Diário dos Açores

O Buraco social em que nos meteram os “baixos salários”

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A prática continuada de baixos salários meteram os Açores num “buraco” social que tem produzido uma quantidade enorme de gente a viver na miséria, à qual se junta outra tanta que vive numa pobreza remediada, e uma classe média não consegue melhor que uma vidinha em permanente aperto financeiro.
Mais de 31% da população açoriana vive na pobreza; e o nível médio de salário líquido mensal nos Açores ronda os 800 euros.
Nos Açores, a economia assenta no sector primário, agricultura e pescas, e no do turismo, onde a larga maioria recebe o salário mínimo.
Os diversos governos e as elites empresariais dos quase 50 anos de Democracia não conseguiram ainda encontrar o modelo económico adequado ao desenvolvimento franco, sustentado, equilibrado e harmónico de todas as ilhas da Região, e desta como um todo.
Enquanto que um jovem recebe em Zurique cerca de 30 euros à hora em trabalhos temporários, para juntar uns “trocos” para as férias, receberia pouco mais do que 4 euros se o fizesse nos Açores.
A Suíça é hoje um país muito rico, onde os salários são perto de 10 vezes mais elevados do que em qualquer outro dos países da Europa Central; e mesmo tendo um elevado nível salarial, consegue impôr-se nos mercados internacionais, contabilizando as suas exportações 60% do Produto Interno Bruto e apresentando sistematicamente um saldo positivo da sua Balança de Pagamentos (exportações – importações) de mais de 15%.
Os principais produtos ou serviços exportados são ouro (24%), mesmo apesar de há mais de 50 anos não haver minas de ouro no país, este é refinado e comercializado em Zurique, serviços financeiros e de seguros (20%), produtos farmacêuticos (16%), relojoaria e jóias (9%), maquinaria industrial de precisão (5%) e próteses médicas (2%).
Mas nem sempre foi assim; há 100 anos, a Suíça era um país pobre, agrícola, e onde no inverno as pessoas se aqueciam ao lado do fogão a lenha e mergulhando os pés em bosta de vaca. Hoje em dia, o sector agrícola representa menos de 2% do total do Produto Interno Bruto.
O que será que foi feito para que tivessem chegado ao actual elevado nível de desenvolvimento, e que comparação se pode fazer com os Açores dos anos da Democracia?
Analisemos os seguintes áreas em ambas as realidades: o ensino secundário, o ensino superior, o financiamento das pequenas e médias empresas, o sistema de transportes de mercadorias e o sistema político e a organização da administração pública.

Ensino Secundário
A aposta suíça na educação e na especialização das jovens gerações foi muito forte.
A autoridade dos professores na sala de aula é incontestada; a classe é muito respeitada e aufere salários ao nível das profissões técnicas superiores mais especializadas.
O rigor exigido aos alunos obriga-os a um mínimo de 13.5 valores para passarem.
O ensino profissionalizado, com cerca de 75% da totalidade dos estudantes, é feito em ambiente empresarial, conferindo a cada aluno uma carteira profissional no fim do ensino secundário. Os alunos passam, nos últimos três anos do secundário, entre dois a três dias por semana no trabalho e os restantes na escola, e auferem mensalidades de 800 euros no primeiro ano e como finalistas, de 1’300 euros.
Após os estudos secundários, ingressam no mercado de trabalho e ficam financeiramente independentes dos pais. A grande maioria, começa uma vida em conjunto e pouco tempo depois vêem os filhos.
Os que querem continuar na via académica, a tempo integral na escola, têm que fazer um exame de admissão, de matemática, alemão e francês, onde lhes é exigida uma média mínima de 13.5 valores.
A família dos que seguem por esta via académica recebe cerca de 220 euros mensais para apoio às despesas escolares.
O acesso ao ensino superior não está sujeito a “numerus clausus”, sendo única excepção o ingresso em medicina, dependendo somente da passagem nos exames finais do secundário.
Estes exames finais do secundário estão também abertos aos alunos que tinham decidido pela via profissional, em qualquer altura do seu percurso profissional; não há qualquer estigma negativo para com aqueles que preferem iniciar mais cedo a sua vida profissional.
A realidade nos Açores é bem conhecida de todos; os professores são mal pagos, perderam toda e qualquer autoridade na sala de aula, promove-se o facilitismo em detrimento do rigor e da excelência.
Não existe praticamente ensino profissional e quem nele ingressa não tem os estágios em ambiente empresarial integrados nos “curricula”, não lhes é atribuída uma carteira profissional e quando conseguem um estágio, trabalham de “borla” ou, na melhor das hipóteses, auferem um salário de miséria.
Quando acabam os estudos, começam a trabalhar e a ganhar o salário mínimo; a maioria fica-se pela casa dos pais, pois não são financeiramente independentes.

