Diário dos Açores

A estrela cadente de Macron

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As eleições legislativas de Domingo passado em França mostraram, a quem ainda tinha dúvidas, que a boa estrela inicial do mandato presidencial de Emmanuel Macron está em acelerada decadência. Sem a maioria absoluta no Parlamento, pela qual apelara em termos dramáticos, e com um Governo recém-empossado, chefiado por uma Primeira Ministra totalmente desprovida de carisma, e já a precisar de remodelação, até porque alguns dos seus membros foram derrotados nos círculos eleitorais por que se candidataram a Deputados, o Presidente da França encontra-se manietado para a realização do seu programa - se é que tem mesmo algum para além da simples manutenção do cargo e das respectivas mordomias...
Macron apareceu de repente na cena política francesa, levado para o Governo pelo anterior Presidente Hollande, oriundo do Partido Socialista. Cedo, porém, dele se afastou, mostrando pretender tentar a sua sorte como candidato presidencial, para o que lançou mesmo um Movimento, o En Marche, designado afinal pelas iniciais do seu próprio nome. Comportamento aparentemente tão traiçoeiro não impediu que o dito Hollande, seu suposto protector, tivesse mesmo afirmado, quando percebeu que o Povo o rejeitava e que a sua candidatura, a acontecer, se saldaria num total desastre eleitoral: “Macron, c’est moi!”
Nas eleições presidenciais de há cinco anos Macron ganhou e nas legislativas seguintes o seu Movimento, apressadamente convertido em partido político, La Republique en marche, com o acrónimo LREM, sempre portanto preso umbilicalmente ao líder, até pela evocação das iniciais do seu nome, pulverizou os partidos tradicionais, à sua direita e à sua esquerda, ocupando perto de 350 dos 557 lugares da Assembleia Nacional.
Carecido de experiência e de sólida implantação no terreno, o LREM não teve grande desempenho nas eleições locais e por isso ficou em falta quanto ao pretendido domínio do Senado, indispensável para fazer aprovar sem riscos qualquer medida legislativa. Ainda assim, avançou com a revogação das controversas medidas do anterior Presidente socialista de tributação das maiores fortunas do país, colando a Macron o epíteto de Presidente dos Ricos.
Quando tentou impor medidas correspondentes à chamada “Agenda Verde”, aumentando a tributação dos combustíveis, desencadeou o protesto dos Coletes Amarelos, que pôs a França em estado pré-insurreccional, com o centro de Paris destruído e saqueado em sucessivos fins de semana, sem que Presidente e Governo lograssem fazer parar os desordeiros. A consequência foi “meter a viola no saco”  e aguardar por outros tempos, enquanto os ânimos perturbados arrefeciam.
Quanto às leis laborais e à reforma da Segurança Social, com o aumento da idade da reforma, as discussões também se revelaram inconclusivas.
Na frente externa, Macron tentou reposicionar a França como o grande país que muitos franceses julgam que ela é. Promoveu cimeiras com a então Chanceler da Alemanha, Angela Merkel, especialista em arrastar os pés, na esperança que os problemas se solucionem por si mesmos, como agora estão reconhecendo até os seus admiradores mais entusiastas. Claro que de tais reuniões não resultou nada de espectacular quanto ao andamento dos problemas que a União Europeia estava e continua a estar enfrentando.
Macron tem manifestado um certo tropismo de aproximação aos líderes autoritários. Trump foi mesmo convidado para vir a Paris celebrar o aniversário da Revolução Francesa, prodigalizando-se em “gaffes”, como é próprio do seu modo de ser. A cena do prolongado e forte aperto de mão entre os dois Presidentes ficou famosa. Putin também veio a França e foi recebido em Versalhes, como se os tempos do Rei-Sol ainda por aí andassem, mas não se rendeu ao charme do seu anfitrião, a quem mais tarde recebeu no Kremlin no topo de uma mesa de alguns 6 metros de comprimento.
Valha-nos que ao menos nas questões da Ultraperiferia Europeia Macron acertou e não hesitou em comparecer em pessoa na reunião da Conferência dos Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, realizada em Kourou, na Guiana Francesa, e aí proclamar o contributo positivo das mesmas para a União Europeia, pela sua projecção marítima, geo-estratégica e cultural, que afirmam a identidade e os interesse da Europa muito para além dos seus limites continentais. O que corresponde afinal ao discurso açoriano sobre a matéria, desde os primeiros tempos  do lançamento das questões das ilhas como um tema europeu, ainda na década de 70 do século XX,  passando pela realização das Conferências das Regiões Insulares Europeias, em 1981 e em 1984, e que culminou na fundação da CPRUPs, no já longínquo ano de 1994.
Para o seu segundo e derradeiro mandato, Macron parte com bem sombrias perspectivas. Pode acontecer que venha ainda a surpreender, tentando e conseguindo uma qualquer coligação maioritária no Parlamento. Mas não é esta a tradição da Vª República Francesa! Para facilitar a obtenção de uma maioria sintonizada com o Presidente da República até a Constituição foi alterada, impondo eleições legislativas após as presidenciais e assim poupando ao Presidente eleito o encargo de dissolver o Parlamento e convocar eleições gerais antecipadas, como se tinha tornado já praxe. Além disso as posições estão extremadas, dificultando a obtenção de apoios numa espécie de jogo de “pesca à linha” de apoiantes de vários quadrantes, aliciados com cargos e prebendas diversas, como aconteceu nos tempos iniciais da formação da “Macronie”, designação dada pelos adversários aos incondicionais de Macron.

 

* (Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado
Acordo Ortográfico.)    

João Bosco Mota Amaral*

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