial da Criança (!), deve constar da “cartilha” publicitária dos responsáveis políticos da coligação, tantas são as referências que lhe fazem.
Duvido, porém que, com o aumento dos combustíveis, um maior rigor na gestão imposto pela UE e a subida da inflação, a SATA não se veja obrigada a “ajustamentos” e a uma maior comparticipação do erário público.
É tempo de o Governo e a coligação encontrarem outra medida mais interessante, uma vez que a referência à TA já se vai tornando cansativa. A mudança é inevitável. Há que programar o futuro e novos problemas, certamente, se nos vão deparar.
Um deles, já sobejamente referido e analisado, inclusive pela Conselho Económico e Social é o declínio demográfico.
Mais que a “tarifa Açores”, o envelhecimento da população tem consequências diretas  importantes no desenvolvimento  sócio-económico de cada ilha e do arquipélago no seu todo, pois contribui para o agravamento das situações de pobreza e exclusão social e atinge também a área dos cuidados de saúde a que qualquer açoriano tem direito, viva ou não em ilhas com hospital.
Ainda recentemente, o Banco Alimentar contra a Fome anunciou que durante o ano passado distribuiu 1.043,97 toneladas de alimentos, em São Miguel, destinados a ajudar mais de 17.086 pessoas (13% da população da ilha), 40% das quais, crianças.
No corrente ano, aquela instituição apoia, mensalmente, 720 agregados familiares.
Já esta semana a imprensa noticiou que 28 mil famílias receberam da Segurança Social um apoio mensal de 60 € para fazer face ao aumento dos preços dos bens alimentares de primeira necessidade e ao consumo de eletricidade.
Falando ainda de apoios sociais, a imprensa referiu que em 2021, 34.500 crianças receberam um complemento ao abono de família no montante de 2,5 milhões de euros e que, no ano corrente, a isenção das comparticipações familiares no acesso às creches permite que as famílias poupem cerca de 2 milhões de euros.
Vivemos num arquipélago com a taxa de pobreza de 28,5% - a mais alta do país; é aqui que existe a maior desigualdade na distribuição de rendimentos e a exclusão social atinge os maiores níveis.
A situação é de tal modo grave e perturbadora do tecido social que não percebo como é que no Parlamento Açoriano há quem cante lôas à redução, em 2021, do número de beneficiários do RSI – um ridículo contributo do estado, considerado até pela tutela como de pequena monta.
A mensagem destinou-se, certamente, a “acalmar” outro parceiro da coligação e outras vozes críticas, mentalizadas por quem acaba por beneficiar de tão magros benefícios.
Não são estes estratos da população, muito menos as crianças que no primeiro dia de junho celebraram, alegremente, o seu Dia, que beneficiam da Tarifa Açores e viajam para conhecer as ilhas. Tal não permitem as poupanças de muitas das suas famílias, pois mal dão para um prato de sopa.
O encontro de Bolieiro com a comunicação social, onde esteve o Presidente da SATA, dirigiu-se à classe média alta, cujos salários permitem pagar alojamento, aluguer de viatura, custear despesas de refeição e outras, com “vouchers” e descontos.
Se o objetivo do Chefe do Executivo foi “picar” o Governo da República para resolver o problema dos reembolsos aos viajantes açorianos, então deveria tê-lo feito em comunicação formal no Parlamento, recolhendo o apoio político e democrático da maioria. Aí aproveitava também para anunciar as ligações diárias da SATA com o Corvo e retirava protagonismo ao líder do PPM.
Em política o que parece é, pelo que o Presidente Bolieiro necessita de assumir-se perante a opinião pública, como líder forte do Governo e da coligação, mais do que o candidato natural do PSD a novo mandato.
Relevar a redução fiscal, a criação da tarifa Açores e a valorização das carreiras profissionais na saúde e na educação como o muito que já foi feito em tão pouco tempo, são medidas concretas. No entanto, anunciar como prioridades da governação as sempre necessárias reformas na educação, na saúde, na mobilidade, na ciências e nas economias verde e azul, é um discurso muito vago que, por si só, não mobiliza os açorianos, nem atrai o eleitorado descrente e desmotivado.
Na saúde, espera-se alterações profundas nos cuidados primários, muito mais que novas infraestruturas físicas.
A política de saúde dos últimos governos do PS no respeitante aos centros de saúde das ilhas sem hospital traduziu-se num retrocesso que importa alterar rapidamente. Há populações idosas e frágeis afetadas, a quem se impõe deslocações via marítima a outra ilha para uma simples consulta de especialidade e exames de diagnósticos, ou, por incrível que pareça, a deslocação a outro centro de saúde para realização de teste à covid 19. Estas são medidas de rotina que já deviam ter sido implementadas.
A reforma dos cuidados de saúde é urgente. Resta saber se o Governo de Bolieiro tem coragem para enfrentar os lóbis do setor e implementar um serviço que proporcione mais saúde, segurança e vida a TODOS OS AÇORIANOS, por igual.
E porque não abrir um debate, auscultando os utentes e profissionais de saúde sobre esta matéria?
Espero também que as anunciadas reformas sobre as novas economias verde e azul e o desenvolvimento digital se concretizem em projetos de curto e médio prazo.
A dimensão atlântica e as potencialidades marítimas e espaciais que se abrem à exploração de novas economias e energias (off-shore) tardam em entrar no discurso governativo e na cansativa e desinteressante oratória parlamentar.
A Autonomia, fruto de condicionantes diversas, internas e externas, exige que os políticos regionais transmitam confiança aos açorianos num futuro melhor, sejam ambiciosos nos projetos de desenvolvimento e inovadores nas reformas.
Só assim as jovens gerações, cada vez mais escolarizadas e competentes acreditarão que temos capacidade para gerir o nosso destino e afirmar e fazer respeitar as nossas diferenças.

*Jornalista c.p.239 A

http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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