Ensino Superior
A universidade técnica suíça beneficiou de uma parceria muito forte com as melhores universidades americanas de engenharia, com o por exemplo o MIT e Stanford; conseguiu reunir um corpo docente de muita qualidade e é financiada pelo Estado e o pelo mundo empresarial, que contribui com 70% do total do investimento em investigação e desenvolvimento.
A Suíça gasta cerca de 3% do seu Produto Interno Bruto em investigação; mais de 20’000 milhões de euros e cerca de 3.7% da população suíça é doutorada.
A ETH, a faculdade de engenharias, tem um gabinete de patentes de apoio aos estudantes que regista anualmente mais de 5’000 patentes, mais de 20% da totalidade das que são registadas em todo o Mundo. Mais de 30 start-ups são criadas anualmente por finalistas de engenharia.
Em contraponto, a Universidade dos Açores não tem departamentos fortes de engenharia, vive permanentemente com enormes dificuldades financeiras, e por isso não consegue atrair professores de alta craveira internacional para o seu quadro docente.
Os professores e os investigadores desenvolvem as suas actividades num contexto de crónico estrangulamento financeiro, estando uma grande parte destes com vínculos precários à instituição.
Os Açores gastam menos de 0.5 % do seu Produto Interno Bruto em investigação e desenvolvimento, pouco mais de 20 milhões de euros, e a quantidade de doutorados na Região é residual. Não consegui encontrar nenhuma patente que tivesse sido registada nos Açores ou pela Universidade dos Açores.

Financiamento das Pequenas e Médias Empresas
O financiamento das pequenas e medias empresas suíças é facilitado por contas com estatuto especial que podem ser abertas num determinado conjunto de bancos com licença para tal. Estas contas constituem plataformas simplificadas, e de custos muito reduzidos, dedicadas ao investimento privado às empresas que querem expandir-se.
O financiamento apoiado em crédito bancário é residual e quase exclusivamente destinado às grandes empresas.
A dinâmica do investimento privado a start-ups e Pequenas e Médias Empresas é mesmo muito forte.
As empresas são obrigadas a praticar uma transparência total nos seus balanços e nos seus planos e estratégias de negócio.
Este sistema dá a confiança aos investidores privados, e permite às pequenas e médias empresas, que constituem 99% do tecido empresarial suíço, financiarem-se fora dos mercados bolsistas, destinados apenas às grandes empresas.
O empresário e empreendedor açoriano vive “pendurado” nos apoios ao investimento dados pelo Governo ou provenientes dos Fundos da União Europeia; é um autêntico especialista na “indústria do subsídio”; praticamente não investe se não conseguir percentagens elevadas de apoios a fundo perdido ou então a juros nulos e com extensos períodos de carência; e a parte do investimento que lhe está destinada, vai buscá-la à banca.
A maior parte das empresas açorianas vive sobre-alanvancada e estrangulada pelos encargos financeiros do seu serviço da dívida.

Sistema de Transporte de Mercadorias
A rede de transportes ferroviários e rodoviários dotaram a Suíça de túneis a grandes profundidades que permitem o atravessamento rápido do país, em menos de quatro horas, para chegar a todos os países da Europa Central e com custos muito baixos.
São mais de 100 km de uma rede subterrânea que atravessa os Alpes.
O transporte de mercadorias nos Açores é feito primordialmente por via marítima e é operado em cartel.
O preço do contentor está longe de estar optimizado e as rotas praticadas impõem constrangimentos muito penalizadores para as exportações, principalmente às das ilhas mais pequenas, a quem são impostos tempos de entrega aos mercados do Continente muitas vezes superiores a duas semanas.

Sistema Político e a Organização da Administração Pública
O parlamento suíço elege os sete ministros que irão gerir os 7 departamentos da Federação, numa orgânica que se mantém imutável há mais de 60 anos. Cada partido propõe os seus candidatos a cada lugar ministerial e são eleitos os melhores, com base nos seus “currícula”; todos os governos são compostos por ministros de diferentes partidos.
O cargo de Presidente do Federação é de eleição colegial, pelos deputados, e é exercido de forma rotativa, por períodos anuais, e repartido pelos sete membros do Conselho de Ministros.
O Parlamento funciona num sistema em que todas as decisões são tomadas por unanimidade, e em que a estratégia de médio e longo prazo e os investimentos estruturais são definidos pelos deputados e não estão, por isso, sujeitos aos ciclos eleitorias nem às vontades do partido que vence as eleições.
A realidade açoriana é bem diferente e sobejamente conhecida de todos; sempre que muda o governo, mesmo que seja do mesmo partido do anterior, muda toda a orgânica da Administração Pública.
Se mudar o partido vencedor das eleições, são substituídos praticamente todos os que estão em lugares de direcção ou chefia nas repartições públicas regionais e em todos os conselhos de administração das empresas públicas, sendo o principal critério de selecção o cartão de militante ou os laços de amizade ou de parentesco com os dirigentes do partido.

