Diário dos Açores

As exigências de uma Igreja Sinodal

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Nos últimos dias os media mais sensacionalistas e também os meios eclesiásticos mais conservadores tem levantado a hipótese da renúncia do Papa Francisco, baseando as suas teorias  em argumentos frágeis e pouco convincentes.
São conhecidas as críticas ao Papa argentino de alguns purpurados afetos às correntes conservadoras, imobilistas e clericalizantes, que, ao pretenderem manter um apertado controlo sobre a investigação teológica nas universidades e no ensino eclesiástico, chegaram mesmo ao ponto de afastar peritos conciliares, alegando que não seguiam os questionáveis ditames da Congregação da Doutrina da Fé.
O “aggiornamento” conciliar definiu a Igreja como “Povo Santo de Deus”, “Serva e pobre” e assumiu como sua missão pastoral dar atenção e responder dar resposta às “alegrias, esperanças, tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem” pois “não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no Seu coração [de Cristo]” . (Gaudium et Spes, 1).
Desde que foi eleito em março de 2013, Francisco combateu, repetidamente, o clericalismo, considerando que ele cria uma espécie de “aristocracia” nas comunidades católicas e que está na raiz de vários problemas na Igreja, incluindo os “casos de abusos”.(Ecclesia 30 nov 2018)
Alguns responsáveis hierárquicos, como o Cardeal António Marto, seguiram a voz do Papa, apelaram ao “discernimento comunitário” para responder “às tentações do clericalismo, da rigidez e do sectarismo”, e encontrar “consensos num processo espiritual de escuta”. Para o antigo Bispo de Leiria-Fátima “Esta atitude marca uma visão da Igreja: Convida a passar de um modelo de Igreja clerical, a um modelo sinodal, baseada na corresponsabilidade de todos os fiéis leigos, fieis padres, fieis bispos, e fiel sucessor de Pedro”. E acrescentou: a “visão clerical” foi um impedimento, na vida da Igreja, para a valorização “plena” dos valores “do Espírito Santo no povo de Deus, nos serviços e ministérios laicais” que agora “o Papa Francisco realiza”.(Ecclesia, 17 out 2021)
Contrariando o mau augúrio de alguns vaticanistas sobre a sua renúncia tão propalada na imprensa, Francisco contrariou essas opiniões, num encontro com os bispos brasileiros da Amazóia: “Não me passa pela cabeça renunciar.  Quero viver a minha missão até que Deus mo permita.”1
Desfeita a teoria da renúncia -outras mais poderão surgir tendo na sombra adversários da permanente renovação sinodal, Francisco demonstra uma determinação na realização da Assembleia do Sínodo dos Bispos, marcado para o próximo ano.
Os trabalhos incidirão sobre as propostas de tão desejadas mudanças na Igreja, apresentadas pelas dioceses do mundo inteiro, após reflexão efetuada pelos fiéis nos últimos dois anos.
Algumas conclusões estão a ser divulgadas e os Bispos da Conferência Episcopal Portuguesa (e só eles!...) escolheram um pequeno grupo de leigos e sacerdotes para elaborar uma síntese que será enviada para o Vaticano.
Curiosamente, ou talvez não, há uma identidade de pontos de vista entre o pensamento do Papa, atrás referido, e os problemas detetados pelas comunidades que anseiam por mudanças e   respostas pastorais mais eficazes.
O clericalismo é uma questão transversal à Igreja.
Um Grupo da Ação Católica Rural (ACR) da Diocese de Vila Real, utilizando na sua análise o método da Revisão de Vida (ver, julgar e agir), realizou uma reflexão profunda, aberta a participantes de outras partes do país, sob os seguintes tópicos: 1.Estruturas e organização da Igreja; 2.Igreja ausente e paralisada; 3.Comunicação e Acolhimento; 4. Liturgia; 5. Formação; 6. A Igreja e a Economia; 7.Tabus e 8. Ecumenismo e Diálogo Interreligioso.
Não sendo possível transcrever todo o documento, cito algumas análises e propostas:
A Igreja é clerical e isso revela-se na desatualizada escolha e nomeação dos bispos; os leigos não são chamados a participar na organização das paróquias e organismos diocesanos; os padres chamam a si tudo, não delegam tarefas nos leigos; muitas vezes também são os leigos que não se disponibilizam. Há leigos talentosos e com carisma, mas não são aproveitados pelo facto de os párocos não arriscarem para ver se eles os podem ajudar, preferindo ser eles a fazer tudo.
Os leigos que não se sentem úteis ou sentem que as suas opiniões não contam, que não são escutados, afastam-se facilmente. A Igreja está ausente das instituições: família, escola, política, sociedade em geral. A Igreja que perdeu os operários e os jovens está a perder as mulheres. Há pouco dinamismo na Igreja, muito por causa do silêncio a que têm sido remetidos os leigos. Falta diálogo entre leigos e clero. A generalidade dos sacerdotes anda a correr de um lado para o outro, sem tempo para estarem presentes e acompanharem os leigos na sua caminhada colectiva e pessoal.
O sentido de comunidade está ausente da maior parte das celebrações e outras actividades. Falta alma à generalidade das cerimónias litúrgicas: liturgias sem criatividade, sem cativarem a atenção das pessoas. Homilias ocas e liturgias mecânicas. Certas homilias são pobres, mal preparadas e descontextualizadas da realidade. Os conselhos económicos são quase exclusivamente dirigidos pelos párocos ou integram leigos amorfos e sem iniciativa. Falta transparência na gestão dos dinheiros e na gestão dos bens das paróquias e da Igreja em geral, que leva a críticas muitas vezes fundadas sobre a ausência de conhecimentos dos sacerdotes para a execução dessas tarefas. É preciso explicar como funciona a gestão dos bens e do dinheiro das diferentes entidades e organismos da Igreja; implicar mais os leigos na gestão do património da Igreja, nomeadamente das paróquias e tornar públicas as contas. Os conselhos económicos devem funcionar com toda a transparência e as paróquias devem ser auto-suficientes para não estarem dependentes de forças estranhas.
Os militantes da Ação Católica Rural de Vila Real sobre os temas Tabus entendem ser necessário “Melhorar a educação ministrada nos Seminários, procurar vocações adultas, maduras. Aceitar os recasados, como acontece noutras confissões católicas do Oriente.”2
Outros grupos incidiram a sua reflexão e conclusões sobre o celibato sacerdotal, no ministério sacerdotal de mulheres, de homens casados, e na criação de novas diaconias, na distribuição da comunhão aos divorciados, nas celebrações coletivas da Penitência, na resposta da Igreja aos casamentos gay, à homossexualidade, etc.
Pretende-se com o dinamismo criado na preparação do Sínodo de 2023 encontrar os melhores caminhos para responder às questões novas com que a humanidade se confronta.
Para além desse grande acontecimento eclesial, o objetivo é manter o propósito da sinodalidade na Igreja - comunidade em constante reflexão para melhor responder à Missão.
Será que a Igreja dos Açores percebeu o quão importante era refletir, seriamente, sobre os problemas que enfrenta, ou preferiu manter-se distanciada, tão instalada está numa pastoral de manutenção, guardiã de museus, na expressão do Papa?

1 https://www.religiondigital.org, 21.06.2022
2 https://setemargens.com 20jun2022
*Jornalista c.p.239 A
http://escritemdia.blogspot.com

José Gabriel Ávila*

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