Diário dos Açores

20 anos depois, que balanço?

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A passagem dos 20 anos da circulação do euro em Portugal (março de 2002) foi assinalada com algum relevo no país. Todavia e só por uma provável e inquietante reserva coletiva de opinião tanto da parte do governo e instituições em geral, como da parte dos principais jornais, rádios e televisões portugueses, ninguém se pôs a fazer balanços ponderados do que foi, entretanto e ao longo deste tempo, possível ganhar e/ou perder com a opção (entretanto não generalizada na UE) pela moeda única.
Minto. Fugindo ao amorfo comportamento comum, restringido ao elogio acrítico do euro, afinal uma força política portuguesa, o PCP, fugiu a este “sistema” e exerceu sem reservas o seu direito à diferença e ao pensamento crítico, promovendo a realização, a 24 de maio passado, de um colóquio internacional sobre a moeda única e as suas consequências até aos dias de hoje. Neste colóquio, ficou-se a saber que afinal existem no país e na UE especialistas da área económica e política que têm uma opinião menos risonha, e mesmo desfavorável, à adesão de Portugal ao euro e até à sua introdução em substituição das moedas nacionais.
O economista João Ferreira do Amaral, por exemplo, concluiu perentoriamente que “se os efeitos do euro nos últimos 20 anos se repetirem, dificilmente Portugal sobreviverá”. “Com a moeda única, o Estado deixou de ser o último garante da atividade económica e social no país”. “Perdeu-se a capacidade de produzir bens transacionáveis e investiu-se muito em atividades especulativas”, resultando daí a atual enorme e injusta dívida externa portuguesa. Vários dos participantes, apesar de reconhecerem ser este um debate difícil,  concluíram da necessidade de impor-se uma saída negociada de Portugal da moeda única e a recuperação da sua soberania monetária, para obstar à contínua destruição da capacidade produtiva nacional e ao constante agravamento das situações de injustiça social, degradação das condições de vida, de rendimentos e de trabalho, associáveis aos condicionalismos impostos pela circulação do euro e pelos tratados europeus a ele inerentes…
João Rodrigues, da Universidade de Coimbra, demonstrou, por exemplo, que segundo as regras da moeda única e do PEC, “os Estados Sociais de cada país da UE não existiriam. Seria impossível criar o Sistema Nacional de Saúde português…”. Outro economista, José Lourenço, concluiu: “Apesar de terem aterrado mais de 88 mil milhões de fundos europeus, o investimento no país diminuiu.” E, segundo Eugénio Rosa, “esse investimento não tem servido sequer para renovar a capacidade produtiva existente que além do mais foi parar a mãos estrangeiras que subtraem em lucros para fora do país muito mais que os fundos comunitários que entram…”
A eurodeputada Sandra Pereira demonstrou que depois da chamada crise das dívidas soberanas, o euro foi incapaz de proteger os países do Sul (Portugal incluído) não tendo passado de ilusões as preocupações sociais, ambientais e da transição digital, tantonas medidas tomadas, como nas previstas no Plano de Recuperação e Resiliência.
Constatando que: «Antes do euro, de 1976 a 1998 e depois do euro, de 1999 a 2021,o crescimento anual médio de Portugal passou de 3,4%, para 0,8%”, Jerónimo de Sousa concluiu: “A necessária libertação do euro é um processo democrático, responsável, cuidadosamente preparado, que deve contar com a participação e o apoio maioritário da população, protegendo os seus rendimentos, poupanças e níveis de vida.”

Mário Abrantes *

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