Moldar um Futuro Melhor
O caminho para o desenvolvimento dos Açores passa pela industrialização da sua economia com empresas “start-up”de nova geração, germinadas na faculdade de engenharia, criadas por estudantes empreendedores e com ideias inovadoras.
O caminho será longo mas a solução já foi testada com sucesso em vários países e regiões; vimos em cima o exemplo da Suíça, mas outros poderiam ser apresentados, como por exemplo o da Irlanda ou o da Coreia do Sul ou de Taiwan.
E a solução passou sempre pela alta qualificação das novas gerações e por incentivar e apoiar o empreendedorismo nas fileiras das universidades de engenharia; sempre inserida num contexto de uma duradoira estabilidade política e de uma estratégia estruturada e consistente com uma visão de longuíssimo prazo, a mais de 20 anos.
A Escola terá, por isso, que voltar a ser o espaço do rigor, da exigência e os professores terão que voltar a ter a autoridade e o respeito que nunca deviam ter perdido.
O ensino profissionalizante terá que ser alargado e incluir estágios em ambiente empresarial e com uma remuneração condigna dos alunos, mesmo que inicialmente tenha que ser assegurada por programas públicos.
A universidade terá que reforçar e expandir a sua oferta de licenciaturas, mestrados e doutoramentos em engenharia, contratando professores de universidades de topo ao abrigo de programas de cooperação científica, como o que foi feito em 2010 com o MIT para o estudo das energias renováveis nos Açores.
Captando para a Universidade dos Açores alunos e investigadores no mercado internacional, e estudantes portugueses de mestrado e de doutoramento que estejam espartilhados pela política austera da Fundação para a Ciência e Tecnologia, atribuindo-lhes bolsas para investigação, reforçar-se-á muito a massa crítica científica e empreendedora na Região.
Tal “revolução” terá que ser financiada numa fase inicial por fundos públicos e Comunitários; que em fase posterior será alargado a empresas do mercado regional, nacional e até mesmo internacional.
O Laboratório Regional de Engenharia Civil terá que se transformar num espaço de investigação e desenvolvimento para todas as engenharias.
O apoio ao empreendedorismo terá que passar pela constituição de um Gabinete Regional para registo de patentes e para captação de investidores, nacionais mas também no mercado internacional.
A facilitação ao investimento em start-ups e em Pequenas e Médias Empresas terá que ter plataformas integradas no sistema bancário, transparentes e de baixo custo.
Ao nível político terá que se quebrar a prática “terceiro-mundista” de tudo e todos substituir quando muda a cor política do governo.
É necessária estabilidade nas orgânicas públicas e os Açores não podem dar-se ao luxo de desperdiçar talentos, ao levarem por diante “purgas” unicamente motivadas por interesses meramente políticos.
As acessibilidades aos mercados de exportação terá que ser reforçada com um serviço regular e o mais competitivo possível, aéreo e marítimo.
O Porto da Praia da Vitória, o único dos Açores de águas profundas e com funcionamento permanente ao longo de todo o ano (condição “sine-qua-non” para o investimento, exigida por todos os grandes operadores marítimos mundiais), por estar protegido pela Baixa da Vila Nova contra o mau tempo no mar, terá que ser concessionado a um grande operador internacional que aí monte uma base de apoio logístico às suas rotas entre a Europa e a Costa Leste dos Estados Unidos.
Para que as novas gerações possam herdar uns Açores com melhores perspectivas de futuro, as estratégias vigentes e os vícios instalados terão que ser radicalmente alterados.
Reconhecendo que há que mudar o estado das coisas, cabe ao governo e a todos os deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores desenhar a estratégia de médio e longo prazo que inverta o ciclo de pobreza que os anos de Democracia não conseguiram ainda quebrar.
O caminho a percorrer será longo, árduo e vai necessitar de uma quantidade considerável de fundos públicos; por isso, qualquer altura é boa para arregaçar as mangas e começar a gizá-lo, bastando para tal que todos os agentes políticos tenham sentido de responsabilidade, visão, um elevado sentido de missão para com a causa pública e uma grande honestidade intelectual.
E este mês de Junho de 2022, em que se comemoram 46 anos da Autonomia dos Açores, parece-me ser um excelente momento para começar esta longa caminhada.

Nuno Ferreira Domingues *

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