Diário dos Açores

200 números do Voz Popular – um motivo de celebração

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O amigo Zeca, mesmo em convalescença, teve a preocupação de me anunciar apublicação do nº 200 do Voz Popular. E, como me reconhece fiel leitor (ele faz sempre questão de me enviar o jornal), e sabe que leio tudo de fio a pavio, perguntava-me se não quereria associar-me escrevendo umas linhas para esse número especial.
Evidentemente que anuí. Assentei no calendário o plano de escrever uma nota de parabéns, desfiando uns quantos adjetivos ditados pela sinceridade de leitor regular e deveras apreciador do tradicional espírito da gente desta nossa freguesia que, entre tantas outras iniciativas, mantém esse boletim vivo e interveniente. O meu amigo João Carlos Tavares, natural da Fajã de Cima, também habitual leitor do VP, não se cansa de expressar a sua admiração pela qualidade sempre renovada em cada número.
Iria, pois desenrolar a minha nota-postal nesse tom, quando aconteceu chegar-me o email de um amigo, o Professor José Luís Cardoso, atual Presidente da Academia das Ciências de Lisboa. Partilhava um artigo seu sobre a revolução liberal de 1820, que iniciou uma viragem política em Portugal rumo à modernidade (“A revolução Liberal de 1820: Guia de uma revolução inacabada”, Almanack, Guarulhos, nª 30 ed00422, 2022).Comecei a lê-lo e deparei com este parágrafo inicial:

“A Revolução Liberal, iniciada no Porto, em 24 de agosto de 1820, obedeceu a um conjunto de orientações programáticas definidas pelos seus principais mentores e impulsionadores.”

Claro que me ocorreu logo o nome da Rua 24 de Agosto do nosso Pico da Pedra, topónimo que foi sempre para mim um enigma, até há alguns anos quando li algures uma explicação: essa era afinal a data do início da revolução liberal. Só que não me lembrava onde tinha encontrado essa informação (a velhice não perdoa!)
De imediato escrevi ao Professor José Luís Cardoso a agradecer-lhe o do seu texto e a dizer-lhe que fora logo à partida agarrado pela frase de abertura. Expliquei-lhe que na minha freguesia natal, Pico da Pedra, há uma Rua 24 de Agosto, nome que para mim tinha sido um mistério, até ao seu desvendamento quando um dia vim a saber que tinha a ver com a data da revolução liberal. Todavia não me recordava onde tinha obtidoesse dado. E acrescentei:
“Não sei se terá sido o Diniz Moreira da Mota (deu o nome à minha rua de berço), patrício meu que vem mencionado no In Illo Tempore, de Trindade Coelho, e irmão de Aristides Moreira da Mota, o grande teórico autonomista açoriano, que terá feito questão de colocar essa data como nome da rua.”
Partilhei entretanto o ensaio do Prof. José Luís Cardoso e a nossa troca de emails com os amigos e patrícios Osvaldo Cabral, José Maria Cardoso Jorge e Gilberto Bernardo.
Em poucas horas, o Gilberto envergonhava-me a memória enviando cópia do artigo por ele publicado no Voz Popular em 2020, precisamente a explicar em pormenor a origem do topónimo. Nesse minucioso escrito, o Gilberto conta que a identificação dessa data tinha sido feita numa muito anterior edição do boletim Voz Popular (nº 30), emFevereiro de 1978, assinado nada mais nada menos do que pelo meu saudoso tio, Professor José Carreiro d’Almeida. Mais acrescenta o Gilberto Bernardo, citando o Prof. Carreiro, que “foi para comemorar o primeiro centenário dessa revolução que a Junta de Freguesia de Pico da Pedra, da presidência de António Emídio Botelho e tendo comoRegedor, José Emídio Botelho, quem deliberou solicitar à Camara Municipal, que a rua que vai da Rua das Almas até à Rua Maria do Céu se denominasse por Rua 24 de Agosto de 1820 (acta da Junta de Freguesia de 15 de Agosto de 1920).”
Por que faço sempre questão de dar o seu a seu dono, reencaminhei imediatamente o artigo do Gilberto para o Prof. José Luís Cardoso que não tardou a acusar a receção dando claros sinais de que o leu. Transcrevo o seuemail:

“Muito obrigado por partilhar esta curiosidade. Espantoso. Preparava-me para lhe escrever sugerindo que, possivelmente, teria havido lá na freguesia algum acontecimento notável em tal data. Mas assim se prova que entre os micaelenses há bons e fiéis devotos da revolução liberal.
Nem na Figueira da Foz, terra minha que também foi a de Manuel Fernandes Tomás, existe rua com tal lembrança. Não foi o único a lembrar-se que valia a pena celebrar esse dia.”

Quer dizer: a apregoada tradição liberal do Pico da Pedra não é mera cantiga.
E assim acabei arranjando uma história para contar nesta minha crónica de parabéns ao Voz Popular que agora alcançou um belo marco digno de celebração. É prova de que há que arquivar devidamente a coleção completa do VP, pois será no futuro um magnífico repositório de novas e bem mais desenvolvidas Memórias do Pico da Pedra, na continuidade desse clássico da nossa freguesia, da autoria do Padre António Furtado Mendonça.
Só tenho pena de não ter para esta minha crónica um leitor: o meu tio José Carreiro d’Almeida. Interessava-se apaixonadamente por tudo o que tinha a ver com o Pico da Pedra e iria certamente gostar de saber que um artigo seu de há mais de 40 anos continuava a ser citado, e chegara a receber ecos do Presidente da Academia das Ciências de Lisboa.
Obrigado ao Voz Popular pelo que conseguiu fazerem 199 números. E que continue firme na construção de um Pico da Pedra sempre melhor.

Onésimo Teotónio Almeida *

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