O triunfo da Autonomia

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Opinião

A sessão solene comemorativa do Dia dos Açores teve este ano lugar na Lagoa, que está comemorando, sob a esclarecida liderança da sua Presidente de Câmara, Cristina Calisto, os 500 anos de elevação a concelho e o décimo aniversário do seu estatuto de centro urbano. Por decisão das mais altas Entidades Regionais, ficaram assim associadas ambas as honrosas celebrações, o que plenamente se justifica.
Foi deveras empolgante verificar a unanimidade de pontos de vista dos vários oradores, representantes dos partidos políticos com assento parlamentar e ainda, como aliás seria expectável, dos Presidentes dos Órgãos de Governo Próprio Regional, Luís Garcia, da Assembleia Legislativa e José Manuel Bolieiro, do Governo da Região Autónoma, no tocante ao regime autonómico, na sua versão em vigor, decorrente da Revolução do 25 de Abril e da Constituição de 1976 e suas sucessivas revisões. À medida que se aproxima o meio século de vigência da nossa Democracia, o consenso sobre a mesma e a sua aplicação prática nas nossas Ilhas comprova-se ser bem forte!
No princípio não era assim e a nossa Nova Autonomia Democrática arrancou num clima de suspeitas e reticências, quando não mesmo de oposição frontal e até de sabotagem política, várias personagens e correntes “fazendo figas” para que o tradicional desentendimento açoriano levasse o regime ao colapso... Mas em breve se viu que a forte Maioria social-democrata existente na Assembleia Regional e o Governo que dela dependia estavam fortemente empenhados no propósito de unir as nove Ilhas dos Açores e o Povo da nossa Diáspora, combater as injustiças existentes, em benefício das classes trabalhadoras mais desfavorecidas, e lançar com bases sólidas um processo de desenvolvimento económico-social e cultural, que vencesse o nosso atraso antigo e fizesse despontar nas nossas Ilhas um horizonte de esperança.
Correspondíamos assim ao mandato eleitoral recebido do Povo Açoriano, em eleições livres e justas, o qual é a base sólida sobre a qual desde o princípio assentou o novo regime. Recorde-se que nas eleições para a Assembleia Constituinte - as primeiras eleições realmente democráticas de toda a nossa História, feitas a partir de uma Lei Eleitoral que alargou o direito de votos a todas as pessoas com mais de 18 anos, sem qualquer discriminação, como antes era comum, de sexo, de cultura ou de riqueza - de um total de 159 419 eleitores inscritos votaram 144 638, ficando a abstenção por 9,27%; o PSD teve 85 788 votos (59,3%), o PS 38 906 (26,9%), o CDS 5118 (3,5%) e o PCP 2745 (1,9). Em consequência, o PSD elegeu 5 Deputados e o PS elegeu 1.
Evoco estes números porque tem sido frequente associar a amplitude da Autonomia Constitucional, aliás bastante travada na sua fase inicial, por obra e graça dos partidos aqui eleitoralmente derrotados, ao impacto da manifestação do 6 de Junho. Sempre afirmei que tão importante acontecimento acelerou a urgência da Unidade Açoriana e teve de resto um importante significado nacional, como primeiro sinal do levantamento popular contra o “gonçalvismo”, que veio a dar origem aos episódios do 25 de Novembro e à estabilização do clima político em Portugal. E fui eu próprio quem sugeriu ao Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada o arruamento a designar com data tão inegavelmente histórica, na proximidade do Palácio da Conceição e por onde a manifestação tinha desfilado, ao aproximar-se da tradicional sede do Poder na nossa Ilha de São Miguel. 
Mas quando a questão da Autonomia das Ilhas Portuguesas do Atlântico chega a debate, em sessão plenária da Assembleia Constituinte, já estávamos em Março de 1976 e a efervescência romântica do Verão Quente entrara em maré de acalmia. O combate então travado retirou a sua força máxima dos votos obtidos eleitoralmente; e afinal é sobre a vontade expressa do Povo Açoriano que a Autonomia Constitucional tem vindo a evoluir e a fortalecer-se ao longo do tempo, felizmente num tom cada vez mais consensual. Assinalo que o regime autonómico em vigor partilha o nome com a anterior autonomia administrativa distrital, mas tem um conteúdo completamente diferente, visando, em sintonia com a Revolução, a emancipação do Povo Açoriano.
Ouvem-se críticas a praxes, nos tempos fundacionais inexistentes, que parece isolarem os responsáveis regionais numa espécie de “bolha político-partidária”, da qual estariam afastados os cidadãos comuns. Julgo que tal impressão tem algum fundamento e daí que várias vozes se levantem a propor alterações da Constituição e das leis eleitorais, em termos de aproximar os cidadãos do exercício do Poder.
 De entre tais modificações destaca-se o fim da proibição de criação de partidos regionais, bem como a possibilidade de listas de cidadãos concorrerem ás eleições, pondo termo ao monopólio que na matéria detêm os partidos políticos. Dentro dessa mesma linha tem sido apresentada a alternativa de a votação se fazer com listas abertas, podendo os eleitores escolher os seus representantes directamente.  Não hesitaria em subscrever quaisquer dessas propostas!
 Tal como, na linha de reivindicações antigas, a de se criar um círculo eleitoral próprio para cada Região Autónoma nas eleições para o Parlamento Europeu, para acabar com a necessidade da complacência das lideranças partidárias nacionais na feitura das listas e, no limite, para evitar a repetição da situação actual de total ausência de um representante dos Açores em tão importante organismo, como nunca tinha acontecido desde o início da nossa integração na União Europeia. Relendo documentos de outrora para preparar uma intervenção de âmbito universitário, verifiquei que, nos tempos do Bloco Central, o Governo da República apresentou no Parlamento uma proposta de lei com tal conteúdo, que não chegou a ser votada. Mas, pelos vistos, houve um momento de consenso, em matéria tão fundamental, entre os dois maiores partidos políticos portugueses. Oxalá seja possível repetir tal façanha!


João Bosco Mota Amaral

(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.)     

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